o demônio na américa Colonial:
a demonização das lideranças indígenas nos discursos jesuíticos (Província Jesuítica do Paraguai, Século XVII).
Con razón es llamado el
diablo mono de Jesucristo, Iesu Christi
scimus, porque en realidad cuanto Jesuscristo para el divino culto y gloria
y para eterna salud de sus amados hombres ha instituido o inspirado en su santo
reino, tanto ha tirado a imitar o feamente remedar el diablo para establecer su
reino y monarquia en la América, arrojado ya con ignominia de outras partes del
mundo.
(Antonio Julián).
Quem tem alguma familiaridade com os textos europeus dos
séculos XVI e XVII sobre o Novo Mundo, especialmente os textos religiosos, sabe
que existe um laço indissociável entre o demônio e a conquista e colonização da
América. Conquistadores e colonizadores viram nos costumes e nas práticas
indígenas inconfundíveis manifestações diabólicas. Tropeçavam nos demônios em
cada canto do Novo Mundo, mas não se davam conta de que eles mesmos o haviam
trazido nas suas caravelas, nas suas crenças, na sua forma de lidar com a
alteridade.
Os jesuítas eram a vanguarda ilustrada na arte de demonizar e
de farejar demônios. O know hall
trazido da Europa lhes habilitava a assumir essa posição e dar combates sem
trégua àquilo que o jesuíta Antonio Julián chamou de monarquía del diablo na América. O demônio havia subjugado as
populações ameríndias e por meio dos seus lideres espirituais exercia indecente
tirania. A libertação dos “pobres” indígenas era a missão dos voluntariosos
jesuítas.
O demônio funcionou como um verdadeiro princípio hermenêutico
utilizado pelos religiosos para decifrar a natureza dos habitantes das
Américas. Não há dúvidas também de que a presença do diabo em terras americanas
legitimou amplamente as missões religiosas e as conquistas militares em nome da
monarquia católica. Mas o demônio não pode ser reduzido nem a uma chave de
leitura das culturas indígenas, nem a um mero instrumento de conveniência
política e legitimação da conquista. Embora ele tenha sido utilizado para esses
fins, sua presença no Novo Mundo é bem mais complexa. Fernando Cervantes
advertiu convincentemente que este tipo de interpretação acaba por menosprezar
“la sincera creencia de la mayoría de los contemporâneos en la autenticidad del
demonismo.”
Vamos retornar, pelos caminhos das narrativas jesuíticas, ao
Paraguai colonial e conhecermos um pouco mais de perto os combates dos soldados
de cristo contra o inimigo da cristandade?
Os espetaculares combates apostólicos travados e narrados
pelos jesuítas no Paraguai, entre os séculos XVII e XVIII, não foram apenas
contra os antigos costumes indígenas e os terríveis feiticeiros (Missionários
de diferentes ordens religiosas chamavam os líderes espirituais indígenas de feiticeiros. Utilizo conscientemente a mesma nomenclatura
e os mesmos adjetivos empregados pelos missionários para destacar a forma como
eles viam e se referiam aos indígenas). Por trás das borracheiras, da
poligamia, do canibalismo, de toda sorte de vícios e das medonhas
artimanhas dos feiticeiros, que escandalizavam os inacianos, insinuava-se o
velho inimigo da cristandade: o demônio. Padres e feiticeiros, nas narrativas
jesuíticas, são apenas instrumentos de uma guerra maior travada entre o bem e o
mal, que no início da era moderna se deslocara da Europa para as geografias
desconhecidas do Novo Mundo. A crença no demônio, e o conjunto de práticas e
saberes que gravitavam a sua volta, era um traço fundamental da cultura
religiosa europeia nos séculos XVI e XVII. O demonismo não era uma expressão
exclusiva das crenças populares ou dos padres inquisidores, estava presente nas
manifestações da dita “cultura popular” e na “cultura das elites” (Fernando
Cervantes).
No século XVI uma nova ética cristã configurava-se na Europa,
alterando a visão até então dominante sobre o demônio. O sistema moral
tradicional baseado nos sete pecados capitais fora substituído pelo Decálogo.
Decorrência direta desta mudança de atitude foi a concepção de idolatria, que
foi alçada ao maior de todos os pecados que um cristão poderia cometer. Isso
acarretou uma mudança de percepção da figura do demônio. John Bossy observou
que o “Diabo, que era a imagem invertida de Cristo, o princípio personificado
do ódio pelo semelhante, tornou-se a imagem do Pai, no centro da idolatria e, a
partir daí, no centro da impureza e da rebelião.” O Concílio de Trento foi um
marco decisivo nas sistematizações desta nova ética cristã, como no combate às
idolatrias e ao demônio.
