Pin it

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A FILHA DO DITADOR VOTOU NÃO: MARIELA CASTRO QUEBROU A UNANIMIDADE HISTÓRICA DA ASSEMBLEIA CUBANA (SÓ QUE NÃO).

A FILHA DO DITADOR VOTOU NÃO: MARIELA CASTRO QUEBROU A UNANIMIDADE HISTÓRICA DA ASSEMBLEIA CUBANA (SÓ QUE NÃO).



A notícia de que pela primeira vez em 40 anos um deputado discordou de uma lei em Cuba chegou ao Brasil com seis meses de atraso. O caso ocorreu em dezembro passado. A deputada Mariela Castro, filha de Raúl Castro, sobrinha de Fidel, e diretora do CENESEX, o Centro Nacional de Educação Sexual, posicionou-se contra a novo código trabalhista que proibia a discriminação no trabalho com base em gênero, etnia e orientação sexual.  A deputada considerou que a lei não evitava a discriminação contra pessoas com HIV e com identidades de gênero não convencionais. "Eu não poderia votar a favor, sem a certeza de que os direitos trabalhistas das pessoas com identidade de gênero diferente seria explicitamente reconhecido", disse Mariela numa entrevista no blog de Francisco Rodriguez, ativista gay e pró-regime. A intervenção da deputada foi, do meu ponto de vista, corretíssima. Apoiado! Mas cá entre nós, o tema apreciado pela Assembleia estava longe de ser um daqueles “calcanhares de Aquiles” políticos do regime. E todos sabem em Cuba que a deputada CASTRO é a maestra que comanda o show quando o assunto é gênero, orientação sexual e temas a fins. Ousadia política de verdade seria um deputado de fora do clã se levantar e questionar a posição da sobrinha do comandante.

A Assembleia Nacional cubana, composta por 612 deputados, reúne-se duas vezes por ano para aprovar leis. Nas últimas décadas as votações foram sempre unânimes (Daqui a pouco aparece alguém dizendo que a unanimidade é sinal de que o povo cubano, através da Assembleia Nacional, manifesta apoio incondicional ao regime). Mariela Castro, a filha do homem que herdou o comando da ilha por linhagem familiar, foi a primeira a quebrar a unanimidade histórica. A notícia correu o mundo e a atitude da deputada foi, por muitos, considerada revolucionária. Será? Se o voto contrário tivesse partido de um deputado qualquer, sem laços sanguíneos com o comando do regime, eu concordaria que alguma coisa está acontecendo por lá. Mas Mariela? Ela é a voz oficial do regime na área da sexualidade. Viaja com regularidade aos Estados Unidos e ninguém a acusa de simpatizar com os ianques. Declarou numa entrevista que votaria em Obama, elogiou o posicionamento do presidente americano a favor do casamento gay, e nenhum órgão oficial a censurou. A deputada CASTRO goza de privilégios, organiza passeatas oficias pelas ruas de Havana em defesa da causa LGTB e não é perturbada pela vigilância política. Sua atuação e militância conferem uma falsa ideia de participação e liberdade de expressão (O regime agradece). No entanto, a deputada, que luta pelo direito dos gays, não se manifesta em relação à discriminação política e a posição oficial de Cuba no plano internacional sobre orientação sexual. Em 2013 a delegação cubana nas Nações Unidas votou junto com outras 77 delegações que consideram a homossexualidade um “delito” em suas legislações, sendo que em cinco delas o “crime” é punido com pena de morte. A posição de Cuba da ONU contraria a decisão do partido comunista de 2012 que, num congresso extraordinário, concordou em acabar com qualquer tipo e discriminação na ilha. A CENESEX silenciou diante da postura oficial de Cuba. Nenhuma nota, nenhum pronunciamento do Centro, nem de sua presidente.

O não de Mariela na Assembleia Nacional soa quase como um capricho da filha do ditador. Ao invés de celebrar o primeiro voto de desacordo, prefiro lembrar os silêncios e as omissões da deputada CASTRO. Acredito que a “luta” de Mariela contra a discriminação sexual é importante, mas não podemos esquecer que ela fala de dentro do regime, da varanda da mansão dos Castro.

