Pin it

domingo, 13 de janeiro de 2013

A MPB HEROICA E O LINCHAMENTO SELETIVO: querem transformar Roberto Carlos no Elia Kazan da ditadura brasileira.



A MPB HEROICA E O LINCHAMENTO SELETIVO: querem transformar Roberto Carlos no Elia Kazan da ditadura brasileira.


A ascensão política de um partido de esquerda e de governos de esquerda no Brasil, cujos nomes mais importantes enfrentaram, em diferentes contextos, a ditadura militar, estimulou o interesse por uma investigação critica do regime militar, mas também abriu brechas para o oportunismo. As indenizações milionárias pagas a Ziraldo e Jaguar pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça como forma de reparar os prejuízos sofridos pela perseguição política durante a ditadura foram escandalosas. Por outro lado, a divulgação de documentos do período militar e o desejo de revisar o passado são as boas novas. Mas é preciso tomar cuidado para não submeter a necessária investigação do passado aos caprichos daqueles que veem nisso uma oportunidade para tirar vantagens políticas.

Estão circulando pelas redes sociais alguns documentos da ditadura militar que supostamente confirmam a colaboração de artistas como Roberto Carlos com o regime. Minha primeira reação foi de satisfação em relação à divulgação de nova documentação. Cada novo documento tornado público expõe uma nova faceta do período. Aqueles que desejam um país decente, democrático e em dia com sua memória, imagino, querem ver aqueles anos sombrios passados a limpo. A segunda reação foi de preocupação. Sabemos que documentos oficiais de um período como este devem ser examinados com cautela. A cautela deve ser redobrada quando o que está em jogo é a reputação alheia. A facilidade com que estas notícias se espalham na internet é impressionante. Os julgamentos vão surgindo na mesma velocidade. Vários blogs, sites e portais divulgaram os documentos referidos e imediatamente os tomaram como expressão da verdade. Antes de emitir qualquer sentença, favorável ou não aos artistas citados, devemos ter em mente que os documentos em questão não são transparentes. São opacos, lacunares e expressam os pontos de vista e as táticas dos militares. É preciso suspeitar dos documentos e cruzá-los com outras fontes. Caetano Veloso, por exemplo, num depoimento a Geneton Moraes Neto, disse que quando voltou ao Brasil para visitar a família foi levado para um lugar secreto e pressionado a escrever uma música ufanista sobre a transamazônica. Para pressioná-lo diziam que outros artistas como Wilson Simonal já haviam confirmado participação. Não era verdade. Caetano se recusou a colaborar. O depoimento nos ajuda a entender os métodos empregados pelos militares para pressionar e induzir o meio artístico. E se Caetano caísse na armadilha dos militares e saísse dali alardeando o colaboracionismo de Simonal? Esse papel coube ao Pasquim.

Conhecemos bem a versão heroica da MPB que resistiu a ditadura militar (A sigla MPB foi criada em 1965, apostando na tradição que o samba carregava e na modernidade trazida pela bossa nova). Durante a ditadura, na época da Anistia e no decorrer da década de 1980, consolidou-se o que poderíamos chamar de “discurso da resistência”, que construiu uma versão histórica legendária, e muito eficiente, da oposição ao regime militar. Entre outras manifestações artísticas a música recebeu destaque especial. Algumas canções se tornaram emblemáticas e passaram a traduzir o ideal de engajamento político dos artistas. As canções mais lembradas são: “Carcará” (1965), “Alegria, alegria” (1967), “Roda Viva” e “Pra não dizer que não falei das flores” (1968). Chico Buarque e Geraldo Vandré foram transformados em símbolos da resistência. Roberto Carlos, Simonal, Agnaldo Timóteo, Clara Nunes, Wanderley Cardoso e Rosemary, foram associados à ditadura e transformados nos Judas da MPB. Vandré nunca lidou bem com isso. Afastou-se de tudo, esquivou-se do rotulo de compositor de canções de protesto que lhe impuseram e rejeita categoricamente a condição de símbolo de uma época. A primeira e única aparição de Vandré, em décadas, foi numa entrevista a Geneton Moraes Neto em setembro de 2010. Quem esperava o Vandré idealizado pelo discurso da resistência decepcionou-se. O homem foi absolutamente vago, dosava as palavras com receio, talvez, de que elas se voltassem contra ele, vestia uma camisa com o símbolo da aeronáutica, exibia um cartão da instituição e usava um boné verde oliva. No meio da entrevista recitou versos de uma canção composta para exaltar a aeronáutica, sugestivamente intitulada FABIANA. Visivelmente, o compositor que se esforça para desfazer a imagem do passado, estava sob tutela da instituição. A entrevista foi realizada no Clube da Aeronáutica no Rio de Janeiro. Vandré era a desconstrução em pessoa do discurso da resistência. O ideal do compositor engajado se desfez. FABIANA é o contraponto perfeito para “Para não dizer que não falei das flores”.

Apesar de certos exageros e idealizações, personalidades da MPB encontraram nas canções um meio de protestar e fazer corajosa oposição ao regime. A história destes artistas é bem conhecida e celebrada pelo discurso da resistência (A imprensa liberal brasileira, por outros caminhos, também contribuiu para a fixação do nome de alguns artistas como símbolos da luta contra a ditadura. A revista Veja é o caso mais conhecido. Ver a matéria “Eles dizem ‘não’ mas todo mundo aplaude”, publicada na revista em novembro de 1968. O texto começa assim: “Toda música é de protesto. Esta é a tese de Geraldo Vandré, autor de "Caminhando". A matéria esta disponível em versão digitalizada. Vale apena conferir). Havia, no entanto, artistas que ou preferiram silenciar e não tomar partido, e artistas como Wilson Simonal e Carlos Imperial, que desdenhavam dos engajados e adotavam certo cinismo. A história destes artistas não é tão bem conhecida. Foi escrita, em parte, por quem desprezava suas posturas. O caso de Simonal foi extremo. O cantor trilhava um caminho que não agradava parte do meio artístico. Criticava o intelectualismo e o elitismo crescentes da MPB (que agradava apenas aos intelectuais a aos universitários, não ao “povo”), e apostava no lado mais comercial da música. Junto com Carlos Imperial esteve à frente do movimento conhecido como “pilantragem”, que ironizava o lado “intelectualóide” da MPB e investia no lado mercadológico da música. A “pilantragem” era uma grande jogada de marketing, mas a crítica não entendeu assim e repudiou ruidosamente o movimento. Antes de virar o “dedo-duro da ditadura”, Simonal conquistou no meio artístico a fama de arrogante e antipático. A fama de dedo-duro surgiu em 1971 por conta de um episódio nebuloso de desvio de dinheiro pelo contador de sua empresa, a “Simonal Comunicações”, que supostamente foi sequestrado por dois policiais amigos do cantor e ligados ao DOPS. O caso, envolvendo depoimentos contraditórios e suspeitas de falsificações, nunca foi suficientemente explicado, mas a fama de dedo-duro e de homem ligado ao regime se espalhou. O pasquim comprou a briga e desferiu pesados e insistentes  golpes contra Simonal. Era o começo do fim da carreira  do cantor. (Recomendo a leitura do texto: “Simonal, ditadura e memória: do cara que todo mundo queria ser ao bode expiatório”, de Gustavo Alves Alonso Ferreira).



A matriz discursiva da resistência tomou para a si a tarefa de celebrar os ícones da MPB que ergueram seu canto contra a ditadura e de “entregar” aqueles artistas que no seu entendimento colaboraram com os militares. Roberto Carlos e Wilson Simonal têm sido os alvos preferências desta turma.

Os profissionais da difamação de hoje querem fazer com Roberto Carlos o mesmo que os seus ancestrais fizeram com Wilson Simonal? Estão fazendo um linchamento moral do cantor baseado em informações bastante vagas extraídas de documentos oficiais do Centro de Informações do Exército. Porque tanta pressa para julgar? Seria Roberto um atalho para atingir a Rede Globo? Antes de lincharem Roberto Carlos, lembrem-se da música que fez em homenagem ao Caetano Veloso, que estava exilado em Londres (“Debaixo dos caracóis dos teus cabelos...”). A canção é bem mais concreta do que as informações disponíveis nos documentos que circulam na internet. Antes de julgar o sujeito, procurem saber mais sobre o seu suposto envolvimento com a ditadura. Uma coisa é um documento oficial que aponta nomes de artistas que na visão dos militares eram próximos do regime, coisa bem diferente é uma efetiva colaboração destes artistas com a ditadura. Se estes artistas eram ou não colaboradores, não saberia dizer ao certo. Li os documentos e não consigo, com base no que está escrito, ligar categoricamente os artistas ao regime. As informações são vagas e os documentos escorregadios. 

Não se deixem instrumentalizar, especialmente em tempos de “Comissões da Verdade” (Não lembra 1984?). Viva a “Comissão da Verdade” – apesar do nome -, mas temos que tomar cuidado com a euforia ideológica e a ânsia de julgar que a acompanha. Pode-se por tudo a perder e, ao invés de investigar seria e sobriamente o passado e esclarecer os crimes cometidos pela ditadura, corre-se o risco de embaralhá-lo ainda mais. 

Investiguem uma notícia antes de replicá-la. Estamos lidando com a reputação alheia.

Dois pontos chamam a minha atenção:

1.      As denúncias de colaboracionismo não vêm de hoje. Há três décadas que tentam comprometer, sem sucesso, Roberto Carlos com a ditadura. O ar de novidade que a notícia assume agora, já vem com cheiro de coisa velha. Nos anos 80 discuti muito este assunto com meus amigos e colegas mais de esquerda. Eu gostava, e gosto do Roberto, e alguns deles, baseados em boatos, o associavam a ditadura. Lembro até de um programa de TV que simulava um julgamento. Era o programa “Quem tem medo da verdade”, apresentado pelo Carlos Manga, exibido em 1968 na TV Record. A ideia do programa era convidar celebridades para participar de um julgamento simulado conduzido por personalidades do meio artístico (que tema para uma pesquisa, meus colegas historiadores!). Num dos programas Roberto era o réu e Sílvio Santos o seu defensor. Sílvio era hábil na defesa e insistia na tecla de que o cantor não havia contaminado a juventude com músicas subversivas. O vídeo é raro, mas pode ser visto no youtube. Roberto parecia estar ali sem saber muito bem por que. Parecia anestesiado. Sílvio Santos não. O apresentador era um ventríloquo do regime militar e desfiava arrogantemente o rosário de jargões do vocabulário ultra direitista da época. Sem dúvida o prestígio de Roberto Carlos estava sendo usado pelos militares. Mas nunca me pareceu que ele se prestava consciente e decididamente para este fim. Pode até ter sido um inocente útil, mas não um colaborador que sabia o que estava fazendo e colocava sua arte a serviço da ditadura.

2.      O caráter seletivo das denúncias. Porque os críticos de plantão não postaram comentários e fotinhos malandras com “dizeres espertos” quando surgiram as denúncias de que Mino Carta e Paulo Henrique Amorin escreviam textos apologéticos ao regime quando trabalhavam para a revista Veja? Porque hoje eles são governistas? Novidade. Parece que as celebridades escolhidas para o linchamento público são aquelas que de alguma maneira estão ligadas as ditas forças conservadoras. Roberto Carlos é a atração de fim de ano da Globo. É isso então? A ideia é atirar no padre para acertar a igreja? Eu até entendo as razões para perseguirem o Simonal. Afinal ele debochava e desdenhava da MPB e da esquerda. Roberto, ao contrário de Simonal, era na dele, não se metia nestes assuntos.

Será que querem transformar Roberto Carlos no Elia Kazan do Brasil? Mesmo no caso do diretor de “A Streetcar Named Desire”, que entregou alguns colegas “comunistas” para a Comissão de Assuntos Anti-americanos do Congresso, as controvérsias são acaloradas. Em 1999, quando recebeu um oscar pelo conjunto da obra, atores como Ed Harris, Holly Hunter e Nick Nolte recusaram-se a se levantar e aplaudi-lo, e Sean Penn e Richard Dreyfuss declararam publicamente que não concordavam com a homenagem. Martin Scorsese ficou do lado do velho cineasta, o levou ao palco amparando-o com o braço e em 2010 dedicou-lhe um documentário intitulado “A Letter to Elia”. Não pretendo ser o Scorsese de Roberto Carlos. Apenas incomodo-me com o fato de que muita gente parece querer ser, apressadamente, o Sean Penn do “rei”. É um macarthismo às avessas.

