Pin it

terça-feira, 5 de março de 2013

AS VELHAS IDEIAS DA “NOVA” DIREITA. O espectro lacerdista ronda a República.



AS VELHAS IDEIAS DA “NOVA” DIREITA. O espectro lacerdista ronda a República.



(Todas as imagens reunidas neste texto foram retiradas da página do facebook do “Instituto EnDireita Brasil”. São, portanto, representativas do pensamento do movimento denominado “Endireita Brasil”).


Não é novidade que nos últimos anos - desde que o PT venceu as eleições presidenciais para ser mais preciso - vem se fortalecendo no Brasil uma rede bem articulada, embora pouco expressiva, de um “pensamento” assumidamente de direita (Digo “assumidamente” porque geralmente os simpatizantes das teses de direita não assumem sua filiação política). A internet e as redes sociais têm facilitado a articulação e a difusão das ideias daqueles que se identificam com esta “nova direita”. Incapaz de mobilizar fisicamente uma militância em torno das suas “causas”, esta turma encontra na internet um meio de se comunicar, divulgar suas teses e construir uma rede de apoio. A direita não tem base popular e os setores da classe média identificados com as bandeiras da direita, historicamente, não se mobilizam, a não ser para apoiar golpes políticos. Diversos blogs, hospedados em revistas de circulação nacional, e um grande número de sites, podem ser identificados como centralizadores e difusores do ideário político. Alguns blogueiros e cronistas famosos são, visivelmente, a fonte de inspiração que abastece de argumentos a “nova direita”. Não é difícil observar de onde provem, por exemplo, a tese de que os militantes de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura eram “terroristas”. Esta tese, que condena o passado das esquerdas para desautorizá-las no presente, transformou-se numa espécie de mantra político da “nova direita”. Leiam os discursos de Ricardo Salles, uma das “promessas” da nova onda conservadora. 



A Folha de São Paulo deste domingo (03/03) informou que Geraldo Alckmin convidou para o seu secretariado justamente o advogado paulista Ricardo Salles, fundador do movimento “Endireita Brasil”. Até ai tudo bem. O governador se cerca de pessoas que compartilham de ideias e valores semelhantes aos seus. Estranho seria se Alckmin convidasse Frei Beto para o seu governo. O problema é: quem é Ricardo Salles e o que ele representa. Este advogado de 37 anos esta em campanha para uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo desde 2006 (quando se candidatou pelo PFL) e se apresenta como o único candidato genuinamente de direita. O público alvo, segundo o próprio Salles, é o agronegócio, as associações comerciais e a OAB. Suas bandeiras políticas estão voltadas para os eleitores da classe média, comprimidos entre a população de baixa renda beneficiada pelo programa bolsa família e a "a elite que recebeu empréstimos subsidiados do BNDES". Salles, que se autoproclama liberal, defende a “participação zero” do estado na economia e afirma que “ser de direita” é, antes de tudo, ser contra tudo o que a esquerda representa: "A esquerda é contra as privatizações, a iniciativa privada, o livre mercado; nós somos a favor. Ela é contra as liberdades individuais em prol de um abstrato interesse coletivo; nós defendemos as liberdades individuais.” (Não preciso dizer que este rapaz anda mal informado sobre o que pensa a esquerda que está no governo sobre estes temas, não é?)

Ricardo Salles, como podemos ler nas suas biografias espalhadas na net, vem de uma família paulistana de advogados. Formou-se em Direito pelo Mackenzie e é sócio de um escritório de advocacia que atua na área do direito concorrencial em causas que tramitam no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Junto com quatro amigos fundou em 2006 o movimento “Endireita Brasil”. O movimento, juntamente com o Instituto Mises Brasil e o Instituto de Formação de Líderes, criou o Dia da Liberdade de Impostos, que acontece no dia 25 de maio, “o primeiro dia do ano que o brasileiro começa a não pagar em impostos em proporção à carga tributária em vigor. Os cinco integrantes do grupo se cotizam e subsidiam os impostos de um dia de venda de gasolina em um posto de São Paulo. Neste ano, quem abasteceu no posto escolhido pagou 53% a menos sobre o preço cheio. O equivalente aos impostos, R$ 10 mil, foi pago pelo grupo.” (Ver CMI Brasil, Centro de Mídia Independente). A iniciativa visa sensibilizar a classe média, que sofre com os altos impostos, para a necessidade de um governo que não interfira tanto na sua vida privada. Parece que para o moço direitista, que só tem olhos para a classe média, as classes populares ou estão sob o domínio do feitiço petista ou são desprovidas de intelecto para compreender os seus apelos. 



Personalidade anti-esquerda da classe media do Morumbi, zona sul de São Paulo, Salles é um veemente adversário de Lula e do PT. Nos anúncios publicitários de sua campanha, veiculada nos grandes jornais paulistas, aparece o slogan “Chega de PT”. Ele representa uma direta reativa que cresce e se alimenta das barbeiragens políticas do governo petista. É o que eu chamo de uma direita sem ideais próprias.  Sua ação política se resume a negar sistematicamente tudo o que acreditam que a esquerda defende. É um subproduto invertido do governo petista.



Salles encarna uma espécie de direita purista. Hummmm. Ele reuniria, segundo seus admiradores, as qualidades empreendedoras do Maluf, mas sem os defeitos (Será que Marilena Chauí, que reabilitou Maluf nas eleições para a prefeitura de São Paulo, aprovaria o rapaz?). Insatisfeito com o comportamento político da direita em evidência no cenário político nacional, Salles ataca a aproximação dos partidos e candidatos presumivelmente de direita com o governo e com partidos do centro. Maluf e Sarney são taxados como “adesistas” (“São sempre governo”). Até o DEM (partido ao qual ele está filiado), que em tese representaria a direita brasileira, tornou-se alvo das críticas do rapaz que quer Endireitar o Brasil e não aprova as relações do partido com o PSDB. “O Democratas, argumenta, perde aqueles que poderiam ser naturalmente seus apoiadores”. E é exatamente para este seleto eleitorado que Salles dirige seu discurso. Para sustentar a tese de que existe terra fértil para a “nova direita” frutificar, menciona uma pesquisa do datafolha que aponta um percentual de 47% de jovens entre 18 e 25 anos que se identificam como de direita. Eis ai a mina de ouro do purista Ricardo Salles: "Se ninguém é de direita, alguém que assim se diz de não tem em quem votar." (Salles precisa explicar para os seus exigentes eleitores porque, sendo ele um purista, aceitou o convite do governador tucano para compor o seu secretariado).

Os possíveis eleitores de uma direita mais pura e mais exigente ainda não foram suficientes para eleger Salles. Mas não subestimemos o rapaz, pois ele acaba de ser integrado ao secretariado do governo de São Paulo. Mas também não exageremos. Acredito que isto nos diz muito mais sobre Geraldo Alckmin do que sobre a força política do movimento Endireita Brasil.

Se Salles representa a “nova direita”, no que exatamente ela se diferencia da “velha direita”? Diferentemente da direita que no passado sustentou a ditadura militar, diz Salles, a “nova direita” é “democrática”. O apoio da direita à ditadura militar resultou na injusta “demonização” do termo direita. O apoio ao golpe e a ditadura militar respondia a um anseio da população: "Quando a população exigiu a intervenção dos militares, garante Salles, tivemos um regime militar de direita que visava evitar que nós caíssemos numa ditadura de esquerda de base sindical como era aquela que João Goulart". Entenderam? A direita capitaneada por Salles é diferente da velha direita porque aposta nos valores democráticos, mas reconhece o importante papel histórico da velha guarda na contenção do avanço da esquerda ao apoiar o golpe militar. As convicções democráticas deste rapaz começam a me assustar. Quer dizer que para “salvar” a democracia vale até mesmo destruir a democracia? Qual é mesmo a diferença entre a velha e a “nova direita”?



A “nova direita” não apenas tenta justificar o golpe de 64. Ela reverencia o regime militar brasileiro. Na página do facebook do movimento e do “Instituto Endireita Brasil” os elogios aos militares e a ditadura são explícitos e ostensivos. Os militares são vistos como heróis nacionais que salvaram o país do perigo comunista. Um dos entusiasmados divulgadores das ideias e da candidatura de Ricardo Salles é o coronel Marco Antonio Balbi. O coronel, ao lado de nomes como Carlos Alberto Ustra (autor do livro “A verdade sufocada”), são notórios defensores do golpe de 64. Pretendem mostrar ao Brasil “a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça”. Em 2012 o coronel Balbi esteve por trás das comemorações dos 48 anos do golpe militar. Numa rápida busca na net descobri que o coronel dispara e-mails (spams) apresentando a candidatura de Ricardo Salles.



Ricardo Salles está bem acompanhado. Resgata a herança salvacionista do golpe de 64 para, quem sabe, reivindicar uma tradição, e recebe o apoio de figuras que ainda sustentam indisfarçável orgulho pelos tempos da ditadura. O que Alckmin viu neste rapaz? O seu Eu oculto, que não ousa manifestar-se?

Voltamos então à pergunta: quem é Ricardo Salles e o que ele representa? Resposta: ele é a reencarnação do que de pior a direita representou historicamente para o país. De democrático ele não tem nada. Justifica uma ação golpista que destituiu um presidente (João Goulart) eleito democraticamente e ressuscita os argumentos da direita golpista de que o governo “esquerdista” de Jango conduziria o país para um desastre político. A imagem do governo Jango como uma ditadura sindical de esquerda circulava em panfletos distribuídos pela TFP, pela igreja católica e por certos círculos militares. Era uma estratégia para desestabilizar o governo. (Tenho vários destes panfletos aqui em casa. Eles podem ser encontrados em sebos). O que Salles pretende reverenciando este passado? Sugerir que o Brasil esta a beira de uma ditadura de esquerda? 