Observadas todas as ressalvas, Mariela Castro lembra Marina Silva: fala do “novo”, anuncia a “nova política”, e anda de braços com o que de mais velho e viciado existe na política nacional.  

Na foto, lá em cima, Mariela desfila a causa contra a homofobia pelas ruas de Havana. Ao fundo, a imagem do herói nacional que foi, em vida, um dos mais agressivos perseguidores dos gays no processo de construção do socialismo em Cuba.




segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A UNIÃO DO SOCIALISMO COM O SETOR FINANCEIRO NA CHAPA MESSIÂNICA DE MARINA SILVA.

A UNIÃO DO SOCIALISMO COM O SETOR FINANCEIRO NA CHAPA MESSIÂNICA DE MARINA SILVA.


Não deveríamos nos surpreender com arranjos e alianças políticas insólitas no Brasil. Depois que o Amin se aliou ao Lula em Santa Catarina, o PT se juntou a Maluf em São Paulo e os Bornhausen, pai e filho, se filiaram ao Partido Socialista Brasileiro, o que mais poderia nos causar espanto? A fusão do socialismo com o setor bancário para eleger uma candidata eco-evangélica? Pois então!

Não deveríamos nos surpreender, mas como não estranhar a composição política inaudita e os enormes contrastes entre as figuras que comandam a candidatura de Marina Silva?

Duas mulheres divergentes estão por trás da singular candidatura. De um lado, Luiza Erundina, o lado socialista do PSB, comandando a campanha de Marina desde quinta feira (21), de outro, a bilionária Maria Alice Setubal, sócia herdeira do Itaú. Que carisma é este o da Marina, capaz de promover a união da socialista com a bilionária? Erundina, em entrevista em 2013, disse que Marina deseduca politicamente a sociedade. Na entrevista, afirmou que o boato de que ela migraria para a Rede era falso, pois sua opção era pelo socialismo e a Rede apontava para outra direção. Agora Erundina é a coordenadora da campanha. Maria Alice é a fada madrinha, que capta recursos para a Rede Sustentabilidade e, das entranhas do setor financeiro, fala, por Marina, na autonomia do Banco Central. Como equacionar, num eventual governo, incompatibilidades tão acentuadas? Isso sem falar na difícil conciliação da vertente socialista do PSB com a visão liberal de Eduardo Giannetti e o ideal político dos “sonháticos” da Rede. Marina, que nega a política e os partidos (não lembra Collor e Jânio?), fundou a Rede. Mas parece que na rede de Marina, caiu, é peixe. Banqueiras, socialistas, evangélicos, ecologistas e peixes de outras águas (águas oligárquicas catarinenses) se acotovelam na Rede de Marina. Antes de se constituir como alternativa aos partidos e à política (o senso comum de Marina Silva), o significado mais profundo da Rede é exatamente este. Tubarões do sistema financeiro, peixes graúdos da velha política, peixes pequenos desgarrados dos cardumes históricos da esquerda, oportunistas em geral, a Rede abriga a todos.

Marilena Chauí fez malabarismos teóricos para justificar a aproximação do PT com Maluf em São Paulo para a eleição de Haddad (Erundina recusou ser vice de Haddad por não aceitar a aliança com Maluf). Marina Silva tem na sua base de apoio alguém com a estatura teórica de Chauí para encontrar uma boa explicação para reunir o socialismo convicto de Erundina com a veia financeira de Maria Alice em defesa de sua candidatura? Talvez a carismática Marina, do alto do seu senso comum, diga que o casamento “providencial” entre o socialismo e o setor bancário signifique que todos, em comunhão, devem estar juntos pelo Brasil.

Os correligionários da Rede chamam Marina de “a missionária”. Será que a missão da presidenciável é justamente harmonizar misticamente os ideais do socialismo com a economia de mercado, costurada pela sustentabilidade, como via para a utopia pós-partidária?

E quem não acredita na “providência divina”? A realpolitik mais cedo ou mais tarde vai cobrar a conta.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

“GUERRA MUNDIAL Z”: O COLAPSO DO SISTEMA INTERNACIONAL E O ELOGIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.

