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quinta-feira, 10 de junho de 2021

 

O PRESIDENTE EUROPEÍSTA E O VIZINHO SELVAGEM (DES)GOVERNADO POR UM PRESIDENTE NEGACIONISTA

Não sei exatamente o que o presidente da Argentina Alberto Fernández tinha em mente quando disse que os mexicanos vieram dos indígenas, os brasileiros da selva e os argentinos da Europa, de barco. Não vou acusá-lo de racista porque ele pode, na tentativa de soar poético, ter cometido apenas um ato infeliz. Mas uma coisa é certa, errou a autoria. Os versos não são de Octávio Paz, são do refrão da canção “Llegamos de los barcos”, do músico argentino Litto Nebbia, amigo do presidente.

Mas isso não explica muita coisa. Além de não sabermos ao certo as intenções de Fernández, o autor dos versos, mesmo que admitamos a licença poética, parece não saber que a gênese histórica dos três povos guarda muitas semelhanças.

Europeus espanhóis, sob o comando de Hernán Cortez, também chegaram de barco no México, em 1519, onde se depararam com diversos povos: Maias, Totonaques, Astecas. Europeus portugueses também chegaram de barco nas costas brasileiras, em 1500, onde viviam inúmeros povos indígenas, de diferentes etnias. Indígenas de várias etnias também viviam nas selvas, na região onde hoje é a Argentina, quando os espanhóis, liderados por Juan Dias de Solís, chegaram pelo Mar del Plata em 1516. Até onde eu entendo, brasileiros, argentinos e mexicanos, com o perdão do anacronismo, porque esses povos ainda não existiam, vieram do encontro, às vezes violento, às vezes mais amistoso, dos grupos indígenas com europeus que chegaram de barco. Africanos, de diferentes etnias, também chegaram de barcos, mas escravizados, na costa brasileira e, em menor número, na Argentina (Fernández não lembrou deles).

                                         Representação da chegada da esquadra de Cabral à costa brasílica.

Considerando então que para Fernández os argentinos e os mexicanos vieram respectivamente dos europeus e dos indígenas, o que ele quis dizer sobre os brasileiros terem vindo da selva? Que somos um povo, nem indígena nem europeu, que nasceu espontaneamente nas matas, já com as características identitárias atávicas dos brasileiros, e posteriormente ocupou o território?  Que descendemos de algum tipo particular de primata que das selvas pulou das árvores e fundou cidades?

Pode ter sido uma gafe, mas também pode ter sido uma sobrevivência intempestiva do pensamento racialista do século XIX, que remonta ao político e intelectual Domingos Faustino Sarmiento, que foi presidente argentino entre 1868 e 1874. Sarmiento foi um notório detrator das “raças” que julgava inferiores, negros e indígenas. Sustentava que a debilidade, a instabilidade e o atraso que marcavam a região, e a Argentina em particular, estavam relacionados à presença de “raças” inferiores e à mestiçagem. A superação do atraso e a garantia da estabilidade dependeriam de políticas de homogeneização social e cultural, sob o signo de uma unificação étnica branca. Para alcançar este ideal, colocou em ação políticas de extermínio dos indígenas, como os Araucanos do sul, e institucionalizou e incentivou políticas branqueamento da Argentina por meio da migração europeia, o que também aconteceu no Brasil. Este pensamento racialista se projetou pelo século XX e prosperou entre setores da elite argentina. Conscientemente ou não, a fala de Alberto Fernández ecoou o determinismo racial e o ideal de uma sociedade europeia e branca do século XIX.

Seja como for, uma gafe tosca, um descuido com as palavras ou a manifestação acidental de um pensamento racista internalizado, Fernandez, de um só golpe, branqueou de vez a Argentina, o que a geração de Sarmiento não conseguiu fazer, eliminou toda diversidade e demarcou de vez, no melhor estilo “Civilização e Barbárie”, a diferença cultural com o vizinho selvagem.

Para fechar com chave de ouro a mancada, Fernández ainda deu palco para o seu adversário falastrão e oportunista fazer graça, sem graça nenhuma, e pousar de amigo dos índios. A política (anti)indigenista do presidente brasileiro não o permite querer brincar de rei da selva.

