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sexta-feira, 22 de março de 2013

A REVOLUÇÃO COMO MITO (o ópio dos intelectuais).



A REVOLUÇÃO COMO MITO (o ópio dos intelectuais).


Ferreira Gullar está em forma. É um crítico atento dos autoritarismos de esquerda e de direita. Usa o calibre poético e a invulgar veia literária para desmascarar os falsos messias da liberdade dos povos. Afiado, como sempre, desmontou o mito da “revolução bolivariana”. O texto do poeta, que reproduzo mais abaixo, mesmo com possíveis imprecisões, é necessário e urgente. É um manifesto contra o delírio “bolivariano” que ronda a América do Sul. Claro, a postura do poeta desagrada muita gente. Max Altman, por exemplo, que não aceita que um escritor que durante décadas militou no campo da esquerda seja agora um crítico das esquerdas, tentou desacreditá-lo mostrando-o como uma espécie de lacaio da velha direita. Destaquei um parágrafo do texto de Altman:

 “Como necessitam ser bem recebidos pelos novos correligionários, mostram-se crescentemente mais realistas que o rei. Ou seja, homens com uma história de esquerda passam a defender algumas das teses mais caras à direita. Mudar de lado não é um ato gratuito. Há que se pagar pedágio sempre – e ele é caro e exigente -, demonstrando por atos e palavras que são leais à nova trincheira e aos seus valores. É o caso de Arnaldo Jabor, Roberto Freire, Marcelo Madureira, Alberto Goldman e tantos outros. E do poeta e cronista Ferreira Gullar.” (Max Altman: “Há sim uma revolução na Venezuela, Ferreira Gullar”).

Quem disse para o Sr. Altman que Gullar é agora um homem de direita, que precisa ser recebido pelos “novos correligionários”? Gostaria que o Sr. Altman demonstrasse, com alguns exemplos, que Gullar “mudou de lado”. Gullar, como podemos ler em algumas entrevistas, é crítico da direita e da esquerda. Chamá-lo de direitista é um insulto à inteligência. Textos como este servem apenas para abastecer a militância, que o reproduz vertiginosamente na rede, e desfazer nas redes sociais os efeitos da critica de Gullar. Como são parecidos, nos métodos, com a velha direita. Vamos em frente. Quem disse ao Sr, Altman que Gullar defende teses de direita? Mostre-me uma. Apenas uma. Que tipo de pedágio Gullar paga? Que tipo de fidelidade ele presta? Textos difamatórios como este não podem ser levados a sério. Foi exatamente está impostura, esta “ignomínia” (devolvo a palavra que Altman usou para se referir a Gullar), dos intelectuais de esquerda que me fez desejar estar bem longe deles. Não tenho a menor dúvida, estou com Ferreira Gullar. Estou do lado da independência e da honestidade intelectual.

O texto de Gullar é um alerta. O processo de mitificação do herói revolucionário, que em nome do povo humilde e marginalizado enfrentou a tirania das oligarquias, esta em curso. Prestemos atenção aos textos e aos gestos mistificadores. 

O poeta sugere, ao final do texto, e eu insisto: “Não resta dúvida, estamos em Macondo.”

Está mais do que na hora de revermos os enredos e as narrativas construídas sobre as “revoluções”. As narrativas histórias elaboradas de um ponto de vista liberal ou conservador - a história vista de cima, ou tradicional, como se diz - já foram desmontadas e dissecadas. Está na hora de questionarmos também a história escrita, pretensamente, de uma perspectiva popular, ou das classes populares. Os enredos das revoluções, do passado e do presente, seguem uma fórmula clássica, e gasta, que precisa ser interrogada. O elogio das revoluções, e dos seus líderes, foi flagrantemente eletivo. Muita sujeira foi jogada para baixo do tapete. Fez-se vista grossa para inacreditáveis atrocidades. A sugestão poderia ser uma nova versão da história a contrapelo, só que desta vez aplicada à historiografia de esquerda. Vamos escovar a história das revoluções a contrapelo para ver o que as narrativas apologéticas esconderam?

O roteiro das ditas revoluções em nome da liberdade e da igualdade é conhecido. Primeiro identifica-se um passado de opressão com o qual pretendem romper. Inscrevem este passado na ordem histórica da superação e o decretam, com sofisticadas elucubrações teóricas, como em fase terminal. Elegem nesta fase em vias de superação os tiranos e os inimigos do povo. Depois, acionando os princípios de liberdade e igualdade, esforçam-se para mobilizar o que chamam de “massas” para dar o golpe final na ordem moribunda. As "massas", depois de cumprirem seu papel “revolucionário”, são afastadas da cena (Ou contidas com benefícios do estado-pai). Cabe agora aos iluminados construir o novo regime. O passado deixado para traz recebe pejorativamente o nome de antigo regime (ou passado oligárquico). Tudo e todos os que são identificados com o passado passam a ser vistos como inimigos do povo e da revolução (Hoje o inimigo é a mídia, e a dita revolução, dizem, não será televisionada). Esta qualificação autoriza os mais insanos atos de violência e covardia (o “paredón” cubano ou os abusos do poder discricionário). O mais surpreendente: os tiranos encontram nos intelectuais uma disposição “científica” para declarar a legitimidade das suas ações. Não se trata de negar a importância das lutas sociais, nem de negar, no caso da América Latina, um passado de exploração e opressão. O que não se pode aceitar é a instrumentalização deste passado para a instauração de novas formas de autoritarismo e de exploração política do “povo”, em nome do “povo”. Alguém se lembra da advertência de Bakunin, lá na Primeira Internacional? 

“Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e por-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana.”

Embora pareça, Bakunin não tinha uma bola de cristal. Ele simplesmente desconfiava dos autoproclamados defensores e representantes desta abstração chamada “povo”. Ele nunca acreditou nas sanguessugas sociais que parasitam o corpo das ditas classes populares.

Mas afinal, o que é uma revolução? Aconteceu ou está acontecendo uma revolução na América do Sul? O texto abaixo oferece um bom ponto de partida para uma reflexão.

Trecho do texto que Ferreira Gullar publicou no dia 17 de março na Folha de São Paulo sobre a “revolução bolivariana”. Abaixo, o texto na íntegra.

“Chávez intitulou seu regime de "revolução bolivariana", embora não tivesse feito qualquer revolução. O que fez, na verdade, foi dar comida e casa aos mais necessitados, o que, ao contrário de levar à revolução, leva à aceitação do regime pelos que poderiam se revoltar. Daí a necessidade de haver um inimigo, que ameace tomar o que eles ganharam. E o líder -Chávez-- está ali para defendê-los.”


A REVOLUÇÃO QUE NÃO HOUVE.
Ferreira Gullar

Hugo Chávez foi, sem qualquer dúvida, um líder carismático que aliava, em sua atuação, a audácia e a esperteza política. Desde cedo, a ambição de poder determinou suas ações, que o levaram da conspiração nos quartéis às manobras populistas características de seu projeto de governo.
Sempre soube o que deveria fazer. Compreendeu, desde logo, que teria de atender às necessidades de grande parte da população que, ignorada pela oligarquia venezuelana, vivia na miséria.
Ganhar a confiança dessa gente, atendê-la em suas carências, era a providência eticamente correta e, ao mesmo tempo, o caminho certo para tornar-se um líder de imbatível popularidade. Mas, para isso, teria que enfrentar os poderosos e obter o respaldo das forças armadas, às quais, aliás, pertencia. Foi o que fez e ganhou a parada.
Outro traço característico de Hugo Chávez era o pouco respeito às normas democráticas. Se é verdade que ele chegou ao poder pelo voto e pelo voto nele se manteve, é certo também que se valeu do prestígio popular e de alguns erros dos opositores para controlar os diferentes poderes da nação venezuelana, impor sua vontade e consolidar o poder discricionário.
Nesse sentido, o que ocorreu na Venezuela é um exemplo de como o regime democrático, dependendo do nível econômico e cultural da população de um país, pode abrir caminho para um governo autoritário que, dependendo da vontade do líder, anulará a ação política dos adversários, como o fez Hugo Chávez.
Ele não só fechou emissoras de televisão como criou as Milícias Bolivarianas, que, a exemplo da conhecida juventude nazista, inviabilizava pela força as manifestações políticas dos adversários do governo.
Para culminar, fez mudarem a Constituição para tornar possível sua reeleição sem limites. Aliás, é uma característica dos regimes ditos revolucionários não admitir a alternância no poder. Está subentendido que sua presença no governo garante a justiça social com a simples exclusão da classe exploradora e, portanto, como são o povo no poder, não há por que sair dele.
Chávez intitulou seu regime de "revolução bolivariana", embora não tivesse feito qualquer revolução. O que fez, na verdade, foi dar comida e casa aos mais necessitados, o que, ao contrário de levar à revolução, leva à aceitação do regime pelos que poderiam se revoltar. Daí a necessidade de haver um inimigo, que ameace tomar o que eles ganharam. E o líder --Chávez-- está ali para defendê-los.
O azar dele foi o câncer que o acometeu e que ele tentou encobrir. Quando já não pôde mais, lançou mão da teoria conspiratória, segundo a qual seu câncer foi obra dos norte-americanos. Como isso ocorreu, nem Nicolás Maduro nem Evo Morales se atrevem a explicar.
De qualquer modo, tinha que se curar e foi tratar-se em Cuba, claro, para que ninguém soubesse da gravidade da doença, que o obrigaria a deixar o governo. Sucede que o câncer não cedeu à onipotência do líder, obrigando-o a ausentar-se da Venezuela e da chefia do governo, por meses seguidos. O povo venezuelano, naturalmente, desejava saber o que se passava com o seu presidente, mas nada lhe era dito.
No entanto, Chávez deveria disputar eleições em 2012 para manter-se no governo e, por isso, voltou à Venezuela dizendo-se curado. Foi reeleito, mas teve que voltar às pressas à UTI em Havana. Daí em diante, mais do que nunca, o sigilo foi total: está vivo? Está morto? Vai voltar? Não vai voltar? Pela primeira vez, alguém governou um país de dentro de uma UTI.
Chega a data em que teria que tomar posse, mas continuava em Cuba. Contra a Constituição, Nicolás Maduro, que ele nomeara seu vice-presidente, assume o governo, embora já não gozasse, de fato, da condição de vice-presidente, já que o mandato do próprio Chávez terminara.
Mas, na Venezuela de hoje, a lei e a lógica não valem. Por isso mesmo, o próprio Tribunal Supremo de Justiça --de maioria chavista, claro-- legitimou a fraude, e a farsa prosseguiu até a morte de Chávez; morte essa que ninguém sabe quando, de fato, ocorreu.
Durante o enterro, Nicolás Maduro anunciou que Chávez seria embalsamado e exposto para sempre à visitação pública, como Lênin e Mao Tse-tung. Um líder revolucionário de uma revolução que não houve. Não resta dúvida, estamos em Macondo.


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