Pin it

sexta-feira, 29 de maio de 2015

“DITADURA MILITAR” OU “DITADURA CIVIL-MILITAR”? Mais que uma questão terminológica, a urgência do debate.

“DITADURA MILITAR” OU “DITADURA CIVIL-MILITAR”? Mais que uma questão terminológica, a urgência do debate.




Porque os civis nos chamavam de covardes. Eu fui chamado de covardes várias vezes. Fardado. Gente desconhecida na rua da Praia, que é a rua do Ouvidor em Porto Alegre. “Vocês são uns covardes. O que é que estão esperando?” Cansei de ouvir. “Estão esperando que o Stalin venha sentar aqui em Brasília”. Era nesse tom. “Quer dizer, nós fomos atrás do povo.”
(General Carlos Alberto da Fontoura. Depoimento de 1993 sobre o apoio dos civis ao golpe de 64).

Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das lnstituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada. Quando a nossa redação foi invadida por tropas anti-revolucionárias, mantivemo-nos firmes em nossa posição. Prosseguimos apoiando o movimento vitorioso desde os primeiros momentos de correção de rumos até o atual processo de abertura, que se deverá consolidar com a posse do novo presidente. 
(Roberto Marinho. Editorial do Jornal O Globo, 1984).

Estava pensando cá com meus botões, na década de 70, era filha de pobre e consegui cursar um cursinho de pré-vestibular caríssimo e fazer 4 anos de faculdade numa universidade particular, por ter ficado como excedente no curso de Medicina da UFRJ. Como não quis prestar vestibular no ano seguinte, resolvi fazer Biologia na FTESM. O que hoje não me arrependo 1 minuto. Isso foi na ditadura militar. Paguei todas as mensalidades no dia certo, sem ter entrado em nenhum plano do governo. Ao levar meu diploma na mão, não devia um centavo. Hoje no "governo socialista", o pobre não consegue nem pagar o cursinho de pré-vestibular... As faculdades particulares "cheias de alunos"... que abandonam o curso no meio do caminho por falta de recurso para pagar seus créditos.
(Leila de Souza Bastos. Bióloga e professora. 2013).



A “ditadura militar”, ou “civil-militar”, está longe de ser um assunto do passado que deva ser esquecido. A memória e os efeitos da ditadura na sociedade e na cultura política brasileira estão mais vivos do que nunca e dividem as opiniões, acadêmica e socialmente. Os trabalhos da Comissão da Verdade e o desejo de retorno dos militares por parte de setores da sociedade brasileira, manifesto nas recentes manifestações de rua contra o governo, nos dão bem a medida da centralidade do tema no debate político atual. Não podemos ignorar que para uma parcela crescente deste fenômeno sociológico mal compreendido que chamamos de classe média brasileira, os militares que derrubaram o presidente João Goulart, sob a acusação de suposta esquerdização do governo, são verdadeiros heróis nacionais. Os admiradores dos militares já não têm mais vergonha de mostrar a cara, nas ruas e nas redes sociais, e exibir cartazes pedindo uma nova “intervenção militar”.


Na última década e meia, marcada pela ascensão de governos de esquerda no Brasil e na América do Sul, as ditaduras, como era de se esperar, ganharam ainda mais destaque nos debates políticos. Nesse contexto, no Brasil, surgiu a expressão “ditadura civil-militar”, empregada por acadêmicos, ativistas e, em menor escala, por jornalistas, para designar com mais precisão o golpe e a ditadura imposta ao Brasil em 1964. A expressão consagrada na literatura, nos meios jornalísticos, e de uso corrente na sociedade até então, era “ditadura militar”. Mas afinal, o que de importante a nova expressão traz e em que medida ela nos ajuda a entender melhor o golpe e a ditadura?

O historiador Daniel Aarão Reis Filho é um dos mais enfáticos defensores do uso da terminologia “civil-militar”. Segundo Aarão, em artigo publicado em 2012: “Tornou-se um lugar comum chamar o regime político existente entre 1964 e 1979 de “ditadura militar”. Trata-se de um exercício de memória, que se mantém graças a diferentes interesses, a hábitos adquiridos e à preguiça intelectual. O problema é que esta memória não contribui para a compreensão da história recente do país e da ditadura em particular. É inútil esconder a participação de amplos segmentos da população no golpe que instaurou a ditadura, em 1964. É como tapar o sol com a peneira”. 

Aarão destaca as marchas de dezenas de milhões de pessoas, “de todas as classes sociais”, em apoio e depois em comemoração ao golpe. Participaram das marchas “a maioria dos partidos, lideranças empresariais, políticas e religiosas, e entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), as direitas”. Entretanto, existe “a obsessão em caracterizar a ditadura como apenas militar”. Quem se favorece disso? A memória atual, que sustenta que a ditadura foi apenas militar interessa as entidades civis que apoiaram a ditadura. Se ela foi “apenas” militar, “todas elas passam para o campo das oposições”. “Desaparecem os civis que se beneficiaram do regime ditatorial. Os que financiaram a máquina repressiva. Os que celebraram os atos de exceção. O mesmo se pode dizer dos segmentos sociais que, em algum momento, apoiaram a ditadura. E dos que defendem a ideia não demonstrada, mas assumida como verdade, de que a maioria das pessoas sempre fora - e foi - contra a ditadura”. A preservação desta memória, conclui Aarão, limita a compreensão das complexas relações entre ditadura e sociedade.

O historiador Carlos Fico sustenta um ponto de vista semelhante. Num evento em 2012, numa mesa organizada pela Comissão da Verdade intitulada “Antecedentes, contexto e razões do golpe militar”, Fico afirmou que “o golpe não foi militar, mas civil-militar”. Num artigo publicado no jornal “O Globo” de 2014, voltou ao tema e avaliou que o maior avanço da historiografia recente consiste na busca de objetividade em relação à ditadura. Graças ao “distanciamento histórico”, as novas abordagens nos lembram, baseadas em novas fontes documentais e perspectivas regionais, que “setores significativos da sociedade apoiaram a derrubada de João Goulart”. Os novos estudos comprovam, por exemplo, que a insatisfação das classes médias urbanas não era apenas resultado da “manipulação propagandística”, e que alguns estudantes apoiaram o golpe. “Por tudo isso, o golpe de Estado, outrora chamado de “militar”, tem sido melhor designado como “civil militar”. Essa perspectiva, de acordo com o historiador, é essencial, porquese entendermos o golpe apenas como o episódio que iniciou uma ditadura brutal, correremos o risco de construir leitura romantizada, segundo a qual a sociedade foi vítima de militares desarvorados. Quando a historiografia mais ousada se contrapõe a essa leitura vitimizadora, ela não está propondo um “revisionismo reacionário” que buscaria eximir de culpa os golpistas. Apenas se trata da reafirmação de algo óbvio: não há fatos históricos simples. Entender porque uma solução autoritária foi de algum modo aceita naquele momento pode servir para exorcizarmos a sociedade brasileira do autoritarismo que tantas vezes vitimou a história de nossa República”.

A historiadora Denise Rollemberg, numa entrevista ao “IHU-on-line” em 2009, sobre os 40 anos da morte de Carlos Marighela, numa linha argumentativa próxima da de Fico e Aarão, observou que: “Segmentos importantes da sociedade, não só das classes média e média alta, mas setores populares receberam de uma forma muito alegre a instauração do regime e apoiou o regime durante um bom tempo. Esta ideia de que a sociedade brasileira resistiu contra a ditadura, que a ditadura é uma questão dos militares e não da sociedade, é uma construção, a partir do fim dos anos 1970, que é memória e não história. É importante perceber que a ditadura não foi militar, mas civil e militar. Isto deve ser pensado para compreender porque a luta armada ficou tão isolada. Foi porque a sociedade foi muito participante da ditadura”. 

Longe de ser uma unanimidade, o uso da expressão vem despertando acalorados debates envolvendo pesquisadores e pessoas que direta ou indiretamente estão ou estiveram envolvidas com a ditadura. Os que se opõe à nova conceituação afirmam que o uso do termo “civil” descaracteriza a “ditadura militar”, tanto conceitualmente como politicamente. O jornalista Pedro Pomar, num artigo publicado em 2012 no “Brasil de Fato”, afirmou, em tom de reprovação, que virou moda o uso da expressão “ditadura civil-militar” “para designar o regime instaurado em nosso país por meio do golpe militar de março-abril de 1964”. Pomar considera a expressão um “modismo equivocado”. Ao propor a designação “civil-militar” “com a finalidade de garantir que não seja esquecida a participação dos civis”, por mais nobre que sejam as intenções, “termina-se por obter efeito inverso, qual seja, o de diminuir a responsabilidade dos militares, além de confundir a sociedade brasileira, já familiarizada com a expressão Ditadura Militar para designar esse terrível período da nossa história.” Além disso, arremata Pomar, “o termo civil também serve para designar o regime como autoritário, brando, negociado etc. Como se não fosse uma ditadura”, adverte o historiador Lincoln Secco”.

Vale também registrar um comentário ao artigo de Daniel Aarão enviado ao jornal “O Globo” pelo historiador Renato Luís do Couto Neto e Lemos. A “revisão interpretativa” sobre a ditadura é vista pelo historiador como a “reinvenção da roda historiográfica”. A expressão ditadura civil-militar, ao contrário de esclarecer, “constitui um freio na elucidação do seu sentido histórico, porque dilui na vaga categoria “civil” o conteúdo classista do golpe e da ditadura, sobejamente conhecido”. A ênfase no “apoio civil” ao golpe e a ditadura, apresentada como “novidade historiográfica”, pode desestimular os jovens historiadores de buscar a fundo os “poderosos interesses classistas” que presidiram àqueles acontecimentos. “Em suma, concluiu Renato Lemos, jogar o foco da análise de um processo de cruenta disputa política numa sociedade civil metafísica, descarnada, sem conexões com classes e categorias sociais portadoras de projetos classistas é induzir o respeitável público à mistificação da história. Uma abordagem que falseia o estado atual do conhecimento e não o faz avançar um milímetro sequer”.



“Ditadura Civil-Militar” não é um “Modismo Historiográfico”.

As duas formas de se referir à ditadura têm as suas legitimidades e, sobretudo, traduzem momentos e contextos distintos da reflexão histórica sobre o tema. A expressão “ditadura militar”, de um lado, está intimamente ligada à resistência a ditadura e a luta pela redemocratização. O uso da expressão, como contraponto a ideia de “revolução” empregada nos círculos de apoio ao regime, consagrou-se como denúncia da tomada de poder pela força e da imposição de um regime construído à base da cassação das liberdades democráticas e que usou da violência para reprimir as forças de oposição. A expressão “ditadura civil-militar”, de outro lado, embora sem perder de vista o teor crítico e de denúncia da ditadura, está mais conectada com as demandas recentes da sociedade brasileira e a necessidade de rever os conceitos e ampliar o olhar dos pesquisadores, e da sociedade, sobre a natureza do golpe e do regime ditatorial. Mais do que a denúncia, e tentando ir além, a expressão traduz um esforço de entendimento sobre a ditadura, favorecido pelo maior distanciamento histórico.
A terminologia “civil-militar” pode não agradar a todos, como vimos, mas ela tem lá as suas pertinências. Todavia, não pretendo estimular uma disputa entre termos. Não se trata de afirmar esta ou aquela terminologia, mas ressaltar a importância do debate. É no debate político e historiográfico que podemos alargar nossa visão, ir além da memória e do discurso da resistência, e avançar na compreensão mais abrangente tanto do ponto de vista da arquitetura do golpe quanto da sustentação do regime.

