“GUERRA MUNDIAL Z”: O
COLAPSO DO SISTEMA INTERNACIONAL E O ELOGIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.
Que
tipo de ameaça poderia provocar uma catástrofe global capaz de derrubar os alicerces
do sistema internacional e mergulhar o mundo no mais completo caos social? Sistema
internacional, conceito fundamental para compreender o funcionamento e a
dinâmica das relações internacionais, traduz um conjunto de relações e
interações entre os atores que o compõe – estados, organizações internacionais,
corporações, etc. - e supõe que as ações destes atores repercutem e definem os
contornos do ambiente em que atuam. Pressupõe, no meu entendimento, um arranjo histórico,
sempre provisório e dinâmico, diferentemente da abordagem tradicional, de
linhagem positivista, que supõe o sistema internacional como uma entidade plana
e a-histórica, que desde Vestefália, o mito de origem, manteria suas estruturas
intactas e imóveis. O arranjo é provisório, o que não quer dizer frágil ou
instável, e assume distintas formas históricas. As guerras, mesmo as mais
devastadoras, não foram capazes de abalar as bases deste arranjo. A
implosão do sistema internacional implicaria, hipoteticamente, na destruição dos
seus atores, sobretudo os estados. Haveria um fenômeno capaz de tamanha
façanha?
O
denominado cinema-catástrofe já explorou este tema e sugeriu, no plano da
ficção, diferentes formas possíveis de destruição do mundo. De meteoritos
desgarrados a mudanças climáticas extremas, de invasões extraterrestres a
epidemias devastadoras, o fim do mundo inspira a imaginação cinematográfica
desde a criação do cinema. O gênero cinema-catástrofe se consolidou como
estética do cinema americano na década de 1950, na aurora da guerra fria. Susan
Sontag, num ensaio inspirado chamado “A imaginação do desastre”, identificou a
emergência deste gênero nos filmes B, que exploravam o tema da destruição do
mundo pela ação de alienígenas, monstros, animais gigantescos, etc. “Guerra dos
Mundos”, dirigido por Byron Haskin em 1953, é um dos melhores exemplos desta
safra cinematográfica. Quase sempre, e “Guerra dos Mundos” não é uma exceção, o
caos apocalíptico que ameaça tomar o mundo de assalto é evitado por algum tipo
de redenção ou manobra astuta de algum(s) indivíduo(s), que também se redime. A
mensagem é sempre a mesma: cuidem do mundo que temos, cuidem das pessoas, um
dia o mundo que construímos pode desmoronar.
Guerra
Mundial Z, blockbuster inspirado no
romance homônimo de Max Brooks, é a mais recente investida cinematográfica na
poderosa e lucrativa indústria da catástrofe. O filme, dirigido por Marc
Forster, retoma o tema do apocalipse zumbi, de George Romero, e consagrado em
filmes como The Walking Dead e Resident Evil, e o explora em escala planetária.
Uma pandemia de zumbis, de origem desconhecida, se espalha velozmente pelo
mundo dizimando populações inteiras. A humanidade aterrorizada, atomizada e lutando
contra o que desconhece, trava uma “guerra mundial” pela própria sobrevivência.
Embora
as guerras sejam diferentes quanto às motivações e as técnicas empregadas para
dar combate ao inimigo, elas eram, até então, situações de beligerância entre
estados. Mesmo a “guerra ao terror”, declarada contra um inimigo opaco, sem
base territorial definida e que atua em rede no mundo, foi declarada por um
estado, e resultou na invasão territorial de um país. Nas piores guerras, o
mundo manteve-se de pé e o sistema internacional, mesmo abalado, conservou suas
estruturas e instituições. A “Guerra Mundial Z” traz um novo conceito de
guerra. Não é uma guerra convencional, entre estados, ou uma guerra entre
grupos humanos. Não é uma guerra econômica, estratégica ou uma disputa por
territórios. É uma guerra pela civilização, pela sobrevivência da humanidade. O
mundo como nós o conhecemos veio abaixo e os vivos lutam contra os mortos.