“GUERRA MUNDIAL Z”: O COLAPSO DO SISTEMA INTERNACIONAL E O ELOGIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.


Que tipo de ameaça poderia provocar uma catástrofe global capaz de derrubar os alicerces do sistema internacional e mergulhar o mundo no mais completo caos social? Sistema internacional, conceito fundamental para compreender o funcionamento e a dinâmica das relações internacionais, traduz um conjunto de relações e interações entre os atores que o compõe – estados, organizações internacionais, corporações, etc. - e supõe que as ações destes atores repercutem e definem os contornos do ambiente em que atuam. Pressupõe, no meu entendimento, um arranjo histórico, sempre provisório e dinâmico, diferentemente da abordagem tradicional, de linhagem positivista, que supõe o sistema internacional como uma entidade plana e a-histórica, que desde Vestefália, o mito de origem, manteria suas estruturas intactas e imóveis. O arranjo é provisório, o que não quer dizer frágil ou instável, e assume distintas formas históricas. As guerras, mesmo as mais devastadoras, não foram capazes de abalar as bases deste arranjo. A implosão do sistema internacional implicaria, hipoteticamente, na destruição dos seus atores, sobretudo os estados. Haveria um fenômeno capaz de tamanha façanha?

O denominado cinema-catástrofe já explorou este tema e sugeriu, no plano da ficção, diferentes formas possíveis de destruição do mundo. De meteoritos desgarrados a mudanças climáticas extremas, de invasões extraterrestres a epidemias devastadoras, o fim do mundo inspira a imaginação cinematográfica desde a criação do cinema. O gênero cinema-catástrofe se consolidou como estética do cinema americano na década de 1950, na aurora da guerra fria. Susan Sontag, num ensaio inspirado chamado “A imaginação do desastre”, identificou a emergência deste gênero nos filmes B, que exploravam o tema da destruição do mundo pela ação de alienígenas, monstros, animais gigantescos, etc. “Guerra dos Mundos”, dirigido por Byron Haskin em 1953, é um dos melhores exemplos desta safra cinematográfica. Quase sempre, e “Guerra dos Mundos” não é uma exceção, o caos apocalíptico que ameaça tomar o mundo de assalto é evitado por algum tipo de redenção ou manobra astuta de algum(s) indivíduo(s), que também se redime. A mensagem é sempre a mesma: cuidem do mundo que temos, cuidem das pessoas, um dia o mundo que construímos pode desmoronar.

 Guerra Mundial Z, blockbuster inspirado no romance homônimo de Max Brooks, é a mais recente investida cinematográfica na poderosa e lucrativa indústria da catástrofe. O filme, dirigido por Marc Forster, retoma o tema do apocalipse zumbi, de George Romero, e consagrado em filmes como The Walking Dead e Resident Evil, e o explora em escala planetária. Uma pandemia de zumbis, de origem desconhecida, se espalha velozmente pelo mundo dizimando populações inteiras. A humanidade aterrorizada, atomizada e lutando contra o que desconhece, trava uma “guerra mundial” pela própria sobrevivência.

Embora as guerras sejam diferentes quanto às motivações e as técnicas empregadas para dar combate ao inimigo, elas eram, até então, situações de beligerância entre estados. Mesmo a “guerra ao terror”, declarada contra um inimigo opaco, sem base territorial definida e que atua em rede no mundo, foi declarada por um estado, e resultou na invasão territorial de um país. Nas piores guerras, o mundo manteve-se de pé e o sistema internacional, mesmo abalado, conservou suas estruturas e instituições. A “Guerra Mundial Z” traz um novo conceito de guerra. Não é uma guerra convencional, entre estados, ou uma guerra entre grupos humanos. Não é uma guerra econômica, estratégica ou uma disputa por territórios. É uma guerra pela civilização, pela sobrevivência da humanidade. O mundo como nós o conhecemos veio abaixo e os vivos lutam contra os mortos.

No filme, o sistema internacional ruiu na velocidade do avanço da pandemia. No plano interno, as instituições desabaram, as famílias foram dizimadas, os governos sucumbiram, a polícia desapareceu. O caos tomou conta das cidades e as pessoas correm desesperadas em busca de um refúgio. No plano externo, os estados, as instituições e as organizações desapareceram e, com eles, as relações internacionais. O que restou da ordem anterior sobrevive apenas nas intenções e valores internalizados pelos indivíduos.

Em meio ao caos e a falência do sistema internacional, algumas organizações – ONU e OMS - e parte da Marinha dos Estados Unidos, conseguiram manter uma estrutura mínima de funcionamento que permite mobilizar recursos (porta-aviões, aviões, helicópteros, laboratórios e algum prestígio) para encontrar um meio de deter a zumbificação do mundo.  A ONU, ou o que restou dela, organiza uma missão para localizar o lugar onde o surto supostamente começou para tentar encontrar respostas. O ex-agente Gerry Lane (Brad Pitt), especialista em trabalhos perigosos em regiões de conflito, é incumbido da missão. Mesmo com o mundo desabando Gerry, que se apresenta como funcionário da ONU, ainda consegue se valer do prestígio da instituição para realizar as investigações. A autoridade das Nações Unidas é reconhecida em três momentos chaves no filme. Logo na chegada a Corei do Norte, onde possivelmente tudo teria começado, Gerry diz quem é e a que veio e, apesar da zombaria de alguns militares, consegue o apoio que precisa para iniciar os trabalhos de reconhecimento das vítimas. Mais tarde, ao sair às pressas de Israel num voo com outro destino, consegue mudar a trajetória do avião ao colocar o piloto em contato com o vice-presidente da ONU, Thierry Umotoni (Fana Mokoena). Por fim, ao chegar à Escócia, em busca de um laboratório da OMS (Organização Mundial da Saúde, agência especializada em saúde e subordinada às Nações Unidas), obtém a colaboração da equipe de cientistas para testar uma hipótese.

A trama toda gira em torno da odisseia de Gerry em busca de respostas. Da Filadélfia, onde vive com a família, o herói voa para a Coréia do Norte, para Israel e Escócia, sob a bandeira das Nações Unidas. A odisseia global do herói da ONU, que luta contra o tempo, alimenta duas expectativas: encontrar a cura para a praga zumbi e o reencontro com a família. Hollywoodianamente, o filme não frustra as expectativas.


Em “Guerra Mundial Z” a defesa da humanidade contra o apocalipse e a barbárie não está nas mãos dos militares, nem no poder das armas.  Embora a Marinha dos Estados Unidos ofereça toda a logística para a missão da ONU, a esperança do mundo está nas organizações internacionais que, neste momento em que os estados desmoronaram e as forças armadas perderam a articulação e a capacidade de mobilizar recursos de poder, assumem o papel de atores principais.  ONU e OMS, no filme, aparecem como pontos de luz na tenebrosa noite que se abate sobre o mundo. São signos de estabilidade no mundo que desmorona. As organizações, representadas pelas personagens principias, assumem o protagonismo. Às forças armadas é reservado um papel secundário, de apoio à ação do ator central.

Do ponto de vista das Relações Internacionais, o filme, que parece fazer uma aposta nas organizações internacionais e na cooperação para resolver catástrofes mundiais, poderia ser lido como um elogio à ação das organizações e da sua capacidade de articulação de interesses em prol de uma causa global. O apocalipse zumbi, neste caso, é uma metáfora sobre o valor das organizações internacionais, e o triunfo da cooperação, para evitar o colapso do sistema internacional. O funcionário da ONU, valendo-se de toda experiência adquirida em regiões de conflito, e de uma peculiar capacidade de observação, descobriu um tipo de camuflagem, inoculando o vírus de uma doença, para passar despercebido pelos zumbis. A descoberta resultou numa possibilidade de vacina. Sintetizada a vacina, a ONU encarregou-se da missão de distribuí-la mundo afora. O mundo foi salvo de ser devorado num banquete global de zumbis (poderosa metáfora) e pode sonhar com um recomeço graças aos esforços das Nações Unidas e a ação extraordinária do herói não-estatal (piada interna).


A Metáfora Zumbi à Serviço da ONU?

A metáfora zumbi, que já foi empregada para denunciar o consumismo, a violência racial e a concentração de poder das grandes corporações internacionais, desta vez foi acionada para fazer um elogio rasgado à ONU e o panegírico do herói solitário que corre o mundo em busca de uma resposta/cura para a pandemia de zumbis. Brad Pitt, na pele de um ex-funcionário das Nações Unidas, apoiado pelo vice-presidente da organização e pelo que restou da marinha americana, combinam esforços para salvar o mundo do apocalipse. As organizações internacionais são a gota de esperança da humanidade.

É difícil assistir ao filme e não associá-lo as escolhas políticas e a militância internacional em causas humanitárias de Brad Pitt junto as Nações Unidas nos últimos anos. Brad Pitt, um dos produtores do filme, é também, ao lado de sua mulher (Angelina Jolie é Embaixadora da Boa Vontade), um ativista internacional ligado a ONU. Juntos, visitam campos de refugiados em vários países e atuam em diversas missões humanitárias ao redor do mundo.
 “Guerra Mundial Z” traduziria cinematograficamente as opções políticas recentes do ator Brad Pitt?


A Estética Zumbi Higienizada.

“Guerra Mundial Z” esta longe de ser, ou de vir a ser, um filme clássico de zumbis, mas trouxe algumas novidades para dar novo fôlego ao gênero. É um filme de zumbi turbinado, acelerado. Cinematograficamente, Marc Forster abusa das tomadas aéreas a dos grandes planos, para demonstrar a dimensão colossal da catástrofe. E funciona muito bem. Os planos gigantes se alternam com uma montagem vertiginosa, com cortes rápidos e precisos, fechados, que imprimem velocidade ao filme.  A câmera rápida e ágil nos leva junto na correria e no ritmo frenético da narrativa. A excelente sequência inicial é de prender a respiração e se segurar na cadeira. Os zumbis de Marc Forster, diferentemente dos mortos lentos e cambaleantes, correm alucinadamente e realizam acrobacias coletivas extraordinárias, como escalar um gigantesco muro em Jerusalém.


Esqueçam as sequências de mortos-vivos esfomeados devorando restos humanos. Esqueçam as cenas sanguinolentas e o terror explícito. Em “Guerra Mundial Z” o gore e o splatter não tem vez. O terror característico, as mordidas dilacerantes e as cenas fortes dos filmes do (sub)gênero foram suprimidas. Fica tudo subentendido no extracampo. O motivo: aliviar na mordida e no excesso de sangue para atrair os menos afeitos ao terror e atingir faixas etárias mais susceptíveis a cenas chocantes? O resultado é um filme clean, esteticamente asséptico e higienizado, que investe num terror bem comportado – um thriller de suspense na verdade - e suaviza nas mordidas. Mesmo assim, os zumbis de Forster são assustadores, especialmente quando filmados de perto, como nas sequências no laboratório da OMS.






sexta-feira, 1 de agosto de 2014

MIKHAIL BAKUNIN É PROCURADO PELA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO.

MIKHAIL BAKUNIN É PROCURADO PELA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO.


Algumas figuras, mesmo mortas, continuam a perturbar a harmonia comtiana da ordem e a sagrada paz social.  

138 anos depois de sua morte, o anarquista russo Mikhail Bakunin é indiciado pela polícia civil do Rio de Janeiro por suspeita de atividades criminosas durante a Copa do Mundo. Bakunin foi citado numa conversa telefônica por um manifestante, interceptada pela polícia, e imediatamente passou a figurar como “potencial suspeito” no inquérito que responsabiliza 23 ativistas por atos violentos (Folha de São Paulo: 18/07/2014). A polícia espera prendê-lo nas próximas horas.

Bakunin passa a compor agora a seleta e curiosa lista de “filósofos” fichados depois de mortos pela polícia brasileira. Nos tempos da ditadura o temido Departamento de Ordem Política e Social (Dops) tinha entre os fichados, acreditem!, o filósofo Sócrates e Karl Marx. A brutalidade dos órgãos repressores da ditadura só rivalizava mesmo com a ignorância que também os distinguia. O Departamento chefiado pelo famigerado Fleury perseguia obstinadamente os grupos de esquerda, mas era incapaz de reconhecer os autores que inspiravam a luta do “inimigo”. Combatiam nas trevas da ignorância (uso invertido da expressão de Jacob Gorender). Parece que a polícia carioca sofre do mesmo problema. O Dops foi extinto em 1983, mas as práticas de repressão, espionagem, infiltração nos movimentos sociais, o monitoramento de suspeitos e a prisão das lideranças ficaram como tristes legados para a cultura policial brasileira. Continuamos a tratar as questões sociais, mesmo sob a batuta de um governo de esquerda, como casos de polícia.

A polícia civil do Rio de Janeiro não herdou apenas o antigo prédio do Dops. Atuando à moda Dops, repressora e comicamente despreparada, escancara continuidades obscuras que atentam contra a democracia e revelam a impressionante desinformação, ou má formação, dos agentes. Os policiais são obrigados a conhecer Bakunin? Claro que não. Mas se a polícia esta investigando grupos que se declaram anarquistas, não caberia a Coordenadoria de Informação e Inteligência Policial (CINPOL), oferecer aos investigadores informações sobre o movimento e a cultura geral que informa os manifestantes? Não quero com isso sugerir que a polícia deva se especializar na repressão aos movimentos sociais, às manifestações políticas e na caça aos ativistas. Estou questionando a capacidade da polícia de lidar com manifestações de caráter político.

Não custa informar à desavisada polícia carioca que Bakunin, perseguido pelas polícias saxônica, prussiana, russa e austríaca, foi preso em 1849 pela destacada participação nos levantes de Leipzig e Dresden em 1848. Ficou atrás das grades treze meses antes de ser condenado à prisão perpétua. Depois de alguns anos foi enviado para a Rússia, que reclamava sua deportação. Não custa também lembrar à polícia civil que Bakunin escreveu na prisão uma espirituosa “confissão”, e enviou ao imperador. Dizia assim: “Você quer a minha confissão; mas você precisa saber que um criminoso penitente não é obrigado a implicar ou revelar as ações de outrem. Guardo apenas a honra e a consciência de que jamais traí quem quer que tivesse confiado em mim, e é por esse motivo que não lhe entregarei nenhum nome.” Se a intenção da polícia é prender Bakunin para ele revelar os nomes das pessoas que financiaram ou estimularam os protestos, é bom ler com atenção a “confissão”.

Em 1857 o Czar decidiu banir Bakunin e mandá-lo para os distantes campos de trabalho forçado da Sibéria. Não por muito tempo. Bakunin fugiu da prisão e se lançou numa viagem de contornos épicos, embalada por genuíno espírito revolucionário, pelo Japão, Estados Unidos, até chegar a Londres, onde retomou as lutas. Daí até a sua morte, em 1876, dedicou-se as causas libertárias na Itália, Inglaterra, França e Suíça, e ainda teve disposição, apesar do cansaço e da pobreza que o rondava, para enfrentar os marxistas na Primeira Internacional (Bakunin foi expulso da AIT em 1872, no Congresso de Haia, pelos marxistas). Quatro anos mais tarde, ano de sua morte, a AIT foi dissolvida.



Depois de perseguido em vida pelas polícias europeias, de passar anos duríssimos na prisão, nos campos de trabalho forçado na Sibéria e de ser expulso da AIT pelas manobras autoritárias dos marxistas, Bakunin é agora perseguido pela polícia carioca e citado em conversas de ativistas mimados (e autoritários). A memória do anarquista russo não merecia tamanhos maus-tratos.

Depois dessa, o que mais podemos esperar? A contratação de um médium para interrogar o anarquista no céu? O médium, quem sabe, faria um contato com o espírito de Fleury que, na sua melhor especialidade, torturaria a alma de Bakunin até ela confessar que esteve nas manifestações contra a Copa do Mundo.  De Fleury e da polícia eu não duvido nada. A dificuldade seria encontrar a alma do anarquista. Adianta explicar para a polícia que Bakunin era ateu?

Sugestão para a polícia carioca: criar o Departamento de Investigação de Assuntos do Além, comandado por agentes mediúnicos e auxiliado por tecnologias ectoplasmáticas. Seria mais uma, entre tantas fantasmagorias, que povoam o universo policial brasileiro.