Pin it

terça-feira, 18 de novembro de 2014

A BONECA BARBIE COMO FORMA DE ALIENAÇÃO BOLIVARIANA.

A BONECA BARBIE COMO FORMA DE ALIENAÇÃO BOLIVARIANA.




O “socialismo do século XXI”, expressão cunhada por Heinz Dieterich em 1996 e que contou com a entusiasmada adesão de Hugo Chávez em 2005, é um fenômeno curioso por si só. Embora tente se desvencilhar dos erros e dos fracassos das experiências socialistas do século XX (Boaventura de Souza Santos), parece incorrigivelmente associado a experiências autoritárias (E não basta culpar a “direita golpista” latino-americana pelos malogros do chavismo e assemelhados. Jogar sempre a culpa nos inimigos é nunca se responsabilizar pelos fracassos). O encontro dos ideais do socialismo com o chavismo, e outras aventuras autoritárias latino-americanas recentes, deu novo fôlego histórico às esquerdas, derrubando a equivocada tese de Fukuyama, mas trouxe outros impasses. Sob o comando de Nicolás Maduro o socialismo bolivariano, que já apresentava sinais de decrepitude, tornou-se uma grosseira caricatura de si próprio. Além de mergulhar a Venezuela no caos social, de militarizar a sociedade e ser o principal promotor do culto à Chávez, Maduro agora decidiu que sabe o segredo da felicidade dos venezuelanos e a institui autoritariamente à base de medidas esdrúxulas e desesperadas. Em outubro de 2013, num gesto que parecia ter saído das páginas de “1984”, criou o Ministério da Suprema Felicidade. Na semana passada, Maduro lançou o plano “Natal Feliz” (Plan Navidades Felices), uma versão bolivariana da celebração cristã. “Em novembro e dezembro vamos garantir um Natal feliz a todo o nosso povo”, anunciou Maduro na noite de sábado, 1º de novembro, num discurso ao vivo na televisão. A ideia é evitar que os especuladores e atravessadores arruínem as festas natalinas dos venezuelanos. O carro chefe do natal socialista, que por vontade do presidente começa agora em novembro, é a boneca Barbie vendida a um preço acessível aos mais humildes (250 bolívares, algo em torno de 2,50 dólares). Para garantir que as lojas respeitem os preços estabelecidos, e “que o povo não seja roubado ou vítima de contrabando”, o governo colocou nas ruas 27, 550 fiscais. Parece que funcionou. A corrida às lojas e a fúria consumista esgotaram os estoques em poucos minutos.

Beneficiária do plano de Maduro, María González, venezuelana pobre que vive nas montanhas da Caracas, pode comprar duas bonecas vestidas com o uniforme de ginásio para as netas. As meninas amam as bonecas, mas María nunca pode comprar (http://peru21.pe/mundo/venezuela-nicolas-maduro-decreta-que-barbie-se-vendan-us25-2203782_). O objetivo do plano, segundo a ministra do comércio, Isabel Delgado, é “criar um comércio justo, amável e estruturado, com a presença de pequenos produtores”, como alternativa ao “natal capitalista” que se resume, na visão do governo, em lucros e gastos desnecessários. É isso. No natal socialista de Maduro não pode faltar a Barbie, importada dos Estados Unidos.

Além do grosseiro populismo, a medida contraria a visão do santo protetor do regime em relação à boneca. Em 2007 Chávez declarou: a Barbie é "de uma estupidez que me causa asco". A boneca e o seu parceiro, Ken, eram produtos do imperialismo que entorpeciam as crianças e “representam a última degeneração”. “As meninas, disse Chávez, se frustram caso não sejam como a Barbie”. No lugar dos brinquedos ianques, sugeriu que as crianças brincassem com “brinquedos endógenos”. Outros ícones da cultura estadunidense como os super-heróis, chamados de “heróis do império”, foram igualmente demonizados por Chávez.

O decreto de Maduro derruba as teses anti-imperialistas de Chávez e reabilita a idolatrada boneca ianque. De símbolo do consumismo, Barbie torna-se aliada de primeira linha do governo bolivariano.  É o fetiche da mercadoria usado a favor do “socialismo”. O que mais está faltando no “socialismo” de Maduro? Uma dieta revolucionária à base de bacon, hambúrguer e coca-cola?

Será que Maduro esta sugerindo que a felicidade está no consumo? Ou que a felicidade no socialismo é ter acesso a um brinquedo capitalista?

Uma sugestão. Numa tentativa de harmonizar as críticas de Chávez à boneca Barbie com o desespero de Maduro por popularidade, o Ministério da Felicidade, aliado à propaganda chavista, poderia inventar uma Barbie bolivariana. Teria o rosto e as roupas de Manuela Sáenz, revolucionária das lutas de independência e amante de Simón Bolívar, ou poderia vestir o uniforme militar das milícias chavistas femininas. Ken poderia ganhar uma boina vermelha e um fuzil. Numa versão mais bolivariana poderia vir com os traços e o porte aristocrático de Bolívar. Maduro poderia justificar as alterações nas feições dos bonecos com a tese dos “brinquedos endógenos” de Chávez. Porém, em se tratando de Barbie, provavelmente as crianças rejeitariam a versão bolivariana. Suspeito que só as figuras leais ao presidente, e os bolivarianos convictos, dariam os brinquedos de presente aos filhos.

O “socialismo do século XXI” é uma coleção de arbitrariedades, bravatas e medidas de mau gosto. A inclusão social e as políticas voltadas para as populações mais carentes, historicamente esquecidas, adotadas pelos governos de tendência bolivariana (Evo, Chávez/Maduro, Corrêa e Cristina, em menor grau), que poderiam resultar em ganhos importantes, ficam encobertas e se perdem em meio aos desvios autoritários e as soluções farsescas.

Se o socialismo do século XX ficou marcado pelo totalitarismo e pela brutal violência, o do século XXI está se distinguindo pelos seus aspectos anedóticos e folclóricos.


Merry Christmas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário