ZUMBILÂNDIA DIGITAL: A epidemia
social dos zumbis tecnológicos.
Não quero que o texto soe ofensivo. Não é para ser lido como um julgamento do comportamento de ninguém. Leiam como uma brincadeira. Escrevi dando risadas, de mim, dos zumbis tecnológicos e das situações que me vinham à lembrança. Também tenho as minhas obsessões e, à minha maneira, também sou um zumbi social.
Alguns
amigos e amigas mais chegados fazem brincadeiras por eu ainda não ter um celular
ou um smartphone, não ser adepto das
redes sociais e não ter paciência para as modinhas digitais. Não é preconceito,
nem resistência à tecnologia digital, explico para eles, é uma opção. Acho o
telefone celular e as versões smarts
grandes invenções que facilitaram muito a vida dos usuários e acrescentaram
elementos lúdicos à relação humana com a tecnologia digital. Mas não sinto
necessidade de ter um telefone inteligente e não me vejo andando por ai com
estes objetos como se fossem uma extensão do meu corpo. Não quero ter um caso de
amor com um smartphone. Não pretendo permitir que as corporações (Niantic, por exemplo) mobilizem e organizem os meus desejos, decidam o que vou comer e definam meu estilo de vida, via aplicativos e jogos de celular (Ingress e Pokémon Go). Além disso, essas
coisas tomam tempo, distraem mais do que deveriam, viciam, são inconvenientes e
geram comportamentos obsessivos. Minhas prioridades e minhas urgências são
outras. Prefiro ter mais tempo para ler, escrever, ver filmes, namorar, conversar
pessoalmente, e beber com as pessoas que gosto sem ser interrompido pelas
sempre urgentes mensagens. Mas não adianta. Chamam-me de jurássico e perguntam
se ainda me comunico com sinal de fumaça. Engraçadinhos eles! Vou devolver a
brincadeira fazendo uma analogia dos comportamentos obsessivos e massificados associados
à tecnologia digital com os zumbis. Vou chamar essa turma da cabeça inclinada,
que não desgruda dos smartphones e iPods, de TECHNOZOMBIES (os zumbis tecnológicos) A analogia não é original.
Eu mesmo já escrevi sobre isso aqui no blog.
A
metáfora zumbi inventada por George Romero e popularizada pela série The
Walking Dead diz muito sobre os comportamentos humanos. As grandes questões
levantadas pelos filmes de zumbis, não é novidade, são referentes aos vivos,
não aos mortos. As hordas de mortos-vivos apodrecidos que se arrastam em busca
da sempre urgente refeição nada mais são que um pano de fundo assustador para realçar
as questões que realmente importam. Geralmente a “filosofia zumbi” é apontada
para certos comportamentos humanos obsessivos, padronizados e repetitivos. George
Romero, no final da década de 1970, fez uma critica metafórica ao consumismo desenfreado
e à onda de shopping centers nos Estados Unidos, no filme “Down of the dead”.
As sequências em que multidões de zumbis andam sonolentas e aleatoriamente
pelos corredores de um shopping, lembrando o comportamento mecânico dos
consumidores, são memoráveis!
A
fome insaciável dos mortos vivos, entendida como metáfora, pode muito bem
servir de inspiração para pensar as fomes e obsessões do nosso mundo. Dos
zumbis do cinema passamos então para os zumbis da vida real. Eles estão por
toda parte. Montados nos seus smartphones,
obcecados pelas redes sociais, famintos pelas novidades tecnológicas e
dependentes delas como os zumbis das entranhas humanas, eles se arrastam pelas
ruas com a cabeça baixa, deslizando o dedo na telinha, alheios a tudo o que
acontece a sua volta. É o típico comportamento de rebanho. Um smart rebanho, tecnologizado,
hipnotizado pelos smartphones e
assemelhados como os zumbis pelo cheiro humano (O aparelhinho emite um sinal e
o dono, tecno-adestrado, imediatamente atende).
A
patologia pode ser contagiosa e discriminatória uma vez que, quem não faz parte do smart rebanho, tende a ser deixado de
lado. O negócio então é se enturmar, fazer parte dos grupos e ter um milhão de
“amigos”. Aqueles que não foram “mordidos”, ou zumbificados, passam a ser vistos
como esquisitões, ultrapassados, e ficam isolados na zumbilândia digital. Ficar
isolado significa: não participar de grupos de bate papo; não poder postar
sobre sua vida e xeretar a vida alheia; não seguir ninguém e não ter seguidores;
não curtir e não ser curtido. Para um zumbi tecnológico, isso é o mesmo que
estar morto! Então o negócio é curtir.
Bora trocar likes!
Um
technozombie que se preze está em
todas as redes sociais. Tem facebook
(antes de conhecer o face, não vivia
sem o Orkut), twiter, instagram, snapchat, e não vê a hora de conhecer e
experimentar a novíssima novidade. A coisa ainda não foi inventada, mas em
breve ele não poderá mais viver sem ela. Ela vai ser tão essencial na sua vida que
ele não saberá como vivia antes de conhecê-la. É a dependência digital
antecipada!
O
technozombie adora seguir pessoas
famosas para devorar suas intimidades. Num show, a prioridade é tirar fotos
para “compartilhar”. Num jantar, primeiro tem que registrar o evento e postar
nalgum lugar. No cinema, checam as mensagens o tempo todo. A vida e as
urgências digitais se impõem à vida que está diante de si.
