MIKHAIL
BAKUNIN É PROCURADO PELA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO.
Algumas
figuras, mesmo mortas, continuam a perturbar a harmonia comtiana da ordem e a
sagrada paz social.
138
anos depois de sua morte, o anarquista russo Mikhail Bakunin é indiciado pela
polícia civil do Rio de Janeiro por suspeita de atividades criminosas durante a
Copa do Mundo. Bakunin foi citado numa conversa telefônica por um manifestante,
interceptada pela polícia, e imediatamente passou a figurar como “potencial
suspeito” no inquérito que responsabiliza 23 ativistas por atos violentos
(Folha de São Paulo: 18/07/2014). A polícia espera prendê-lo nas próximas
horas.
Bakunin
passa a compor agora a seleta e curiosa lista de “filósofos” fichados depois de
mortos pela polícia brasileira. Nos tempos da ditadura o temido Departamento de Ordem Política e Social
(Dops) tinha entre os fichados, acreditem!, o filósofo Sócrates e Karl Marx. A
brutalidade dos órgãos repressores da ditadura só rivalizava mesmo com a ignorância
que também os distinguia. O Departamento chefiado pelo famigerado Fleury
perseguia obstinadamente os grupos de esquerda, mas era incapaz de reconhecer
os autores que inspiravam a luta do “inimigo”. Combatiam nas trevas da
ignorância (uso invertido da expressão de Jacob Gorender). Parece que a polícia
carioca sofre do mesmo problema. O Dops foi extinto em 1983, mas as práticas de
repressão, espionagem, infiltração nos movimentos sociais, o monitoramento de
suspeitos e a prisão das lideranças ficaram como tristes legados para a cultura
policial brasileira. Continuamos a tratar as questões sociais, mesmo sob a
batuta de um governo de esquerda, como casos de polícia.
A polícia civil do Rio de Janeiro não herdou apenas o
antigo prédio do Dops. Atuando à moda Dops, repressora e comicamente
despreparada, escancara continuidades obscuras que atentam contra a democracia
e revelam a impressionante desinformação, ou má formação, dos agentes. Os
policiais são obrigados a conhecer Bakunin? Claro que não. Mas se a polícia
esta investigando grupos que se declaram anarquistas, não caberia a Coordenadoria
de Informação e Inteligência Policial (CINPOL),
oferecer aos investigadores informações sobre o movimento e a cultura geral que
informa os manifestantes? Não quero com isso sugerir que a polícia deva se
especializar na repressão aos movimentos sociais, às manifestações políticas e
na caça aos ativistas. Estou questionando a capacidade da polícia de lidar com manifestações
de caráter político.
Não
custa informar à desavisada polícia carioca que Bakunin, perseguido pelas
polícias saxônica, prussiana, russa e austríaca, foi preso em 1849 pela destacada
participação nos levantes de Leipzig e Dresden em 1848. Ficou atrás das grades
treze meses antes de ser condenado à prisão perpétua. Depois de alguns anos foi enviado para a Rússia, que reclamava sua deportação. Não custa também
lembrar à polícia civil que Bakunin escreveu na prisão uma espirituosa “confissão”,
e enviou ao imperador. Dizia assim: “Você quer a minha confissão; mas você precisa
saber que um criminoso penitente não é obrigado a implicar ou revelar as ações
de outrem. Guardo apenas a honra e a consciência de que jamais traí quem quer
que tivesse confiado em mim, e é por esse motivo que não lhe entregarei nenhum
nome.” Se a intenção da polícia é prender Bakunin para ele revelar os nomes das
pessoas que financiaram ou estimularam os protestos, é bom ler com atenção a “confissão”.
Em
1857 o Czar decidiu banir Bakunin e mandá-lo para os distantes campos de
trabalho forçado da Sibéria. Não por muito tempo. Bakunin fugiu da prisão e se
lançou numa viagem de contornos épicos, embalada por genuíno espírito
revolucionário, pelo Japão, Estados Unidos, até chegar a Londres, onde retomou
as lutas. Daí até a sua morte, em 1876, dedicou-se as causas libertárias na
Itália, Inglaterra, França e Suíça, e ainda teve disposição, apesar do cansaço e
da pobreza que o rondava, para enfrentar os marxistas na Primeira Internacional
(Bakunin foi expulso da AIT em 1872, no Congresso de Haia, pelos marxistas).
Quatro anos mais tarde, ano de sua morte, a AIT foi dissolvida.
Depois
de perseguido em vida pelas polícias europeias, de passar anos duríssimos na
prisão, nos campos de trabalho forçado na Sibéria e de ser expulso da AIT pelas
manobras autoritárias dos marxistas, Bakunin é agora perseguido pela polícia
carioca e citado em conversas de ativistas mimados (e autoritários). A memória
do anarquista russo não merecia tamanhos maus-tratos.
Depois
dessa, o que mais podemos esperar? A contratação de um médium para interrogar o
anarquista no céu? O médium, quem sabe, faria um contato com o espírito de
Fleury que, na sua melhor especialidade, torturaria a alma de Bakunin até ela
confessar que esteve nas manifestações contra a Copa do Mundo. De Fleury e da polícia eu não duvido nada. A
dificuldade seria encontrar a alma do anarquista. Adianta explicar para a
polícia que Bakunin era ateu?
Sugestão
para a polícia carioca: criar o Departamento de Investigação de Assuntos do
Além, comandado por agentes mediúnicos e auxiliado por tecnologias ectoplasmáticas.
Seria mais uma, entre tantas fantasmagorias, que povoam o universo policial brasileiro.
Cara, sei que esse texto é velho, e não olhei muito do seu blog ainda, mas tive relembrando essa história e fui pesquisar, acabei caindo aqui.
ResponderExcluirMaravilhosa surpresa, amei o texto. Resolvi comentar por que eu me sinto obrigado a incentivar qualquer conteúdo bom que se encontre no google br esses dias, então, continue com o bom trabalho!
Valeu, João. Obrigado.
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