O apelo cruzadístico contra as coortes demoníacas exigiu do
pensamento erudito europeu a elaboração de um corpo doutrinário e tratadístico
que ficou conhecido como demonologia. As origens da demonologia remontam a
Santo Agostinho, que deu forma concreta ao demônio imaterial do velho
testamento. Ao longo da idade média a demonologia foi se desenvolvendo e
sistematizando um conjunto de saberes com a produção de obras importantes como
o “Fornicarium”, de Nider, e o “Malues Maleficarum”, de Sprenger e Kramer. No
século XVI o conhecimento sobre o diabo alcança o requinte com as obras
“Démonomanie”, de Jean Bodin, e “Daemonologie”, de Jaime VI Stuart (Laura de
Mello e Souza). Todo esse repertório de crenças e tratados demonológicos
atravessou o oceano com os conquistadores, principalmente com as ordens
religiosas, e desempenhou um papel central na conquista do Novo Mundo (Fernando
Cervantes notou o descompasso desconcertante entre a importância cultural do
tema do demonismo como um traço central da cultura europeia da época dos
descobrimentos e o descuido dos pesquisadores de hoje em relação ao tema). A
Companhia de Jesus, imersa neste contexto, desembarcou na América imbuída desta
nova ética. Treinados na arte de rastrear demônios, os padres chegaram munidos
de um vasto repertório de reconhecimento do inimigo, composto de ações,
descrições e ilustrações, disponíveis em sua cultura. Afinal, eles vinham de um
mundo permanentemente em luta contra as forças do mal. As atividades de caça às
bruxas e os manuais demonológicos lhes davam um know-how indispensável à árdua missão que na América lhes
aguardava. Pertencente à tradição demonológica dominante no seio da qual fora
fundada, a Companhia cultivava no seu interior os temas demoníacos (Beatriz
Vitar).
A “descoberta” da América, para surpresa dos europeus,
revelou que o império do diabo era muito mais vasto do que se imaginava. A
conquista dos povos americanos, além de “revigorar os símbolos do maravilhoso,
foi capaz de fortalecer a demonologia europeia”. Relacionada à alteridade
americana, a demonologia, ou o olhar demonológico, incidiria sobre as práticas
culturais indígenas, e mesmo sobre a natureza americana (Laura de Melo de
Sousa). O reconhecimento da idolatria como mais grave pecado de um cristão e,
sobretudo, o enlace teológico entre a idolatria e o demônio, criou as condições
para o desenvolvimento de uma demonologia americana que definiu as
manifestações religiosas indígenas, ou as idolatrias indígenas, como de
inspiração satânica. A expressão teológica melhor formulada em terras
americanas sobre esse tema encontra-se na obra do padre Acosta. No final do
século XVI, Acosta (2008) expressou uma curiosa tese: derrotado no Velho Mundo,
o diabo “acometio las gentes mas remotas y barbaras procurando conservar entre
ellas la falsa y mentida divindad.” Antonio Julián, jesuíta catalão que
desenvolveu trabalhos missionários na Colômbia, sistematizou este ponto de
vista numa obra intitulada “Monarquía del diablo en la gentilidad del Nuevo
Mundo Americano”. Inspirado na “História Natural”, de Acosta, a quem chama de “el buen veijo Acosta”, Julián
constatou que:
“Harto peor que la maliciosamente fingida monarquia
del Rey Nicolás en Paraguay, fue la del diablo en toda la América. Ya soberbio
desde sus princípios Lúcifer contra Dios, ambicioso de su gloria y envidioso de
los divinos honores, procuro emposesarse de todo el orbe y esperciendo negras
sombras en todas las naciones, ser adorado por dios. Introdujo la detestable
idolatria y con innumerables superticiones solicitó para sí los cultos,
inciensos y sacrifícios debidos solo a nuestro Dios verdadero. Así reino por
tantos siglos en Asia, África y Europa llevando míseramente ciegas y alucinadas
las gentes, de suerte que a excepción de la pequeña porción del pueblo escogido
de Dios, todas la demás naciones del mundo tributaban adoraciones y culto as
demônio (...).”
