MADURO
VESTE FARDA: A Nova Roupa do Presidente e a Aliança Operário-Militar na
Venezuela.
A
notícia da criação de milícias operárias pelo presidente Nicolás Maduro, de
roupa nova, não me surpreendeu. Não mesmo. Era esperado. Será que surpreendeu àqueles
que até ontem sustentavam que havia democracia e respeito à liberdade de
opinião na Venezuela? Pois bem, a peculiar democracia chavista desfila agora orgulhosa
pelas ruas a política da intimidação, da força, das armas e das fardas. Ela,
enfim, mostra a sua cara. Devidamente fardada a “revolução” marcha. Ela não
anda nem progride, ela marcha. Marcha na (de)cadência previsível e no som uníssono
das botas que martelam o chão e esmagam a espontaneidade. A “revolução” marcha
com cara amarrada e olhos de fúria. A terrível classe média (que Marilena Chauí
odeia) e as oligarquias venezuelanas não podem interromper a marcha vitoriosa da
“revolução”. As milícias vão cuidar para que isso não aconteça. Tem um “santo”
olhando por elas. Elas marcham vigilantes. Escutem as botas pisando o chão.....
é a música da “revolução”. Escutem o
ruído das armas.... é o som do reino da justiça que se aproxima. Escutem... escutem...
O opressivo som das botas silencia a salsa e o
merengue. O jogo dos quadris endurece e a cintura perde toda flexibilidade. O
tom marcial se impõe. A dança vira marcha. As milícias entram em cena. O
uniforme encobre e esconde o ser humano, o trabalhador, e faz nascer o soldado
bolivariano. Mulheres e homens metidos provisória e improvisadamente em roupas
de soldados e marchando pelas ruas para silenciar as vozes dissonantes: o que de
bom pode resultar disso? Existem outros caminhos, outros meios, outras escolhas.
Já vimos algo semelhante acontecer em outros lugares e contextos, tanto a
direita quanto a esquerda. E o balanço sempre foi trágico.
Eu
aproveito para citar novamente um grande filme: O Ovo da Serpente. Só não vê
quem não quer. As milícias existem na Venezuela desde 2005. Chávez deixou um
efetivo de cerca de 130 mil milicianos. Maduro apenas vai reforçar e ampliar o
poder de intimidação daquilo que já existia. Como podem existir a reflexão crítica,
o livre pensamento e a liberdade de expressão num ambiente vigiado e monitorado
por milícias armadas? As milícias bolivarianas marchando enfileiradas pelas
ruas com suas cores e símbolos, empinando bandeiras e entoando hinos de guerra
é um verdadeiro espetáculo fascista. A organização dos “trabalhadores” em milícias
– a Milícia Nacional Bolivariana – ligadas ao exército e controladas pelo
estado é do tipo fascista. Desconfio que a sacada de Benjamin sobre a “estetização
da vida política” nos regimes fascistas, adaptada com cuidado à Venezuela
bolivariana, daria ótimos insights.
O
objetivo das “milícias operárias”, segundo Maduro, "é fortalecer a aliança
operário-militar". Num discurso na Universidade Bolivariana de
Trabalhadores Jesús Rivero o presidente afirmou que com as milícias a classe
trabalhadora vai ser mais respeitada: “Serão ainda mais respeitados se as milícias
tiverem trezentos mil, um milhão, dois milhões de trabalhadores e trabalhadoras
uniformizados e armados, preparados para a defesa da soberania e da revolução.”
As
armas impõe respeito ou intimidam? Respeito e medo são coisas bem diferentes,
presidente. Não se conquista respeito com armas. Os traficantes não impõe
respeito nos lugares dominados pelo tráfico, se me permitem oferecer uma
analogia. Eles metem medo nas pessoas. Será que o passo seguinte da “revolução
bolivariana” é “vencer” pelo medo? Quem vai discordar de centenas de milhares
de “trabalhadores” armados? Fico imaginando os abusos que as tais milícias
armadas, soltas pelas ruas, com o apoio do presidente, defendendo a “soberania”
e a “revolução”, não vão praticar. É assustador.
Mas
o que mais me chamou a atenção nisso tudo foi a repentina mudança de visual de
Maduro. O presidente apareceu vestindo
discreto traje militar. Discreto porque não exibe medalhas nem distinções. Não
tinham percebido? É preciso ficar atento aos detalhes, amigos. Um crítico de
arte italiano chamado Giovanni Morelli já dizia que o segredo está nos detalhes
mais negligenciáveis. Vamos explorar o método, ainda que rapidamente, e interrogar
o detalhe que passou despercebido? Chávez era militar, a farda fazia sentido.
Mas Maduro era maquinista. Nunca foi militar. O que ele está fazendo de
uniforme militar? A mudança de roupa
deve estar sinalizando para os novos rumos da “revolução”. Fidel trocou as
fardas pelos uniformes adidas. Maduro, no caminho inverso, trocou os uniformes
pela farda. Metamorfoses revolucionárias! Uma roupa para cada estação. Os
uniformes adidas de Fidel combinam com as mudanças que lentamente estão acontecendo
em Cuba. Seria o outono da revolução? O comandante relaxou, guardou as fardas,
despiu-se da estética da guerra fria e assumiu um ar menos guerrilheiro. Maduro
parece que abandonou os ternos alinhados e os abrigos esportivos e optou por um
estilo mais combativo, mais afinado com a aliança recém-celebrada. Roupas
reforçadas para tempos difíceis. É isso, se as roupas querem dizer alguma
coisa, vamos ler Maduro. O uniforme militar traduz a aliança militar-operária
que ele pretende consolidar e comandar. Tem que estar vestido a caráter. Traduz
também a militarização da sociedade venezuelana. Maduro assumiu a farda e com
ela o viés ainda mais autoritário da “revolução”. Não basta ser autoritário,
tem que parecer. Tem que vestir a roupa e assumir de vez a estética fascista
bolivariana. Falta o quepe, comandante. Botas também cairiam bem. Botas são
imponentes. Ajudam na construção de uma imagem mais austera. A boina vermelha,
em certas ocasiões, também é aconselhável. Lembraria o ex-comandante.
As
fotos das milícias bolivarianas lembram as mobilizações militares da Coréia do
Norte. Não acham? Lá na terra de Kim Jong-un reina a escassez e abundam
as armas. É a lógica “inevitável” dos totalitarismos?
O
papel higiênico esta em falta na Venezuela, mas armas para serem empunhadas por
uma multidão não vão faltar. É esta a solução revolucionária? Falta papel, mas
sobram armas? Não tem nada de revolucionário em armar os “trabalhadores” para defender
a dita “revolução”. A atitude revela o desespero e a insensatez de um
presidente lutando para defender o seu mandato. A “revolução” é o álibi
perfeito. Justifica tudo. Mas o que se podia esperar de um presidente que alguns
dias antes da criação das milícias operárias tentou amedrontar os beneficiados
por um projeto de habitação iniciado por Chávez, declarando que sabia inclusive
a identidade dos compatriotas que não haviam votado nele? Se não viu problemas em
intimidar a população pobre, imagine o que é capaz de fazer com os seus
adversários políticos.