Roberto e Simonal colaboraram com a ditadura? Não sei. E se colaboraram, colaboraram como? Entregando colegas do meio artístico? Não acredito. O que eu sei é que os documentos existentes não confirmam nada. Se um dia aparecer um documento contundente e inquestionável, eu baixo a guarda. Enquanto isso não acontecer, eu fico com a sensibilidade e demonstração de carinho da canção dedicada ao irmão da Betânia. O depoimento de Caetano no DVD “Circuladô ao Vivo” sobre a visita que recebeu de Roberto Carlos em Londres é um exemplo da solidariedade de Roberto com colegas do meio artístico perseguidos pelo regime. Talvez Roberto não fosse um cara politizado, talvez fosse um tanto inocente, mas daí a colaborador da ditadura vai uma boa diferença. Sei que a noção de colaboração é ampla e implica numa série de posturas, mas ainda assim é preciso ter cuidado.

Alguns autores afirmam que a música de Roberto foi a trilha perfeita para a ditadura. O moço bem comportado teria composto a música permitida daqueles anos. Isso já implicaria numa modalidade de colaboração. Não vejo assim. Este tipo de argumento amarra arbitrária e definitivamente um estilo musical a um contexto, como se houvesse uma homologra direta entre a música e a sociedade. As relações entre ambas são íntimas, mas ver a música como um retrato da realidade é empobrecedor. Não se leva em conta a complexidade dos circuitos que ligam a música ao mundo social, não se considera a linguagem musical nem os encontros de estilos e tradições musicais que perpassam uma canção ou um movimento musical. Decreta-se uma homologia simplista e mecânica entre a canção e o contexto histórico (como se este existisse de maneira independente) e constrói-se a imagem reducionista da jovem guarda como a trilha musical da ditadura. Como este tipo de abordagem opera no registro simples do preto e branco, ou do contra ou a favor, as canções que de alguma forma levantaram algum tipo de questionamento à ditadura são classificadas como canções de protesto. É igualmente simplista. Ver as canções de Chico Buarque por este prisma redutor é deixar de fora os elementos – poéticos, musicais e estéticos – mais importantes para articular historicamente sua arte. Chico estava interessado em política e assinou várias canções que poderíamos, sem erro, definir como “de protesto”. Mas isso não é tudo, e talvez não seja o dado mais importante.

Roberto Carlos e o movimento jovem guarda, diferente de alguns nomes da MPB, não estavam interessados em política. Era um direito deles. Mas uma parcela da intelectualidade não pensa assim. O silêncio de Roberto Carlos expressaria bem mais do que o simples desinteresse pala política. O raciocínio é o seguinte: o Brasil sofria debaixo das botas dos militares e jovens eram caçados e torturados. E Roberto, o que fazia? Gravava músicas ufanistas, canções de amor e hinos religiosos como Jesus Cristo. Imperdoável. Um crítico da conduta do cantor escreveu no portal Carta Maior em 2005 que a canção gospel “Jesus Cristo” era para “corações ocos”, pois não tinha a “fúria dos negros norte-americanos”. Deixa ver se eu entendi. Música gospel tem que ter fúria, tem que envolver alguma forma de protesto, por que nos EUA era assim? É isso? Roberto deveria ter composto um hino gospel de protesto? Entendi.

A convergência da música de Roberto Carlos com as exigências e expectativas dos governos militares só existe na hiper-hermenêutica de alguns iluminados que consegue decifrar nas canções de amor e nas manifestações de fé do cantor um código secreto que as vincula à ideologia do regime militar. Os acusadores devem ter a disposição super lentes de aumento que permitem ver além do que está escrito nos documentos. O uso de lentes hermenêuticas potentes como estas, apontadas seletivamente para o passado, resultam em hiper-interpretações que recriam uma realidade, ou uma hiper realidade, feita sob encomenda para sustentar as batalhas do e pelo presente. O prefixo hiper aqui empregado, livremente inspirado em Lipovetsky, aponta para a cultura do excesso, do que vai além. Neste caso, além da realidade. Refiro-me a construção de uma realidade passada sob medida para atender as demandas políticas do presente.