A tese do padre Julián era de que a conquista da América
havia sido um capítulo fundamental na luta de Cristo contra o diabo. Antes da
chegada dos espanhóis, o diabo havia instaurado uma terrível tirania entre os
povos americanos, como estratégia para conquistar o poder em todo o mundo:
“Vio el diablo que no podría estar su reino con el de
Dios, ni subsistir ya su monarquia con la que se levantaba y florecía de
jesucristo en estas tres partes eel mundo. Qué hizo? Fue a entablarla y
promoverla en país donde estuviera escondido y dominara a su salvo y ejercitara
su tirania, sin que ni Papa, ni Obispos, ni sacerdotes de Jesucristo, ni
prícipes católicos, ni cristiano alguno lo supiera ni pudiera rastrearlo. Se fue a la América a fundar su imperio,
a levantar su monarquia remedando al reino de Jesuscristo (...).”
Na América, o diabo mandou erguer templos, ordenou
sacerdotes, consagrou pontífices, instituiu sacramentos, exigiu sacrifícios,
preescreveu “ritos y cereminias para misas, matrimônios, entierros, rogativas
publicas, penitencias y por fin (...), con sacrílega imitación y ficciones
diabólicas entabló su monarquia”.
A propagação e o estabelecimento do reio de Deus na América,
prossegue Julián, exigiam a destruição do reino do diabo. Para isso, o “Omnipotente”
valeu-se “de la piedad, armas y valor de los españoles”. Graças à conquista e
as armas espanholas, que deus empregou para varrer o demônio da terra, os
templos do diabo foram destruídos e os índios libertados da diabólica
escravidão.
Nas vastas regiões da América,
denominadas de Paraguai nas cartas jesuíticas, os padres não se depararam com a
idolatria, mas os sinais inconfundíveis da presença do senhor das trevas foram
encontrados em abundância. Segundo o padre Ruiz de Montoya, “en todas as partes
procura el demonio remedar el culto divino con ficciones y embustes”, e ainda que a “nacion guarani há sido limpia de ídolos y adoraciones”, o demônio
encontrou “embustes com qué entronizar á sus ministros, los magos y hechiceros
para que Sean peste y ruína de las almas”. Reinava naquelas “selvas incultas” uma vassalagem
diabólica. Era na figura dos pajés que o demônio se manifestava de maneira mais
evidente entre os guarani. E se no Paraguai não foi necessário uma gigantesca
empresa de extirpação das idolatrias, foi preciso energia proporcionalmente
semelhante para desmontar a resistência dos pajés à evangelização. Descritas
como “ministros do demônio”, estas personagens realizavam a ponte por onde a
alma dos índios transmigrava para os domínios do diabo (André Thevet foi direto
ao dizer que: “Esse povo assim afastado da verdade …mantém-se ainda tão fora da
razão que adora o diabo, por meio de seus ministros, chamados pagés”).
Era por meio de uma crueldade extremada e de poderes
sobrenaturais, advindos de sua estreita relação com o demônio, que os
feiticeiros controlavam as parcialidades indígenas e estimulavam a revolta
contra os missionários. Padre Antonio Sepp exemplificou muito bem a
familiaridade com o demônio, ao descrever as artimanhas de um feiticeiro
chamado “Moreyra, mestre de arte mágica e cruel discípulo do gênio negro”. O
feiticeiro era “laureado doutor na Escola de Lúcifer de infames mentiras, e
frustrava toda a obra do nosso padre Antônio Bohm”. Neste combate entre os
soldados de Cristo e os feiticeiros locais, foi elaborado um conjunto de
representações que visava deslegitimar o poder por eles exercido. Erigidos à
qualidade de arquinimigos da cristandade, foram habilmente associados à figura
do demônio, que teria tornado os feiticeiros seus vassalos com o propósito de
desestabilizar os trabalhos apostólicos. Para Acosta o diabo tinha os seus
sacerdotes no Novo Mundo, “mil gêneros de profetas falsos”, através dos quais pretendia “usurpar para si la gloria de Dios y
fingir con sus tinieblas la luz”. Assim,
a contaminaión satânica y la inmundicia eran monedas corriente en la religión
indigena.” O incorrigível “desejo mimético” de satanás era o responsável pelas
imitações dos ritos cristãos na América, conduzidas pelos seus discípulos
(Cervantes).
Assim que chegaram ao Paraguai, os padres
encontraram “aquella gente muy
abandonada, y como embrutecida, tan entregados al servicio del demonio, que ya no había nada de bueno en ellos”.
Quase diariamente, garante padre Zurbano, “se les presenta el demonio personalmente en figura humana y, viviendo
ellos tan embrutecidos fácilmente obedecen a sus terribles insinuaciones y se
dejan engañar miserablemente” (Maeder, 1984).
Roque González, que adentrou territorios indígenas nunca antes visitados, travou duras batalhas com o demônio e os seus “ministros”. Desde as primeiras entradas nas terras dos guaikuru teve provas da familiaridade dos indígenas com o maligno. Nas diversas incursões que fez pelo Paraná e Uruguai, onde o império de satanás parecia ser ainda mais forte, padre Roque literalmente tropeçava no demônio. Na carta que envio ao provincial Pedro Oñate, informou que em todos os “pueblos” em que chegava declarava que seu intento era “darles a conocer a su dios, y criador” para que o adorassem e revenciassem. O demônio, porém, “temeroso de salir de su antigua posesion procurava todos los estorvos possibles moviendo los animos de los yndios contra mi (...)”. O inimigo erguia obstáculos e usava os índios para impedir sua entrada nos seus domínios. Por vezes, era na insolência de um cacique que lhe impedia o passo:
Roque González, que adentrou territorios indígenas nunca antes visitados, travou duras batalhas com o demônio e os seus “ministros”. Desde as primeiras entradas nas terras dos guaikuru teve provas da familiaridade dos indígenas com o maligno. Nas diversas incursões que fez pelo Paraná e Uruguai, onde o império de satanás parecia ser ainda mais forte, padre Roque literalmente tropeçava no demônio. Na carta que envio ao provincial Pedro Oñate, informou que em todos os “pueblos” em que chegava declarava que seu intento era “darles a conocer a su dios, y criador” para que o adorassem e revenciassem. O demônio, porém, “temeroso de salir de su antigua posesion procurava todos los estorvos possibles moviendo los animos de los yndios contra mi (...)”. O inimigo erguia obstáculos e usava os índios para impedir sua entrada nos seus domínios. Por vezes, era na insolência de um cacique que lhe impedia o passo:
“En todos estos
pueblos, les iba declarando mi intento, que era darles a conocer a su Dios y
Criador, para que le adorasen y reverenciasen: pero el demonio temeroso de
salir de su antigua posesión, procuraba todos los estorbos posibles, moviendo
los ánimos de los indios contra mí, y en particular me dijo un cacique con
mucha arrogancia: Cómo, Padre, te has atrevido a entrar por aquí, adonde no ha
puesto sus pies español ? (Blanco, 1929).”
Mas a presença dos padres intimidava os demônios. Se antes
eles “apparezian a los yndios”, agora já não se atreviam mais. Roque disse ter
ouvido de um índio que “despues q los padres vivieron aqui no se nos ha
aparezido mas el demonio (...)” (Documentos para la historia argentina, 1929).
A luta diária e incansável do padre Roque contra o demônio,
seus ardis e mil disfarces era, na verdade, um prolongamento de uma batalha
mais antiga, travada no velho mundo, e que chegara ao paroxismo no século XVI.
Roque González era, porque não, um reforço valioso da Companhia contra as
armadilhas e os disfarces locais, indígenas, do demônio no Paraguai. Se os
jesuítas adaptavam-se as particularidades de cada cultura para melhor comunicar
sua mensagem, o demônio era mestre nesta arte. Padre Montoya conheceu bem os
seus disfarces. As reduções eram frequentemente assombradas por demônios
travestidos de missionários, de Nossa Senhora, e de muitas outras formas, que
vinham para confundir e enganar os índios, atrapalhar a missa ou tentar a
pureza dos padres, oferecendo-lhes algumas mulheres, por meio dos caciques. Em
Nossa Senhora de Loreto, por exemplo, padre Montoya foi surpreendido por três
demônios vestidos em sotainas pretas, transfigurados no padre João Vaseo, morto
há cinco anos, que tentavam entrar na igreja. Outro caso curioso foi o de um
índio que nunca ia à missa, nem nos dias de trabalho, nem nos dias de festa.
