A BONECA BARBIE COMO FORMA DE ALIENAÇÃO
BOLIVARIANA.
O “socialismo do século XXI”, expressão
cunhada por Heinz Dieterich em 1996 e que contou com a
entusiasmada adesão de Hugo Chávez em 2005, é um fenômeno curioso por si só. Embora tente se desvencilhar dos erros
e dos fracassos das experiências socialistas do século XX (Boaventura de Souza
Santos), parece incorrigivelmente associado a experiências autoritárias (E não
basta culpar a “direita golpista” latino-americana pelos malogros do chavismo e
assemelhados. Jogar sempre a culpa nos inimigos é nunca se responsabilizar
pelos fracassos). O encontro dos ideais do socialismo com o chavismo, e outras
aventuras autoritárias latino-americanas recentes, deu novo fôlego histórico às
esquerdas, derrubando a equivocada tese de Fukuyama, mas trouxe outros impasses.
Sob o comando de Nicolás Maduro o socialismo bolivariano, que já apresentava
sinais de decrepitude, tornou-se uma grosseira caricatura de si próprio. Além
de mergulhar a Venezuela no caos social, de militarizar a sociedade e ser o
principal promotor do culto à Chávez, Maduro agora decidiu que sabe o segredo
da felicidade dos venezuelanos e a institui autoritariamente à base de medidas
esdrúxulas e desesperadas. Em outubro de 2013, num gesto que parecia ter saído
das páginas de “1984”, criou o Ministério da Suprema Felicidade. Na semana
passada, Maduro lançou o plano “Natal Feliz” (Plan
Navidades Felices), uma versão bolivariana da celebração cristã. “Em novembro e dezembro vamos garantir um Natal feliz a
todo o nosso povo”, anunciou Maduro na noite de sábado, 1º de novembro, num
discurso ao vivo na televisão. A ideia é evitar que os especuladores e
atravessadores arruínem as festas natalinas dos venezuelanos. O carro chefe do
natal socialista, que por vontade do presidente começa agora em novembro, é a
boneca Barbie vendida a um preço acessível aos mais humildes (250 bolívares,
algo em torno de 2,50 dólares). Para garantir que as lojas respeitem os preços
estabelecidos, e “que o povo não seja roubado ou
vítima de contrabando”, o governo colocou nas ruas 27, 550 fiscais. Parece
que funcionou. A corrida às lojas e a fúria consumista esgotaram os estoques em
poucos minutos.
Beneficiária do plano de
Maduro, María González, venezuelana pobre que vive nas montanhas da Caracas,
pode comprar duas bonecas vestidas com o uniforme de ginásio para as netas. As
meninas amam as bonecas, mas María nunca pode comprar (http://peru21.pe/mundo/venezuela-nicolas-maduro-decreta-que-barbie-se-vendan-us25-2203782_). O objetivo do plano, segundo a ministra do comércio, Isabel Delgado, é “criar um comércio justo, amável e estruturado,
com a presença de pequenos produtores”, como alternativa ao “natal capitalista”
que se resume, na visão do governo, em lucros e gastos desnecessários. É isso.
No natal socialista de Maduro não pode faltar a Barbie, importada dos Estados
Unidos.
Além do grosseiro populismo, a medida
contraria a visão do santo protetor do regime em relação à boneca. Em 2007
Chávez declarou: a Barbie é "de uma estupidez que me causa asco". A
boneca e o seu parceiro, Ken, eram produtos do imperialismo que entorpeciam as
crianças e “representam a última degeneração”. “As meninas, disse Chávez, se frustram
caso não sejam como a Barbie”. No lugar dos brinquedos ianques, sugeriu que as
crianças brincassem com “brinquedos endógenos”. Outros ícones da cultura
estadunidense como os super-heróis, chamados de “heróis do império”, foram
igualmente demonizados por Chávez.
O decreto de Maduro derruba as teses
anti-imperialistas de Chávez e reabilita a idolatrada boneca ianque. De símbolo
do consumismo, Barbie torna-se aliada de primeira linha do governo bolivariano.
É o fetiche da mercadoria usado a favor
do “socialismo”. O que mais está faltando no “socialismo” de Maduro? Uma dieta revolucionária à base de bacon, hambúrguer e coca-cola?
Será que Maduro esta sugerindo que a
felicidade está no consumo? Ou que a felicidade no socialismo é ter acesso a um
brinquedo capitalista?
Uma sugestão. Numa tentativa de harmonizar as críticas de
Chávez à boneca Barbie com o desespero de Maduro por popularidade, o Ministério
da Felicidade, aliado à propaganda chavista, poderia inventar uma Barbie
bolivariana. Teria o rosto e as roupas de Manuela Sáenz, revolucionária das lutas de
independência e amante de Simón Bolívar, ou poderia vestir o uniforme militar das
milícias chavistas femininas. Ken poderia ganhar uma boina vermelha e um fuzil.
Numa versão mais bolivariana poderia vir com os traços e o porte aristocrático de
Bolívar. Maduro poderia justificar as alterações nas feições dos bonecos com a
tese dos “brinquedos endógenos” de Chávez. Porém, em se tratando de Barbie, provavelmente
as crianças rejeitariam a versão bolivariana. Suspeito que só as figuras leais
ao presidente, e os bolivarianos convictos, dariam os brinquedos de presente
aos filhos.
O “socialismo do século XXI” é uma coleção de arbitrariedades,
bravatas e medidas de mau gosto. A inclusão social e as políticas voltadas para
as populações mais carentes, historicamente esquecidas, adotadas pelos governos
de tendência bolivariana (Evo, Chávez/Maduro, Corrêa e Cristina, em menor grau),
que poderiam resultar em ganhos importantes, ficam encobertas e se perdem em
meio aos desvios autoritários e as soluções farsescas.
Se o socialismo do século XX ficou marcado pelo totalitarismo
e pela brutal violência, o do século XXI está se distinguindo pelos seus
aspectos anedóticos e folclóricos.
Merry Christmas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário