CENAS DE UMA
BARBEARIA: A INDIGNAÇÃO DO CIDADÃO DE BEM E O PROFESOR QUE QUER CAÇAR
MINISTROS DO STF
Post do 7 de
setembro NÃO bolsonarista.
Fui cortar o cabelo ontem, 6 de
setembro, na Barbearia do bairro onde moro e me envolvi sem querer numa
discussão com um “cidadão de bem” sobre a prisão do professor Marcinho, de Otacílio
Costa. O assunto era futebol de várzea. O barbeiro é goleiro e nos contava
sobre os piores campos de futebol da grande Florianópolis. Do nada, um cliente
atropelou a conversa e começou a falar, sem ninguém perguntar, sobre a prisão
do professor, dizendo que o que o STF estava fazendo era palhaçada, era uma
ditadura. “Não pode prender alguém só porque deu a sua opinião”, disse
indignado. Mexendo nervoso no celular e
falando alto, o sujeito tomou conta da conversa. Falava sozinho, sem parar,
repetindo a ladainha conspiratória bolsonarista como um papagaio treinado. Eu
estava quieto, só ouvindo. Mas o sujeito me olhou, afirmou de novo que “estamos
vivendo uma ditadura do STF e do careca sem vergonha”, e me perguntou: “Tu não acha?”
E eu respondi: “Não, não acho”. Ele tirou os olhos do celular, me olhou com ar
de desconfiança e retrucou de forma intimidadora: “Então tu concorda com a
prisão de alguém por manifestar apenas a opinião?”
O barbeiro me olhou de canto de
olho, apreensivo. Nos conhecemos há mais de vinte anos. Pisquei o olho para
ele, como quem diz, fica tranquilo.
“Não, meu amigo”, respondi, “não
concordo com a prisão de alguém por dizer o que pensa. Acredito na liberdade de
expressão e de pensamento. É um princípio fundamental de uma democracia. Mas
não acho que tenha sido este o caso do professor. As prisões que o Alexandre de
Moraes está autorizando são corretas e baseadas na Constituição. Ele não está
prendendo pessoas apenas por manifestar a opinião. O Roberto Jeferson, o
Wellington
Macedo e o Zé Trovão, por exemplo, foram presos por ameaçar ministros, ameaçar
invadir Instituições e estimular atos de violência. E isso nunca foi, em lugar
nenhum, opinião. Estes homens foram presos porque cometeram crimes”.
O “cidadão de bem” parecia não entender bem o que eu estava
dizendo. Mas voltou meio agressivo ao assunto: “E o professor aqui de Santa
Catarina, o que ele fez de mais? Ele só deu a opinião dele”.
Eu ainda não estava sabendo o que exatamente o tal professor
Marcinho tinha dito, sabia da prisão, mas não conhecia o conteúdo das
declarações. Perguntei se ele sabia o que o professor havia dito. E ele
disse que o homem apenas deu a sua opinião. Eu insisti: “Você leu ou ouviu o
que ele disse?” O homem respondeu que não, mas no WhatsApp dizia que ele apenas
deu a opinião.
“Olha”, disse para ele, “é
difícil alguém ser preso apenas por dar a opinião. Procure se informar sobre o
que de fato este professor disse”. Não quis estender a conversa. Já tinha
falado demais. O ambiente ficou pesado. O homem estava com cara de poucos
amigos. Afinal, eu estava contestando a fonte da verdade do bolsonarismo: o
WhatsApp. Dei boa tarde para o “cidadão de bem” e para quem estava por ali, um
tapinha no ombro do barbeiro, e fui embora.
Na caminhada de volta para casa,
com céu nublado, fiquei pensando sobre o que tinha acontecido. O cidadão
recebeu uma mensagem num grupo de WhatsApp que acusava o STF de ter autorizado
mais uma prisão arbitrária, cerceando a liberdade de expressão dos apoiadores
do presidente. Não informaram o que o professor Marcinho disse. Omitiram esta
informação e transformaram o professor em mais uma vítima do odioso STF. Os
ativistas bolsonaristas e os blogueiros à soldo agem assim. Espalham notícias
falsas e interpretações fraudulentas dos acontecimentos para confundir e criar
narrativas paralelas em favor do presidente. As informações, filtradas e acompanhadas
de slogans bolsonaristas, acabam chegando à população, que não costuma
verificar a informação, como o sujeito da barbearia. A manipulação das notícias, a meu ver, é uma
operação consciente, portanto, criminosa.
Um dos efeitos mais danosos desta
orquestração de mentiras é a confusão entre liberdade de opinião e atacar com mentiras
e agressões. Liberdade de opinião é o direito que todos nós temos, numa
democracia, de dizer o que pensa, independente das opiniões dos outros, de
manifestar-se, inclusive sobre e contra o STF. Eu mesmo sou crítico, em algumas
circunstâncias, de algumas ações e manifestação de ministros do Supremo. Fiz
críticas ao Dias Toffoli, em 2018, quando ele se referiu ao golpe de 64 como um
movimento. Fiz críticas duras, manifestei minha opinião, mas não xinguei, não
ofendi e não ameacei caçar o ministro ou invadir o STF. E esta é a diferença
entre crime e opinião. Os atos criminosos cometidos pelos bolsonaristas presos
estão previstos na Constituição e, nestes casos, o STF tem agido corretamente,
nos limites da Lei.
Quando cheguei em casa fui
procurar a notícia sobre o professor Marcinho e soube que a prisão foi por
conta de uma
live no Tik Tok. Assisti a live para saber do que se tratava e verifiquei
que em nenhum momento o professor manifestou alguma opinião. Ao longo de 3
minutos e 16 segundos, num português sofrível, o professor faz ameaças
gravíssimas aos ministros do STF. Ameaças e mais ameaças. Nenhuma opinião.
Nenhuma crítica às ações do Supremo.
O que
Marcinho disse exatamente? Transcrevo, mantendo a sintaxe peculiar do
professor:
“Nós temos um grupamento no Brasil que nós vamos caçar
ministros pelo Brasil em qualquer lugar que eles estejam. Fiquei sabendo que
acabou, acabou a partir das arbitrariedades de hoje a tarde. Nós estávamos
esperando ainda que os caras tentassem reconsiderar. Não vou falar agora quem
é, porque podem me torturar, mas tem um empresário grande aí que tá oferecendo ...tem
até uma grana federal que vai sair o valor pela cabeça do Alexandre de Moraes.
Vivo ou morto... pra quem trazer ele. Então, o Brasil demorou mas aconteceu.
Agora no Brasil, o ministro do supremo vai ser assim. Eles vão. Vai ter prêmio
pela cabeça deles, tá certo. Não é questão de esquerda e de direita. Tá. Não é
contra o Lula, não é contra ninguém. É contra a soberania brasileira voltar a
ser o que era. Entendeu? Porque esquerda que acha ruim. Tem gente de esquerda
que acha ruim, mas eles esquecem os narcotraficantes que eles liberaram tá lá
vendendo droga na porta da escola para o próprio filho, de esquerda, de
direita, independente de quem for. Tá certo?
É por isso que o corrupto nós vamos começar a caçar. Cada um já tem um
grupamento, nós vamos caçar cada um em seu estado. Desde vereador a prefeito, o
pau vai cantar parelho. Não vai ter mais molezinha. Eu, por exemplo, já ontem,
acreditem se quiser, aqui na minha cidade, não vou falar onde que é, o cara foi
na delegacia, eu cheguei atrás dele junto. Ele chegou na delegacia para fazer
um BO, contra mim, eu já cheguei junto atrás. Falei pro delegado: o senhor quem
sabe. Pode me prender, mostrei as mãos. E falei para o delegado, me prendes que
esse vereador aqui em vou rachar ele no pau. Vai registrar o boletim? Pode registrar.
Delegado, tá me ameaçando de morte. Falei: não estou te ameaçando de morte,
estou te prometendo. Vou te quebrar todinho, vou deixar todos esses ossos do
teu corpo quebrados. Então você não faz isso. Já temos o nome de todos. A
maioria dos políticos nós já temos uma ficha, um dossiê guardado. De quem tem,
cara que tem até multa de trânsito, pedofilia, tem vários processos tramitando
nos tribunais”.
Marcinho
é um justiceiro, moralista, que acredita estar numa cruzada cívica pelo Brasil.
E é também um valentão, que promete quebrar ossos, caçar ministros e obrigar os
políticos a andar na linha.
Desafio o
leitor a encontrar a expressão de alguma opinião nesta live, para que a
prisão possa ser caracterizada como arbitrária. Professor Marcinho cometeu
crimes graves: ameaças de morte, formação de grupos para caçar (com ç)
ministros e incentivo explícito à violência. Se isso não é motivo para prisão,
o que seria?
Os argumentos
do professor são precários, indefensáveis, e soam mais como bravatas. Não creio
que existam estes grupos de justiceiros e caçadores de ministros. Parece
valentia de rede social, de covardes ignorantes que se sentem poderosos e
protegidos por trás dos seus smartphones. (Depois de presos se mostram frágeis,
adoecem e pedem perdão). Mas se manifestações como esta não sofrerem algum tipo
de advertência e punição, estas pessoas podem entender que suas ações e
declarações são legítimas e que ameaçar de morte quem pensa diferente e se opõe
ao presidente é uma forma aceitável de expressão política. Ultrapassada esta
fronteira, passar das bravatas às ações de fato é um pulo.
Alexandre
de Moraes agiu corretamente ao mandar prender o professor. Se o professor sabe
de um empresário que paga uma fortuna pela cabeça do ministro, e sabe que
existem grupos treinados para caçá-los, e fala sobre isso com absoluta
naturalidade, tem que ser preso para investigação. Que ele diga, na delegacia,
quem são estes grupos. Que revele o que sabe sobre a “grana federal” pela
cabeça do Alexandre de Moares. Se for apenas bravata, que ele se explique e
seja punido, pelo menos por sugerir e estimular que ministros devam ser caçados
e mortos.
Professor
Marcinho diz que não quer revelar nomes porque pode ser torturado. De onde ele
tirou isso? Torturado por quem? Se percebe nesta fala a mente confusa e a
formação precária do professor. A tortura foi um método brutal para extrair
informações de presos políticos no tempo da ditadura, que os bolsonaristas, em
geral, admiram. Torturador foi o coronel Brilhante Ustra, considerado um herói
nacional pela família Bolsonaro. Marcinho sabe disso? Isso não o incomoda?
A live
é uma manifestação da barbárie que o bolsonarismo representa para a política e
para a democracia. Só o fanatismo político, combinado com desinformação
crônica, pode levar um professor a sugerir numa live, exibida numa rede
social popular como o Tik Tok, que ministros da justiça sejam caçados e tenham a
cabeça a prêmio.
Vamos
resistir à barbárie. O bolsonarismo quer confundir ameaças e mentiras
criminosas com liberdade de pensamento. A medida provisória que o presidente
assinou ontem, às vésperas do 7 de setembro golpista, para evitar a remoção de
conteúdo das redes sociais, é um passe livre para as mentiras descaradas e as
ameaças de morte serem tratadas como liberdade de expressão.
Fotografia adulterada
e compartilhada milhares de vezes por bolsonaristas nas redes sociais,
associando Alexandre de Moraes ao PCC.