No começo do mandato, por meio de medida provisória, o governo tentou subordinar a FUNAI ao Ministério da Agricultura, ato felizmente revertido pelo STF. Mas o desmonte da FUNAI e medidas contrárias a demarcação das terras indígenas seguiram adiante. A normativa 09, segundo denúncia do MPF, excluiu da base de dados do sistema que administra a gestão fundiária no Brasil todas as terras indígenas que ainda não estivessem no último estágio de demarcação. Com esta medida, ou manobra, os territórios a serem demarcados desapareceram do sistema e os antigos títulos de propriedade anulados pela Constituição de 88 foram validados.

O presidente cloroquiner, que quer parecer amigo dos índios, vetou, em julho de 2020, o projeto aprovado pela Câmara e pelo Senado que pretendia levar água potável, matérias de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos às aldeias, para combater a covid em terras indígenas. A desculpa para o veto é tão repulsiva que não merece ser lembrada.

Senhor presidente Alberto Fernández, o brasileiro, identidade não fixa e plural, vem de muitos lugares, de barco, de jangada, a pé, a cavalo, voando, fala muitas línguas, tem muitas e belas cores, e luta, apesar dos Ricardos Sales, para preservar uma das coisas mais extraordinárias que tem, as selvas. Mas alguns brasileiros, por vezes autoproclamados cidadãos de bem, assim como certa elite argentina, ainda vive na selva (uso metafórico) da ignorância, da barbárie, do autoritarismo, do preconceito e do desrespeito às diferenças.

terça-feira, 8 de junho de 2021

ENTRE CILA E CARÍBDIS: A DIFICIL ESCOLHA DOS PERUANOS NAS URNAS.

 

"Quantos, na nau Sensualidade, que sempre navega com cerração, sem sol de dia, nem estrelas de noite, enganados do canto das sereias e deixando-se levar da corrente, se iriam perder cegamente, ou em Cila, ou em Caríbdis". (Sermão de Santo António aos PeixesPadre António Vieira).

A certa altura da viagem de regresso à Itaca, Odisseu se deparou com duas criaturas ameaçadoras, emboscadas em ambos os lados do estreito de Messina, entre a Itália e a Cicília. Não tinha outra alternativa, tinha que escolher entre Cila e Caríbdis, monstros marinhos que aterrorizavam os navegadores. Cila era um monstro do rochedo, em forma de mulher, com seis cães que devoram tudo o que estivesse a seu alcance. Caríbdis era um monstro das profundezas que sorvia e vomitava água constantemente, formando um redemoinho que engolia tudo. Quem desviasse do turbilhão de Caríbdis se destruiria nos rochedos de Cila. Fosse qual fosse a escolha, as perdas seriam inevitáveis e terríveis.

Navegando em águas perigosas, distantes do continente da democracia, o povo peruano está diante de uma escolha difícil nas urnas. De um lado, o candidato “de esquerda” Pedro Castillo; de outro, Keiko Fujimori, da direita fujimorista e filha do ex-ditador. São candidaturas opostas, com projetos distintos, mas ambas representam perigos significativos às lutas políticas contemporâneas e ao estado democrático de direito. Seja qual for a escolha, no plano da metáfora, a democracia peruana vai de encontro ao redemoinho ou ao rochedo.

Pedro Castillo é professor no ensino fundamental e dirigente sindical. Saiu do anonimato e ficou conhecido do público em 2017, quando esteve à frente de uma greve de professores por melhores salários e contra a avaliação dos professores por desempenho (modelo gerencialista de educação), que durou três meses. A greve o transformou numa liderança nacional e o habilitou a disputar as eleições presidenciais. A campanha do candidato baseou-se em dois eixos fortes: o reconhecimento da saúde e da educação como direitos fundamentais e o combate à corrupção (ponto frágil da opositora).

Concorre à presidência pelo partido marxista leninista mariategusita Peru Libre, fundado e refundado entre 2007 e 2012 por Vladimir Cerrón. A presença de Cerrón na campanha traz algum desconforto à candidatura de Castillo. Ex-governador de Junin, Cerrón foi afastado sete meses depois da posse por corrupção. Indagado sobre a presença do secretário geral do Peru Libre no seu governo, Castilllo, tentando se distanciar, afirmou: “O senhor Vladimir Cerrón está legalmente impedido. Não vão vê-lo nem como porteiro de nenhuma instituição do Estado. Essa luta não é do Cerrón, nem do Castillo, é do povo”.

Na campanha, Castillo defendeu a construção de um “estado socialista” e, na mão oposta da adversária, que o Estado tenha um papel mais presente e ativo na economia. Manifestou interesse em negociar diretamente com os mineradores e empresas de gás para convencê-los a investir parte de seus lucros no país e propôs um aumento do orçamento para a educação de 3,5 % para 10 % do PIB, com o propósito de combater o analfabetismo, investir em melhores salários para os professores e em infraestrutura. Paralelamente, as declarações controversas de Castillo desgastam a imagem de um homem simples, educador rural, que usa chapéu de palha e anda a cavalo, que se coloca ao lado dos pobres e excluídos da ordem econômica e anuncia uma mensagem direta: “Chega de pobres em um país rico”. Conservador em relação às pautas identitárias e à legalização do aborto, Castillo reconhece apenas os direitos de homens e mulheres, como expressões naturais e legítimas, rejeita veementemente o casamento entre pessoas do mesmo sexo e se opõe à inclusão do gênero nos currículos escolares. Recentemente, disse que o feminicídio é resultado da ociosidade gerada pelo Estado e sustentou que o estímulo ao desenvolvimento nacional é a melhor política contra a violência sofrida pelas mulheres. De maioria católica, o Peru, quando comparado à Argentina e ao Uruguai, é um dos países da região mais atrasados nas discussões sobre igualdade de gênero e direitos da comunidade LGBTQI+.

Castillo está longe de ser um outsider da política, como querem alguns analistas políticos. É uma novidade e uma surpresa eleitoral, um azarão talvez, mas não um outsider. Sindicalista e católico, o candidato representa um tipo político muito comum na América Latina, que personifica as lutas sociais, a indignação com a pobreza e a exploração do trabalho e as reveste com o manto moral da religião. Isso explica, em parte, a aversão do candidato ao aborto legal e às reivindicações LGBTQI+. No Peru a religião tem um peso decisivo nas eleições. Foi neste país que o sintagma “ideologia de gênero” apareceu pela primeira vez numa nota oficial da Conferência Episcopal do Peru, intitulada La ideología de género: sus peligros y alcances, assinado pelo ultraconservador monsenhor Óscar Alzamora Revoredo, marianista e bispo auxiliar de Lima, em 1998. Traduzido em diversos idiomas, o texto tornou-se referência e passou a exercer contínua influência na comunidade cristã mais arredia à discussão do tema. Nas mãos dos detratores reacionários “Ideologia de gênero” tornou-se uma arma poderosa para atacar e estigmatizar os adversários, comumente chamados de: destruidores da família, cristofóbicos, homossexualistas, gayzistas, feminazis, pedófilos, heterofóbicos, zoofilistas, e por aí vai. No Peru, o movimento latino-americano contrário a “ideologia de gênero”, “Não se mete com meus filhos” (#ConMisHijosNoteMetas), tem ampla base popular e mobilizou milhares de pessoas em manifestações em 2018.

Fundado em Lima, em 2016, o movimento reuniu milhares de peruanos na Plaza San Martin, em Lima, em novembro de 2018, exigindo que o governo de Martin Vizcarra não promovesse as pautas de gênero nas escolas. A abordagem LGBTQI+ do governo, para representantes do movimento, era fruto de um ideal marxista que quer impor a “ideologia de gênero” pela força coercitiva do Estado. O populismo conservador, de direita e de esquerda, de Keiko e de Castillo, abraçou este movimento e o incorporou às suas campanhas. Castillo tornou-se ativista e Keiko alisou-se a pastores evangélicos também ligados ao movimento.

Trocando em miúdos, Castillo combina o socialismo marxista, a defesa de um Estado forte e interventor, o fim dos monopólios privados e a erradicação da exploração do trabalho, com um conservadorismo intransigente, moralista e homofóbico.

Algumas declarações também colocam o véu da suspeita sobre suas convicções democráticas, como a criação de uma lei de regulação da mídia, o fechamento do Congresso Nacional, caso não aceite a proposta de uma Constituinte, e o fechamento da suprema corte peruana.

Com o perdão do exagero, Pedro Castillo parece uma síntese infeliz de Maduro com Bolsonaro.