É isto então que a “nova direita” “democrática” apresenta como novidade? Isto não passa de um prato velho requentado para servir como oposição à esquerda no poder. É o velho cardápio da direita autoritária rondando a mesa da democracia brasileira. É este o prato principal da direita? Esta retórica já meteu o país num atoleiro político infame por trinta anos. Ricardo Salles quer convencer a quem de que isto é o novo?

É importante dizer que justamente no momento em que temos um governo de esquerda reaparecem personagens com este tipo de discurso. Salles representa uma reconfiguração histórica do “lacerdismo”, travestido com ideais democráticos. É bom tomar certo cuidado com a expressão “lacerdismo”. Existe um uso político da expressão para desqualificar aqueles que honestamente denunciam a corrupção política do governo do PT. A indignação com a corrupção e com os deslizes éticos são cinicamente taxados pelos defensores, a qualquer custo, do governo de “lacerdismo”. Neste caso, a expressão sugere uma onda de denuncismo e de moralidade explícita, manipulada pela direita golpista, para desestabilizar o governo petista. O uso que faço da expressão não atende a estratégia governista de deslegitimação da indignação. Entendo por “lacerdismo”, à semelhança de Vladimir Safatle, a redução do debate político a um jogo torpe de acusações e insultos conduzido por setores da direita moralista que denuncia paranoicamente o perigo representado pela esquerda. Expressões como “terrorista” são empregadas com frequência pela direita para se referir a Presidenta Dilma e a alguns membros do governo, em virtude do passado ligado aos grupos de esquerda que lutaram contra a ditadura militar. Ricardo Salles tem batido nesta tecla. Paralelamente a desqualificação da esquerda como “terrorista”, a direita lacerdista proclama a defesa dos valores ligados à família, a propriedade e as liberdades individuais (ou o que eles entendem por isso). O “lacerdismo” encarnado pela “nova direita” tenta associar o governo de esquerda à corrupção, como se ele fosse a origem deste mal, e o acusa de representar uma ameaça aos valores da liberdade individual e da democracia liberal. 



Mas o que mais me assusta nestas novas lideranças de direita são as bandeiras políticas que sustentam. Salles se declara contra o aborto e a favor da pena de morte. É contra o casamento gay e acusa o MST, numa generalização grosseira, de ser um movimento criminoso. Tenho disposição para o debate e costumo ouvir, ou ler, com atenção bons argumentos sobre estes temas, contrários aos meus. O que não tenho muito é paciência para aturar certo uso das ideias liberais acomodadas a um catolicismo ultraconservador e militante que lembra a TFP da década de 1960. O argumento em defesa da pena de morte e contrário ao casamento gay, na boca da “nova direita”, flerta com o fascismo.

Não tenho preconceitos contra a direita, sobretudo a direita honesta. Sou leitor e admirador dos bons pensadores liberais (Raymond Aron e Frederick Hayek, por exemplo). Faz falta entre nós um pensamento conservador vigoroso e maduro. Forçaria a “nossa” esquerda a amadurecer, superar a fase romântico-voluntarista e democratizar-se. Infelizmente, o golpe militar de 64, cultuado pela “nova direita”, e ainda muito vivo entre nós, retardou nossa democracia em pelo menos trinta anos. A “nova direita”, que poderia trazer de fato alguma novidade, reverencia a intervenção militar e lhe rende homenagens, explicitas ou veladas. 



O problema não é ser de direita ou conservador. Ser de direita não é ser desumano. Assim como ser de esquerda não é garantia de ser virtuoso. Existe grandeza nas duas margens. O que não engulo é esta direita sem ideias, elitista, oportunista e fascista, que mal compreende a filosofia liberal e a distorce ao sabor das conveniências. Não engulo a argumentação rasteira e preconceituosa. Tampouco o rosário de jargões herdado da direita ultrapassada que, ligeiramente maquiado, é apresentado como novidade política. Esta turma que resolveu sair do armário e assumir-se como “de direita” manifesta um ódio visceral em relação à esquerda. A recíproca da esquerda messiânica e autoritária, em particular, é verdadeira. No fundo elas se merecem.

Enfim, a “nova direita” reivindica uma herança autoritária que se mostrou desastrosa para o país, anda de braços dados com o que sobrou dos tempos da ditadura, e ainda pousa de democrática. A “nova direita” já nasceu velha e viciada. O Brasil não precisa “Endireitar-se.” É a direita que precisa emendar-se e, antes tarde do que nunca, democratizar-se.

Um comentário:

  1. Muito bom o texto, professor!

    Gostei dessa parte do texto, principalmente por ver "Libertários" clamando pela volta da ditadura:
    "O problema não é ser de direita ou conservador. Ser de direita não é ser desumano. Assim como ser de esquerda não é garantia de ser virtuoso. Existe grandeza nas duas margens. O que não engulo é esta direita sem ideias, elitista, oportunista e fascista, que mal compreende a filosofia liberal e a distorce ao sabor das conveniências"

    ResponderExcluir