Em
casos extemos, são socialmente anestesiados. Apartam-se do grupo de amigos e da
família, enterram a cabeça no smartphone
e ficam ali, de corpo presente. O avatar,
ao contrário do corpo físico, é descolado, comunicativo, esperto e
inacreditavelmente ágil. Divididos assim, entre o corpo e o avatar, os zumbis tecnológicos vivem
dramaticamente esta separação. Enquanto o avatar
quer curtir, compartilhar, trocar likes,
postar, ver e ser visto, o corpo precisa trabalhar, dormir e, eventualmente,
abrir a boca para conversar pessoalmente!
Existem
graus variados de zumbificação. Dos casos extremos passamos aos technozombies-light, ou moderados. São dependentes da tecnologia, não largam os
aparelhos nem para ir ao banheiro, mas ainda conseguem erguer a cabeça, segurar
a coceira nos dedos e, com algum esforço, controlar a ansiedade quando escutam
o sinal da mensagem chegando.
O
inseparável smartphone é uma espécie
de totem. Embora descartáveis e trocados amiúde pelos modelos mais novos, são
adorados como pequenas divindades. São a última coisa que verificam antes de
dormir e a primeira quando acordam. Passam o tempo todo a eles ligados e, mesmo
na companhia de pessoas queridas, dão-lhe inteira prioridade.
Outro
dia um sujeito me perguntou: “Cara, tu não tem whatsapp? Não acredito. Como é que tu te comunica?” “Perdão, não
entendi?”, respondi. “Como tu faz para te comunicar?”, insistiu. “Como eu faço?
Como sempre fiz, falando, gesticulando, telefonando. Tenho e-mail também. Tenho
até um blog e conta no skype (Embora
só tenha seis contatos. E não adiante mandar convite)”. Entendo perfeitamente o
espanto do sujeito e o que ele quis dizer. Não ter whatsapp hoje é estar deslocado, não pertencer a grupo nenhum, não
trocar mensagens, não enviar e não receber fotinhos e as bobagenzinhas
urgentes. É estar preso numa realidade paralela, numa zona fantasma, numa espécie
de antessala do mundo digital.
Os
zumbis também estão nas salas de aula. São todos iguais: cabeças baixas, deslizando
os dedos freneticamente, inteiramente absorvidos pelo mundo digital, rindo
sozinhos e absolutamente indiferentes ao que está acontecendo ao seu lado. Tenho
alunos que passam uma aula inteira sem levantar a cabeça. Acho que não conhecem
minha aparência! Se cruzarem comigo no corredor, e estiverem, por sorte, com a
cabeça erguida, não vão saber que sou o professor. Talvez me reconheçam pela
voz. E os que usam fone de ouvido? Sim, um ou outro usam fones. Só não me
perguntem o que as criaturas fazem em sala de aula.
Eles
também vão à praia. Ou melhor, eles levam o smartphone
à praia. Ficam o tempo todo debaixo de um guarda sol, fixados na telinha, em
transe. As pessoas que estão ao seu lado, bem menos importantes que as
mensagens e as diversões digitais, são completamente ignoradas. O sol aparece,
some, as pessoas entram no mar, voltam, conversam, leem alguma coisa, e eles
permanecem do mesmo jeito, hipnotizados. Quando aparece alguma coisa para
comer, eles saem do transe por alguns segundos, engolem o lanche rápido para
liberar mãos, e voltam a dar toda a atenção ao smartphone. O mar e os amigos (as), namorados (as), são acessórios
descartáveis que estão ali apenas para compor a cena.
As
vidas e prioridades dos technozombies
são pautadas pelos sons/sinais emitidos pelos smartphones. Não conseguem ficar cinco minutos sem checar as
mensagens e verificar as fotos, montagens e informes que, aos milhares por
segundo, chegam à rede digital a qual estão conectados. O zumbi tecnológico é
faminto por tudo o que está acontecendo. Do Big Brother ao terremoto no Equador,
do gol do Cristiano Ronaldo ao grampo do ex-presidente, do buraco negro
descoberto no centro da galáxia SAGE0536AGN
ao filme indicado ao Oscar, nada escapa ao zumbi hiper-informado, embora ele
absorva tudo apenas superficialmente. O zumbi não lê, passa os olhos. Não
pensa, registra informação. Satisfaz-se com uma foto seguida de um brevíssimo
texto explicativo (seis ou sete palavras no máximo!). Sempre conectado e atento
aos chamados do inseparável aparelhinho, não quer perder nada. A mensagem do
“amigo (a)” que acaba de chegar é mais importante que qualquer coisa. Pode ser
uma besteira, mas ele para tudo para checar. O comportamento obsessivo virou toc.
O
technozombie vive como se estivesse
no juízo final, em estado de insônia! Nessa ânsia compulsiva, e no furor
instantâneo de tudo ver, curtir e compartilhar, acaba sendo devorado e engolido
pelo seu avatar. A zumbificação
acontece quando o avatar, o eu
digital, ou o cibercorpo, passa a
ocupar um lugar mais importante nas relações que o eu corporal e social. No
ambiente digital o sujeito se transforma num ser ativo, dinâmico e
participante, enquanto no mundo físico e social converte-se progressivamente
num zumbi.
Será
que os filhos dos technozombies já
vão nascer com a cabeça inclinada, com incrível habilidade nos dedos e com
dificuldades com a linguagem falada e escrita?
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