Keiko Fujimori, do partido da direita fujimorista Força Popular, não é nenhuma novidade. Keiko fundou o partido em 2009 e foi candidata à presidência em três oportunidades. Carrega o peso do sobrenome e do passado recente, seu e do pai, na política peruana. Pelo lado do pai, os horrores da ditadura, a corrupção e os abusos dos direitos humanos (motivos pelos quais Alberto Fujimori está preso); por sua própria conta, a denúncia de corrupção e a prisão, em 2018, sob a acusação de lavagem de dinheiro e de ter recebido 1, 2 milhão de dólares irregularmente da Odebrecht e de um grupo financeiro peruano para bancar as despesas das campanhas presidenciais de 2011 e 2016.

No lado oposto ao de Castillo, Keiko não é intervencionista, defende a manutenção das regras econômicas em vigor e se posiciona a favor do livre comércio e de medidas que atraiam mais investimentos externos para o país, especialmente para a mineração (área que Castillo quer nacionalizar).

Num esforço para se distanciar da imagem do pai, Keiko tem reiteradamente declarado respeito à democracia. Promete conduzir o país observando o estado democrático de direito, mas com “mão forte”. Chegou a criar um neologismo para caracterizar a “democracia firme” que pretende exercer: demodura. Vindo de quem vem, e com o sobrenome como corolário, o conceito é de provocar calafrios.

Na mesma linha de Trump e Bolsonaro, a campanha de Keiko utilizou as redes sociais para denunciar uma suposta fraude eleitoral em ação e acusar e associar a candidatura de Pedro Castillo ao comunismo (o bicho papão da direita) e ao terrorismo (do Sendero Luminoso). É a velha tática da direita populista de desinformar e espalhar o medo, apelando para teorias conspiratórias, e insistir no discurso envelhecido de que o comunismo ameaça as liberdades. Numa briga com Evo Morales, durante a campanha, mandou um recado que respingou até no Lula: “Eu quero dizer bem claramente ao senhor Evo Morales: você não se meta no meu país, não se meta no Peru. Fora do Peru, Evo Morales! Nós, peruanos, não vamos aceitar a sua ideologia, o socialismo do século 21. Dizemos fora ao comunismo, fora a Maduro, fora a Lula e a esse tipo de ideologias que buscam nos destruir e trazer pobreza”.

Numa campanha populista de direita, seguindo a tendência contemporânea, também não poderiam faltar as fake News. A mais bizarra envolve Leonel Messi. Na sua conta no Twitter, Rafael López Aliaga, aliado de Keiko, divulgou que Messi teria entrado em campo contra Pedro Castillo e a ameaça do comunismo. López Aliaga, conhecido como o “Bolsonaro peruano”, é um empresário milionário e solteiro, ligado à Opus Dei (vanguarda ultraconservadora da igreja católica, muito forte na América Latina), que promete dar combate sem tréguas a “nova ordem marxista”, o suposto plano global para destruir a economia e instaurar um “paraíso socialista”. O sujeito, que se declara apaixonado pela Virgem Maria, se diz “viciado na Eucaristia” e praticante diário da autoflagelação com uma corrente de metal com ponta, para se manter no caminho da castidade.

A imagem, que viralizou nas redes sociais fujimoristas, é uma fraude. Adulteraram uma campanha da Adidas que chamava a atenção para a poluição dos oceanos – Run for the oceans –, que Messi divulgou em suas redes sociais.

Castillo ou Fujimori? Que escolha difícil! Odisseu teve que escolher o caminho menos perigoso. Escolheu, mas perdeu os seus melhores homens e passou a conviver com o terrível peso de sua decisão.

A unidade fraseológica "entre Cila e Caríbdis" nos adverte sobre os perigos que, em situações em que temos que optar por um lado, ambos os lados nos ameaçam simultaneamente.

Para não ser destruído, Odisseu sacrificou seis valorosos homens. Dirigiu seu navio para Cila, para fugir do segundo monstro. Julgou o rochedo menos perigoso. O plano era navegar bem perto e bem depressa. Era preferível perder alguns homens a perder todos. Enquanto do outro lado Caríbdes sorvia a água terrivelmente, Cila agarrou seis dos melhores e mais fortes homens do barco e retirou-se para dentro da caverna para devorá-los. Aterrorizados pelos gritos dos homens que lutavam contra a morte e clamavam por ajuda, o navio conseguiu passar e seguir viagem com os sobreviventes. Foi o mais lamentável espetáculo que os olhos do herói testemunharam, sentenciou Homero.

O Peru se encontra, à sua maneira, no estreito de Messina. As duas candidaturas, não há dúvidas, situam-se em espectros políticos opostos e antagônicos e apontam para distintos modelos de sociedade. Mas as duas campanhas também apontam para a construção de sociedades intolerantes e ameaçadoras às liberdades individuas.


Faço uso livre do que a ciência política chama de “teoria da ferradura” para entender melhor os extremos da política peruana polarizadas nesta eleição. A expressão foi criada por Jean-Pierre Faye, linguista e teórico do pensamento totalitário, no livro O Século das Ideologias, publicado em 2002. Faye se refere a uma ferradura terminológica que reúne os vários matizes da paleta ideológica. Ao contrário de serem extremos opostos expostos num plano linear e contínuo, à semelhança de uma régua, os extremos do espectro político (direita e esquerda) acabam se aproximando, da mesma forma que os extremos de uma ferradura. A ferradura parece uma ferramenta útil para o caso das eleições peruanas. Pedro Castillo e Keiko Fujimori acabam se encontrando, e quase dando as mãos, nos seus arroubos extremistas e manifestações de intolerância. Moralmente, são siameses políticos. São opostos convergentes. As táticas populistas e o conservadorismo atávico os aproximam. São opostos no plano ideológico, pessoal e social. Pedro era menino pobre, de uma família de camponeses, de San Luis de Puña, uma área pobre e periférica do Peru; Keiko nasceu no Peru urbano, cosmopolita, da elite econômica de Lima, é bacharel pela Universidade de Boston, casada com um estadunidense e filha do ex-ditador. Mas ambos compartilham de visões muito semelhantes em relação à pauta de costumes. Ambos se opõem veementemente ao casamento gay, se declaram defensores da família tradicional e não pretendem promover nem reconhecer os direitos da população LGBTQI+ nem o aborto, mesmo em caso de estupro. E tudo isso com amparo bíblico. “O religioso não divide os seguidores de Fujimori ou Castillo, eles são conservadores”, disse, em 31 de maio deste ano, Luiz Pássara, analista do Diálogos do Sul, de Lima. A direita reacionária, da qual Keiko é a representante na eleição, associa a “ideologia de gênero” ao marxismo de Castillo, mas o candidato da esquerda não chega a ser atingido pelas críticas porque é religioso e inimigo declarado das pautas de gênero.

Seja quem for o vencedor das eleições, a travessia do estreito vai ser perigosa. Odisseu apostou no lado menos arriscado. Mesmo assim as perdas foram devastadoras. Mario Vargas Lossa, notório antifujimorista, declarou apoio à Keiko, por considerá-la um “mal menor”. Outros(as) investem em Castillo como uma aposta na democracia. Aqui do meu canto, desejando toda sorte do mundo aos peruanos, torço para que as minorias identitárias, desprezadas por ambos os lados, não fiquem como os companheiros de Odisseu, aos gritos pedindo socorro enquanto o rochedo impiedoso os devorava na sua tranquila e feroz indiferença.

Para diversos analistas, a eleição no Peru, polarizada entre duas candidaturas populistas, reflete a situação de desmonte e descrença nos partidos políticos tradicionais, a crescente desconfiança na política, decorrente dos sucessivos escândalos de corrupção, e os efeitos devastadores da pandemia do coronavírus. O Peru é um dos países mais afetados da América do Sul. No dia 31 de maio o número oficial de mortes por Covid-19 alcançou o total de 180.764 mortos. Segundo dados da Universidade John Hopkins, o Peru tem a pior taxa do mundo de mortos da pandemia em números relativos à população. São mais de 500 vítimas do coronavírus para cada 100 mil habitantes.

Olhando para a nossa paróquia, e com todos os cuidados para não equipararmos realidades distintas e personagens diferentes, estamos às vésperas de adentramos o perigoso estreito de Messina. O rochedo e o redemoinho, por aqui, têm as suas próprias particularidades, mas não são menos perigosos. Mas este é um assunto para um próximo post.