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domingo, 20 de janeiro de 2013

RAÚL CASTRO: O DITADOR/DISSIDENTE DO REGIME CUBANO.



RAÚL CASTRO: O DITADOR/DISSIDENTE DO REGIME CUBANO.



Alguns regimes políticos, notadamente os identificados como socialistas, contam com um quadro de dedicados intelectuais espalhados pelo mundo que espontaneamente os defendem contra as “hostilidades” e críticas desferidas desde o mundo capitalista. O esforço destes intelectuais é no sentido de desacreditar os críticos externos, associando-os à propaganda imperialista (mídia corporativa) e aos interesses de Washington, e desvalorizar a dissidência interna, descaracterizando suas manifestações e reduzindo as críticas dos dissidentes a meros interesses individuais e egoístas. O caso cubano é extraordinário.


Salim Lamrani escreveu um artigo publicado na Agência Ópera Mundi apresentando Raúl Castro como o “verdadeiro dissidente” cubano. Eu sei. Soa bastante estranho. Mas é isso mesmo. Lamrani é professor das Universidades de Paris-Descartes e Paris-Est Marne-la-Vallée e um admirador/defensor declarado do regime cubano. Publicou diversos textos na net defendendo o regime dos Castro e atacando seus adversários. Num dos textos sustentou que Orlando Zapata Tamayo, que morreu numa prisão cubana em fevereiro de 2010 após uma greve de fome de 83 dias, não era um preso político. Zapata, de acordo com o governo cubano e com Lamrani, era um preso comum. Recentemente tentou desqualificar Yoani Sánchez afirmando, de maneira duvidosa, que a blogueira tem um padrão de vida bem acima da maioria dos cubanos. Agora o professor francês, autor do livro “Cuba. Ce que les médias ne vous diront jamais”,  investe na figura de Raúl Castro para mostrar que este senhor possui as melhores credencias e o espírito crítico necessário para conduzir o processo de reformas em Cuba.  

Creio que a iniciativa tem duas finalidades, uma explicita, outra oculta. A finalidade explicita é rebater as críticas externas de que em Cuba não existe “debate crítico”. Em Cuba, garante Salim, “a cultura do debate se desenvolve mais a cada dia e é simbolizada pelo presidente cubano Raul Castro, que se converteu no primeiro a falar dos reveses, das contradições, aberrações e injustiças presentes na sociedade cubana.” A Cuba de Salim Lamrani esta longe de ser uma “sociedade monolítica que compartilha o pensamento único.” 


Salim considera que as falas de Raúl Castro pela televisão e alguns discursos criticando algumas posturas do governo e injustiças sociais (isso existe em Cuba?) são a prova de que existe debate crítico em Cuba. O chefe do governo e irmão do chefe máximo da revolução faz criticas a ineficiência do regime e as “aberrações” que eles mesmos criaram e isto é chamado de “debate crítico”? Expliquem-me, como base em alguma teoria política deste planeta, como pode o chefe do governo ser ao mesmo tempo dissidente e chefe político? Dissidência é o “ato de discordar de uma política oficial, de um poder instituído (ou constituído) ou de uma decisão coletiva.” O “dissidente” Raul Castro discorda do que, dele mesmo e da política com a qual compactua há 50 anos em Cuba? Salim Lamrani acaba de inventar um novo significado para o conceito de dissidência. 


Se olharmos por outro ângulo, o conceito de dissidência no vocabulário político do ocidente, no século XX, esta associado aos regimes totalitários, especialmente a União Soviética sob o governo stalinista. Estaria o autor do texto afirmando, mesmo sem ter a intenção, que Cuba encerra um regime desta natureza? Ato falho, Salim? 


E a ideia do debate que ele acredita existir em Cuba? Um debate não exige a presença de um contraponto? Raul discursando por meio de sonolentos monólogos, sem alguém que lhe apresente argumentos contrários, poder ser chamado de “debate”? É realmente impressionante a maneira como o professor Salim lida com o significado das palavras.


A finalidade oculta, e a mais importante, é desacreditar e deslegitimar a dissidência cubana não controlada pelo governo. A intenção fica clara quando Salim sustenta que Raúl foi o primeiro a falar dos problemas de Cuba. O Primeiro? E os dissidentes (os verdadeiros), que há décadas chamam a atenção para os problemas que só agora Raúl entendeu existirem?


Sugerir que Raúl é o verdadeiro dissidente em Cuba é uma afronta ao pensamento. É propagando política disfarçada de crítica. Raúl Castro é a continuidade, é a autocrítica tardia e conservadora. Raúl Casto representa a política do vão se os anéis para ficarem os dedos. Representa a agonia de um regime falido que não quer admitir seus erros, e que vê nesta forma cínica de autocrítica oficial uma forma de se manter no controle político do país. Prestem atenção nesta frase: “Assim, Raúl Castro não é apenas o presidente da nação, mas também – segundo parece – o primeiro dissidente do país e o mais feroz crítico das derivas e imperfeições do sistema.” 


Vou traduzir a minha maneira: Raúl é o ditador e o crítico da ditadura. É o criador do sistema e o crítico oficial, e único, de suas imperfeições. É o Victor Frankenstein tentando aplacar a fúria a do monstro que ele mesmo criou e que agora se volta contra ele.


Transformar o irmão de Fidel no “verdadeiro dissidente” e “feroz crítico” do regime cubano é afirmar com outras palavras que realmente não existe debate crítico em Cuba. Os irmãos Castro e seus ventríloquos na mídia cubanófila manejam os conceitos para manter um regime obsoleto que satisfaz aos seus caprichos ideológicos. Se quiserem o mínimo de rigor com os conceitos, procurem pelo conceito de “dissidente”, conforme qualquer dicionário de política, nas prisões cubanas. Lá estão os “dissidentes” que defendem o “debate crítico” em Cuba. 


As medidas de abertura do regime tomadas por Raul, como a reforma migratória, embora bem vindas, não podem, de maneira alguma, ser tomadas como dissidência. Um dos sinônimos de dissidência é ruptura. Raul esta longe de qualquer coisa que mesmo remotamente lembre ruptura. As medidas anunciadas representam o desejo de continuidade de um regime que, embora falido, tenta se manter abrindo-se lentamente para reformas (inspiradas quem sabe nas experiências chinesas e vietnamitas). A “autocrítica”, e a reforma, anunciadas como a grande novidade da “revolução”, não é nada mais do que aceitar tardiamente aquilo que os críticos já haviam denunciado há décadas.


Não estou agourando as reformas e torcendo pelo fracasso. Ao contrário. Espero que Raúl esteja bem intencionado e consiga encontrar o melhor caminho para abrir o regime, sem, contudo, desfazer as conquistas da revolução. Só não dá para engolir esta conversa de “dissidente”.


Raúl Castro representa a sobrevida do regime cubano sem Fidel. Transformá-lo num “dissidente” e num “feroz crítico” do modelo criado por seu irmão é deixar tudo em família e se antecipar a uma possível manifestação popular por reformas mais contundentes. Afinal, o dissidente é aquele que contesta e rompe com o que existe. Apresentar Raúl como o dissidente, o insatisfeito, é uma manobra política para dissociá-lo do fracasso histórico do regime. É revestir o velho com nova roupagem crítica, para camuflar seu passado, e anunciá-lo como novidade.

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