Num domingo, estando todos ouvindo sermão e missa, “solo este indio se quedó en
su granja”. Começaram então os demônios “á dar balidos como de vaca, bramar
como toros, mugir como bueyes e imitar las cabras”. Espantado o pobre índio se
recolheu em sua casa, sem atrever-se a sair. À tarde, quando algumas pessoas
vieram a sua casa, o índio contou o ocorrido. Andando pelas plantações
encontraram várias pegadas de animais e uma pegada que parecia ser a de uma
criança recém nascida. Viram também que toda a plantação estava amarelada, como
se tivesse sido chamuscada pelo fogo. No domingo seguinte aconteceu a mesma
coisa. Montoya aconselhou que fincassem cruzes no lugar e aspergissem tudo com
água benta. Mas não adiantou. No domingo os ruídos voltaram. Montoya resolveu
ir pessoalmente ao lugar, e próximo de um arroio viu um grande “tropel de gente” atravessando as águas, fugido do demônio
que investia contra aquela casa. Foi aí que Montoya foi informado da falta do
índio. Revestiu-se então de sobrepeliz, armou-se de água benta e, em nome de
Jesus e de Santo Inácio, ordenou que o demônio fosse embora para sempre daquele
lugar. “Puse, conta-nos o intrépido missionário, en un vaso cerrado un pedazo
de la sotana de San Ignácio, y nunca más volvió em demonio. Yu me llevé aquel
indio al pueblo, hizo una buena confesion, y en delante fué muy ejemplar Cristiano”.
As aparições demoníacas na “Conquista Espiritual” servem sempre para algum tipo de lição ou de edificação.
Montoya pintou um quadro assombroso das reduções, açoitadas
por multidões de demônios multiformes. A única salvação dos índios eram os
destemidos missionários, a quem os demônios temiam. “A Conquista Espiritual”
narra uma luta diária e incessante contra o diabo e seus “ministros”.
Ao considerar os poderes mágicos dos pajés e as tradições que
eles carregavam como embustes e fábulas, os padres esvaziavam a espiritualidade
guarani de qualquer substância e a reduziam a um simulacro do
cristianismo. A falsidade da religião
decorria de sua fonte de inspiração, o demônio, mestre da mentira e dos
embustes. Não que a natureza dos habitantes do Novo Mundo fosse diabólica. Na
verdade, os indígenas, distantes geográfica e espiritualmente do mundo cristão,
tornavam-se vítimas inocentes, presas fáceis dos demônios migratórios, fato que
asseguraria a reversibilidade de suas práticas e justificaria os trabalhos
apostólicos. A culpa, como bem observou Estenssoro, foi deslocada do
livre-arbítrio dos índios para o demônio, o “único inventor possível” dos ritos
e da oposição dos pajés à evangelização. Não existia, portanto, uma resistência
dos índios ao cristianismo, mas uma “luta direta entre Deus e o diabo”
(Estenssoro).
Estou com isso sugerindo que, sem o
demônio, a conquista da América não passaria de uma bem sucedida campanha
militar contra povos selvagens e antropófagos. Sem o demônio a colonização não
teria o mesmo apelo cruzadístico, e os padres teriam um papel bem menos
importante no controle espiritual do Novo Mundo. Por um lado, a presença do
diabo e seus poderes malignos faziam parte do esforço hermenêutico jesuítico
para entender e ao mesmo tempo negar o universo das crenças e práticas indígenas,
por outro, justificava e reforçava perante os seus pares e as autoridades
europeias - para quem as narrativas jesuíticas eram endereçadas - a necessidade
da presença dos padres na América.
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A primeira imagem do artigo é o retratado os mártires de Elicura, que padres e índios foram mortos e ao longo do artigo você afirma que errados estao de terem ido à América? Tamanha ingratidão e o ceticismo de não entender que eles buscaram a salvação das almas. Não foi contra o demônio que eles deram a vida, mas a favor de Deus. Pena que a cegueira impede de ver o verdadeiro intuito.
ResponderExcluirOlha, Luiza, não sei qual é a tua visão de mundo, o que tu fazes da vida e o teu entendimento sobre este tema, mas se você já chega me chamando de cego, fica difícil estabelecer uma conversa. E eu acho que você não leu o texto corretamente. Eu não escrevi em momento algum que os jesuítas estavam errados de terem vindo para a América. Quem sou eu para dizer isso. Eu escrevo como historiador, não como juiz do passado. Não escrevo para agradecer ninguém (por isso não entendi o que tu queres dizer com gratidão). Eu escrevo para entender minimamente o passado e, quem sabe, contribuir para um entendimento mais amplo de presente. Escrevo sem muitas pretensões, porque minha visão sobre o mundo é limitada, precária e provisória. Mas você, pelo que pude avaliar do teu comentário, parece alguém que tem uma visão iluminada e privilegiada das coisas e um conhecimento da Verdade que te permite falar em salvação das almas. Só alguém com uma visão absoluta sobre todas as coisas pode falar em salvação dos outros, não é mesmo. Enfim, lendo o teu comentário fiquei com a impressão de que estamos falando de textos diferentes. Você leu o meu post apenas para confirmar o que já sabes. Como o post não ofereceu um repouso seguro para as tuas verdades, você me chamou de cego.
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