No
filme, o sistema internacional ruiu na velocidade do avanço da pandemia. No
plano interno, as instituições desabaram, as famílias foram dizimadas, os
governos sucumbiram, a polícia desapareceu. O caos tomou conta das cidades e as
pessoas correm desesperadas em busca de um refúgio. No plano externo, os estados,
as instituições e as organizações desapareceram e, com eles, as relações
internacionais. O que restou da ordem anterior sobrevive apenas nas intenções e
valores internalizados pelos indivíduos.
Em
meio ao caos e a falência do sistema internacional, algumas organizações – ONU
e OMS - e parte da Marinha dos Estados Unidos, conseguiram manter uma estrutura
mínima de funcionamento que permite mobilizar recursos (porta-aviões, aviões,
helicópteros, laboratórios e algum prestígio) para encontrar um meio de deter a
zumbificação do mundo. A ONU, ou o que
restou dela, organiza uma missão para localizar o lugar onde o surto supostamente
começou para tentar encontrar respostas. O ex-agente Gerry Lane (Brad Pitt),
especialista em trabalhos perigosos em regiões de conflito, é incumbido da
missão. Mesmo com o mundo desabando Gerry, que se apresenta como funcionário da
ONU, ainda consegue se valer do prestígio da instituição para realizar as
investigações. A autoridade das Nações Unidas é reconhecida em três momentos
chaves no filme. Logo na chegada a Corei do Norte, onde possivelmente tudo
teria começado, Gerry diz quem é e a que veio e, apesar da zombaria de alguns
militares, consegue o apoio que precisa para iniciar os trabalhos de
reconhecimento das vítimas. Mais tarde, ao sair às pressas de Israel num voo
com outro destino, consegue mudar a trajetória do avião ao colocar o piloto em
contato com o vice-presidente da ONU, Thierry
Umotoni (Fana Mokoena). Por fim, ao chegar à Escócia, em busca de um
laboratório da OMS (Organização Mundial da Saúde, agência especializada em
saúde e subordinada às Nações Unidas), obtém a colaboração da equipe de
cientistas para testar uma hipótese.
A
trama toda gira em torno da odisseia de Gerry em busca de respostas. Da Filadélfia,
onde vive com a família, o herói voa para a Coréia do Norte, para Israel e
Escócia, sob a bandeira das Nações Unidas. A odisseia global do herói da ONU,
que luta contra o tempo, alimenta duas expectativas: encontrar a cura para a
praga zumbi e o reencontro com a família. Hollywoodianamente, o filme não frustra
as expectativas.
Em
“Guerra Mundial Z” a defesa da humanidade contra o apocalipse e a barbárie não
está nas mãos dos militares, nem no poder das armas. Embora a Marinha dos Estados Unidos ofereça
toda a logística para a missão da ONU, a esperança do mundo está nas organizações
internacionais que, neste momento em que os estados desmoronaram e as forças
armadas perderam a articulação e a capacidade de mobilizar recursos de poder,
assumem o papel de atores principais. ONU e OMS, no filme, aparecem como pontos de
luz na tenebrosa noite que se abate sobre o mundo. São signos de estabilidade
no mundo que desmorona. As organizações, representadas pelas personagens
principias, assumem o protagonismo. Às forças armadas é reservado um papel
secundário, de apoio à ação do ator central.
Do
ponto de vista das Relações Internacionais, o filme, que parece fazer uma
aposta nas organizações internacionais e na cooperação para resolver
catástrofes mundiais, poderia ser lido como um elogio à ação das organizações e
da sua capacidade de articulação de interesses em prol de uma causa global. O
apocalipse zumbi, neste caso, é uma metáfora sobre o valor das organizações
internacionais, e o triunfo da cooperação, para evitar o colapso do sistema
internacional. O funcionário da ONU, valendo-se de toda experiência adquirida
em regiões de conflito, e de uma peculiar capacidade de observação, descobriu
um tipo de camuflagem, inoculando o vírus de uma doença, para passar
despercebido pelos zumbis. A descoberta resultou numa possibilidade de vacina.
Sintetizada a vacina, a ONU encarregou-se da missão de distribuí-la mundo afora.
O mundo foi salvo de ser devorado num banquete global de zumbis (poderosa
metáfora) e pode sonhar com um recomeço graças aos esforços das Nações Unidas e
a ação extraordinária do herói não-estatal (piada interna).
A Metáfora Zumbi à Serviço da ONU?
A
metáfora zumbi, que já foi empregada para denunciar o consumismo, a violência
racial e a concentração de poder das grandes corporações internacionais, desta
vez foi acionada para fazer um elogio rasgado à ONU e o panegírico do herói
solitário que corre o mundo em busca de uma resposta/cura para a pandemia de
zumbis. Brad Pitt, na pele de um ex-funcionário das Nações Unidas, apoiado pelo
vice-presidente da organização e pelo que restou da marinha americana, combinam
esforços para salvar o mundo do apocalipse. As organizações internacionais são
a gota de esperança da humanidade.
É
difícil assistir ao filme e não associá-lo as escolhas políticas e a militância
internacional em causas humanitárias de Brad Pitt junto as Nações Unidas nos
últimos anos. Brad Pitt, um dos produtores do filme, é também, ao lado de sua
mulher (Angelina Jolie é Embaixadora da Boa Vontade), um ativista internacional
ligado a ONU. Juntos, visitam campos de refugiados em vários países e atuam em diversas
missões humanitárias ao redor do mundo.
“Guerra Mundial Z” traduziria
cinematograficamente as opções políticas recentes do ator Brad Pitt?
A Estética Zumbi
Higienizada.
“Guerra
Mundial Z” esta longe de ser, ou de vir a ser, um filme clássico de zumbis, mas
trouxe algumas novidades para dar novo fôlego ao gênero. É um filme de zumbi
turbinado, acelerado. Cinematograficamente, Marc Forster abusa das tomadas
aéreas a dos grandes planos, para demonstrar a dimensão colossal da catástrofe.
E funciona muito bem. Os planos gigantes se alternam com uma montagem vertiginosa,
com cortes rápidos e precisos, fechados, que imprimem velocidade ao filme. A câmera rápida e ágil nos leva junto na correria
e no ritmo frenético da narrativa. A excelente sequência inicial é de prender a
respiração e se segurar na cadeira. Os zumbis de Marc
Forster, diferentemente dos mortos lentos e cambaleantes, correm
alucinadamente e realizam acrobacias coletivas extraordinárias, como escalar um
gigantesco muro em Jerusalém.
Esqueçam
as sequências de mortos-vivos esfomeados devorando restos humanos. Esqueçam as
cenas sanguinolentas e o terror explícito. Em “Guerra Mundial Z” o gore e o splatter não tem vez. O terror característico, as mordidas
dilacerantes e as cenas fortes dos filmes do (sub)gênero foram suprimidas. Fica
tudo subentendido no extracampo. O motivo: aliviar na mordida e no excesso de
sangue para atrair os menos afeitos ao terror e atingir faixas etárias mais
susceptíveis a cenas chocantes? O resultado é um filme clean, esteticamente asséptico e higienizado, que investe num
terror bem comportado – um thriller de suspense na verdade - e suaviza nas mordidas.
Mesmo assim, os zumbis de Forster são assustadores, especialmente quando
filmados de perto, como nas sequências no laboratório da OMS.
Muito bom, tive que assistir uma segunda vez o filme com esses novos conceitos apontados pelo professor, incrível como o papel das relações internacionais tem forte atividade neste filme chegando a transformar o "Herói não-estatal" no salvador do mundo.
ResponderExcluir