Longe de ser um “modismo” ou uma “manipulação terminológica”, como já foi sugerido, a expressão “ditadura civil-militar” aponta para um esforço de compreensão da ditadura para além do aspecto puramente militar. A terminologia “ditadura militar”, por certo, não negligencia a participação civil no golpe e na sustentação da ditadura. Da mesma forma, o acréscimo do termo “civil” não descaracteriza nem mascara o caráter militar da ditadura. Em certo sentido, consciente ou não, a expressão “ditadura militar” encerra uma visão vitimizadora da sociedade brasileira e das esquerdas, atribuindo aos militares a culpa pelo que ocorreu na época. Mesmo apontando para a cumplicidade de setores da classe média e de uma elite civil próxima dos militares, a expressão reduz semântica e sociologicamente a ditadura ao seu aspecto militar. A vitimização da sociedade e a vilanização dos militares em nada ajudam a entender as complexas relações entre ditadura e sociedade. Estas construções binárias tinham um caráter de denúncia e de condenação da ditadura, importante nas décadas de 1970-80, desvelando os crimes e os excessos cometidos pelos militares. Hoje, a uma distância confortável e segura daqueles tempos, e sem a ameaça de um retorno dos militares, precisamos ir além e entendermos a ditadura em todas as suas dimensões.



As críticas ao uso do termo “civil”, e o suposto efeito de abrandamento da ditadura, vêm de setores mais a esquerda, tradicionalmente avessos a revisões históricas, geralmente taxadas de reacionárias.
O uso do termo “civil” para adjetivar a ditadura, a meu ver, chama a atenção para um fenômeno que cada vez mais nos interessa: a atual idealização dos militares como os salvadores da pátria. Os sucessivos governos do PT, os escândalos de corrupção e o baixo desempenho da economia criaram um ambiente de crise de legitimidade do governo (Ainda que a noção de legitimidade seja bastante problemática). É em momentos como este, como bem observou Raoul Girardet, que se situam os apelos mais veementes ao herói salvador. No nosso caso, das forças armadas, a instituição salvadora. As reflexões de Girardet sobre a figura do salvador e os contextos de crise de legitimidade podem nos oferecer bons insights para pensar o que aconteceu no Brasil em 1964 e o que acontece hoje. A defesa que alguns movimentos e setores da sociedade brasileira fazem da intervenção restauradora e purificadora dos militares tem um apelo mítico. Os mitos políticos aparecem como respostas específicas de cada sociedade, ou de certos grupos sociais, a determinadas situações: rejeição global de um governo justa ou injustamente desacreditado, ruína financeira, desordem interna (Girardet), e eu acrescentaria, como característicos da sociedade brasileira, a corrupção e a ameaça de governos com tendências de esquerda. Nestes momentos, o ideal de regeneração moral e os apelos a um suposto passado de ordem e decência - a intervenção e o regime militar – aparecem como a solução para a desordem e a decadência do presente. A intervenção salvacionista das forças armadas, como em 64, verdadeira panaceia conservadora, operaria uma correção dos rumos e devolveria ao país a credibilidade, a confiança e a decência perdidas. Uma breve consulta nas páginas dos grupos pró-intervenção nas redes sociais, e nos comentários dos simpatizantes, é suficiente para identificar o apelo mítico à intervenção regeneradora dos militares.



As crescentes e inquietantes demonstrações públicas de apelo por uma “intervenção militar” vindas de diferentes setores da sociedade brasileira, e o silêncio cúmplice, e por vezes o apoio tácito, de parte da imprensa brasileira, nos obrigam a entender melhor o apoio popular e a participação de agentes civis no golpe de 64 e no regime ditatorial. A simpatia pela ditadura e por mecanismos autoritários de governo, ainda que alimentada pela desinformação, é um dado do presente que deve reorientar o olhar do historiador/pesquisador sobre o passado recente. A polarização política decorrente da ascensão da esquerda vem provocando verdadeiros combates pela memória. Leituras favoráveis à ditadura e aos militares, ainda que rasas e pobres heuristicamente, disputam com as narrativas da esquerda e dos historiadores. Gostando ou não, as narrativas pró-militares apresentam-se como contraponto conservador à chamada memória da resistência, em certo sentido mistificadora, emplacada pela esquerda desde o final dos anos 70. Personagens como Lamarca, Marighela e Dilma Rousseff, antes vistos como heróis por enfrentar a ditadura, são hoje atacados e chamados de terroristas. A violência praticada pelos miliares é relativizada e justificada como necessária para deter o avanço do comunismo e impedir a cubanização do Brasil.



Já existem estudos a respeito da participação de agentes civis e do apoio de setores da sociedade ao golpe de 64. O tema não é nenhuma novidade. Lembro, no livro do René Dreifuss “1964, a conquista do Estado”, de um capítulo dedicado ao complexo IPES/IBAD e ao envolvimento dos civis e de uma “elite orgânica” “na estratégia militar contra” o governo. A queda do governo de João Goulart, afirmou Dreifuss, “ocorreu como a culminância de um movimento civil-militar e não como um golpe das Forças Armadas contra João Goulart”. E ainda: “Apesar de a administração pós-1964 ser rotulada de ‘militar’ por muitos estudiosos de política brasileira, a predominância contínua de civis, os chamados técnicos, nos ministérios e órgãos administrativos tradicionalmente não-militares, é bastante notável”. Embora Dreifuss, no final da década de 1970, já apontasse a decisiva participação civil no golpe e nos governos militares, os estudos existentes sobre o tema são insuficientes e limitados. Precisamos de novas abordagens, iluminadas por novas fontes, orais e escritas, e que incorpore os documentos e as questões levantadas recentemente pela Comissão da Verdade.

Ao que parece, o fenômeno de apoio a uma nova “intervenção militar” não se limita à classe média elitizada imaginada pelos intelectuais de esquerda. O conceito de classe média é bastante impreciso e insuficiente para dar conta do Brasil de hoje. O uso que se faz é estereotipado e marcado, antes de tudo, por forte dose de pré-conceito, o que dificulta muito o entendimento sobre as aspirações e visões políticas dos setores identificados como de classe média. É preciso reavaliar os conceitos com os quais se examina este tema, sobretudo o de classe. Ao contrário do que sugeriu Renato Lemos, creio que é justamente a abordagem centrada na noção de classe que pode estreitar o olhar e limitar o entendimento das conexões dos militares com os setores da sociedade civil que apoiaram a ditadura. O conceito é redutor e já traz respostas apriorísticas. Tenho mapeado, na medida do possível, a origem social dos movimentos e dos simpatizantes, e percebido que a formação, o poder aquisitivo, a atuação profissional e a faixa etária são bastante amplas e diversas, e que não se restringe aos grandes centros urbanos do centro sul. Não adianta ficar teorizando sobre os movimentos pró-intervenção com base num conceito problemático, deslocado e anacrônico de classe média. Xingá-los de elitistas e ignorantes ajuda menos ainda. É preciso botar a mão na massa e percorrer, com instrumentos de pesquisas mais adequados, como entrevistas orais e netnografias (porque não?), a anatomia destes grupos, a origem social, profissional e a faixa etária dos participantes e simpatizantes. A netnografia, termo cunhado pelo pesquisador norte-americano da área do marketing Robert Kozinets, entendida como a adaptação dos procedimentos da etnografia ao ambiente virtual, pode ser de grande valia para conhecer mais de perto os grupos e comunidades virtuais de apoio ao retorno dos militares. O pesquisador, identificando-se ou não, entra nas comunidades e passa a conviver com os grupos por um determinado período para conhecer o perfil e a visão de mundo dos membros, e, a partir da observação participante, extrair as informações que lhe permita entender melhor suas motivações. As entrevistas orais com agentes militares e civis que participaram do golpe e da sustentação da ditadura, como já vêm sendo feito, podem oferecer novos ângulos de observação. O livro de entrevistas com militares que ocuparam cargos importantes durante a ditadura, organizado por Maria Celina D'Araújo, intitulado “Visões do Golpe”, é um bom exemplo.


A denominação “ditadura civil-militar”, se observada com atenção, insisto, não diz respeito somente ao passado ou a maneira como interpretamos o golpe de 64. Ela repercute as demandas políticas urgentes do nosso tempo e a necessidade de revermos nossos conceitos e categorias para entendermos melhor e lidarmos com mais maturidade com as ondas de conservadorismo autoritário que, sob certas circunstâncias, reaparecem no Brasil.




Roberto Marinho e o general Figueiredo. O empresário e o general, de braços dados, é a melhor tradução da expressão “ditadura civil-militar”.