Na versão heroica da história que a MPB construiu para si mesma, Roberto Carlos e Simonal cumpriram e cumprem o papel de bodes expiatórios perfeitos. Simonal, que zombava dos engajados, morreu, e tentaram destruir sua alma (Nada contra os engajados, pelo contrário. Mas engajados que transformam suas lutas e crenças numa forma de julgamento da conduta alheia, não). Roberto esta vivo, e sua imagem está associada à Rede Globo. Conveniente, não? Os vestígios documentais nos quais se baseiam os acusadores são frágeis e insubstanciais. Neste caso, mesmo que eu desconfiasse do cantor, não o acusaria de colaboracionismo. Seria leviano de minha parte. Entendam-me bem. Não estou me portando como advogado do “rei”. “Esse cara não sou Eu”. Estou apenas manifestando indignação em relação à facilidade com que se julga e condena alguém política e moralmente.

Por trás das acusações do suposto colaboracionismo de Roberto Carlos está a interminável luta pela memória do passado. Sabemos que a memória sobre a ditadura foi construída por aqueles que foram derrotados em 1964 e em 1968. Supõe-se então que Roberto Carlos estivesse do lado dos vencedores? Os próprios militares dizem que mesmo sendo vitoriosos em 1964, foram derrotados em relação à construção da memória histórica. Foram derrotados nas batalhas do presente pela imposição de uma imagem a cerca do passado. A “Comissão da Verdade” é mais um capítulo desta batalha. Daniel Aarão Reis, num estudo importante sobre o tema, sugeriu que as esquerdas derrotadas politicamente conseguiram impor uma memória vitimizadora da sociedade perante a ditadura militar. Ao mesmo tempo impuseram uma memória heroica e redentora de si mesma. Contudo, essa versão vitimizadora e redentora não consegue explicar, por exemplo, o porquê de a ditadura ter se sustentado por tanto tempo. No imediato pós 1964 as esquerdas, empenhadas em registrar a memória daqueles tempos, construíram para si, segundo Aarão, a ideia de que foram surpreendidas pelo golpe. Esqueceram, no entanto, que o golpe também era uma possibilidade para as esquerdas, que não tinham nenhum compromisso com a democracia. Direita e esquerda tinham a expectativa do golpe no seu horizonte político. Ao mesmo tempo em que as esquerdas consolidavam a ideia da resistência à ditadura, especialmente com a emergência da luta armada, passavam a defender o retorno da democracia. Não que tivessem convicções democráticas. 

A memória da resistência elegeu seus artistas e suas canções favoritas. Ao mesmo tempo que se consolidava uma narrativa heroica da MPB, espécie de trilha sonora da resistência, construía-se uma versão em negativo dos artistas que não comungavam dos mesmos valores ou que não estavam do mesmo lado (Não que estivessem necessariamente do outro). Chamar Roberto Carlos de “o cantor da ditadura” porque nadava a favor da corrente ou não remava contra a maré é arbitrário. Fosse assim deveria ser chamado também de o cantor da era Sarney, da era Collor, da era FHC e da era Lula. Em 1985 compôs “Verde e amarelo” em homenagem a Nova República. Deveria por isso ser chamado de “o cantor da redemocratização”? Para além dos apelidos desqualificadores, Roberto Carlos é um cantor popular, escolhido pelo gosto popular. Sant'Anna foi quem melhor o definiu: "Ele é o lado kitsch dos ouvintes mais sofisticados e é o lado mais sofisticado dos ouvintes mais kitsch. É uma espécie de herói popular". 

Isso talvez incomode muita gente que preferiria que o “povo” cultuasse figuras como Lamarca e Marighella. Ademais, artistas populares nunca foram bem vistos pelos guardiões do “bom gosto”. 

Eu fico do lado do Caetano, que chama Roberto Carlos de “rei”, sem se incomodar com a patrulha estética e ideológica da MPB, e escreveu uma canção em homenagem a Marighella, indiferente a recente onda de incriminação de figuras da esquerda que pegaram em armas para enfrentar a ditadura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário