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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

“INVASION OF THE BODY SNATCHERS”: UMA METÁFORA DO ANTICOMUNISMO, O SIMPLES PRAZER ESTÉTICO DO DESASTRE OU NEM UMA COISA NEM OUTRA?

“INVASION OF THE BODY SNATCHERS”: UMA METÁFORA DO ANTICOMUNISMO, O SIMPLES PRAZER ESTÉTICO DO DESASTRE OU NEM UMA COISA NEM OUTRA?

“O mistério do mundo está no visível, não no invisível”.
(Oscar Wilde).

“(...) ocorrer em todos os níveis do filme, como na sua relação com a sociedade. Seus  pontos de ajustamento, os das concordâncias e discordâncias com a ideologia, ajudam a descobrir o latente por trás do aparente, o não-visível através do visível”.
(Marc Ferro).

“People are pods. Many of my associates are certainly pods. They have no feelings. They exist, breathe, sleep.”
(Don Sieguel).

Escrevendo sobre “Guerra Mundial Z” (GMZ) me perguntava sobre os limites da interpretação. Explico-me. Interpretar um filme é, em parte, acrescentar algo nosso, estabelecer relações e conexões que nem sempre estavam nas preocupações do diretor, do roteirista, dos produtores, etc. Uma xícara sobre uma mesa, num filme de Kieslowski, poder ser simplesmente uma xícara sobre uma mesa. Querer ver na xícara algo que ela definitivamente não representa é adentrar nos domínios da hiperinterpretação. É, como diz o ditado, querer “achar pelo em ovo”. Sendo mais claro. Ao ler “GMZ” como uma alegoria política que exalta o papel global das organizações internacionais eu não estaria querendo ver no filme algo que não está lá? Será que GMZ não é apenas entretenimento ou a inteligente exploração comercial da “imaginação do desastre”? A resposta não é tão simples. Mas diria, antes de qualquer coisa, que um filme depois de lançado se desgarra dos seus realizadores, se emancipa, ganha o mundo e fica sujeito a diversas interpretações. Até aí tudo bem. Os filmes estão aí para serem vistos, lidos, interpretados. A interpretação é livre e inúmeros são os ângulos de observação. GMZ poderia ser lido por um historiador, por um internacionalista ou por um psicólogo, e teríamos abordagens distintas e plausíveis. Mas às vezes as interpretações vão longe demais, projetam-se conceitos e debates políticos tão estranhos que transformam o filme naquilo que ele não é.

Revi nesta semana o clássico sci-fi  de 1956 “Invasion of the body Snatchers”, de Don Sieguel, que chegou ao Brasil como “Vampiros de Almas”. Estavam lá a fotografia impecável de Ellsworth Fredericks e a montagem vertiginosa, que dita o ritmo da paranoia que aos poucos vai tomando conta da pequena cidade de Santa Mira, na Califórnia. Alienígenas que nascem em vagens (pods) invadem silenciosamente a cidade e se apossam dos corpos dos moradores enquanto dormem. Aos poucos vão substituindo os seres humanos por cópias fieis, mas destituídas de sentimentos e emoções. Dr. Miles Bennell, um médico que retorna à cidade depois de alguns meses fora, é surpreendido por uma onda de casos semelhantes. Diversos moradores relatam que seus parentes não são mais os mesmos, estão estranhos, frios e distantes. Um clima de histeria vai tomando conta dos moradores e a cidadezinha, antes acolhedora, familiar e segura, torna-se um lugar estranho e assustador. Dr. Miles, lutando contra o sono alienante e a desumanização, corre para alertar o mundo da invasão: "eles estão invadindo, estão chegando, e vocês serão os próximos!"

O horror, em “Invasion”, está no familiar que se tornou assustador. Nada de monstros horrendos e bolhas gosmentas que se arrastam pelas ruas. Como bem observou Kim Newman, “o filme vê o horror num tio cortando a relva, numa banca de vegetais abandonada à beira da estrada, num bar quase vazio, numa mãe a pôr uma planta no parque do bebê, ou numa multidão reunida às 7:45 de uma manhã de sábado”. O horror está em não saber quem é a pessoa que vive do teu lado. É perturbador! A desconfiança é generalizada. O sono tornou-se ameaçador, pois desarma e vulnerabiliza os seres humanos. O pior dos pesadelos é não poder dormir (“Nigthmare on Elmstreet” retomou, em grande estilo, o tema do medo de dormir).


Um filme como esse, num momento conturbado como foi a década de 1950, daria margem para especulações e inúmeras interpretações que tentariam relacioná-lo às questões políticas e sociais da época. As vagens alienígenas foram vistas por alguns críticos como grave ameaça a “sociedade patriarcal hegemônica do homem branco”. As lutas étnicas, feministas e os movimentos sociais, representados pelos alienígenas, que, de uma maneira geral reivindicavam direitos iguais, ameaçavam o domínio da América branca e masculina. Para outros os pods, como critica da política nuclear dos Estados Unidos, representariam o medo dos efeitos da radiação, geradora de doenças e deformações físicas. A onda de filmes com temas catastróficos nos anos 50 foi relacionada à corrida atômica e a exploração do medo. A ficção científica expressaria nestes filmes o medo inconsciente da catástrofe atômica. Mas a interpretação mais recorrente é a que sustenta que “Invasion” é um filme anticomunista. De acordo com esta linha de interpretação, o filme faz, por meio de uma alegoria extraterrestre, uma apologia do macarthismo. A invasão alienígena subverteria a ordem e submeteria a América a uma forma de vida coletiva, estranha ao modo de vida americano representado pela pacata Santa Mirna. Os alienígenas se apossam dos corpos das pessoas e as transformam em criaturas sem emoção, embora mantenham a mesma aparência. Os seres humanos duplicados perdem a individualidade, adquirem uma nova consciência e organizam-se coletivamente. As vagens representariam as sementes da revolução que, plantadas numa pequena cidade americana, rapidamente se espalhariam pelo mundo. O comunismo, a ideia alienígena, chegaria assim, sorrateira e silenciosamente, dominaria o mundo, alienaria os indivíduos e os organizaria numa sociedade puramente racional, livre do sentimentalismo, das paixões e do irracionalismo, onde todos seriam iguais e não existiriam conflitos e problemas. O filme expressaria a visão que parte da sociedade norte americana tinha do comunismo: uma coletividade inimiga da individualidade, sem vontade própria, desprovida de sentimentos, mecânica, totalitária e sem alma. Os alienígenas comunistas, como corpos invasores, disfarçados de cidadãos comuns, poderiam ser qualquer pessoa, um pai, um irmão, um tio, um colega de trabalho, um vizinho.  Agentes de uma invasão alienígena, as duplicatas humanas conspiravam contra os valores americanos.


“Invasion” tornou-se um clássico não apenas pelo virtuosismo cinematográfico, mas por ser uma suposta metáfora do anticomunismo. Tonou-se símbolo de uma época.

A sugestão do filme, seguindo esta interpretação, estaria nas entrelinhas da trama: a sociedade norte-americana deveria se manter acordada e vigilante diante da ameaça silenciosa que a rondava. O sono, como metáfora da fragilidade, representaria o descuido e o relaxamento diante de um inimigo tenaz e persistente. Era preciso desconfiar de todos e manter a América alerta.


A interpretação é envolvente, sedutora e bastante plausível. Mas “Invasion” é isso mesmo? É um filme macarthista?

Num texto inspirado chamado “A imaginação do desastre”, de 1965, sobre os temas da ficção científica do pós Segunda Guerra, Susan Sontag argumentou que o cinema-catástrofe constituía uma estética que, por sua vez, repousava no gosto do público e no prazer da contemplação do desastre. As implicações políticas ficariam mais por conta das interpretações dos críticos do que das intenções dos cineastas. Não pretendo dizer que não existam relações entre os filmes apocalípticos dos anos 50 com a corrida atômica e o anticomunismo. Apenas chamo a atenção, com Sontag, que a “imaginação do desastre” é muito anterior à década de 1950, sobreviveu à guerra fria e hoje é um dos mais bem sucedidos e apreciados gêneros cinematográficos. Existe uma linhagem cinematográfica a qual o filme se filia que não pode ser negligenciada. A “imaginação do desastre” se mantém justamente porque adapta o gosto do público por tragédias apocalípticas aos medos de cada época. Mas daí a afirmar que “Invasion” é um filme macarthista vai uma grande diferença. O que o diretor do filme teria a dizer sobre isso? O filme de Don Sieguel é baseado no livro de Jack Finney, “The Body Snatchers”. Finney surpreendeu-se com as interpretações do seu livro, considerando-as exageradas. Disse que escreveu uma história de terror e ficção científica para divertir os leitores. A adaptação para o cinema não foi fiel ao livro. No livro, o Dr. Miles consegue derrotar os invasores incendiando a estufa onde as vagens se encontram e salva Santa Mira, e o mundo, da ameaça alienígena. No filme o final é bem diferente. A percepção ligeiramente descrente de Sieguel sobre a humanidade e o olhar crítico do roteirista Daniel Mainwaring sobre o momento político do país parece que foram decisivos para a adaptação do livro para as telas.


Numa entrevista, Sieguel disse que ele e a equipe com a qual trabalhou no filme consideravam que a maioria das pessoas leva uma vida vegetativa: “But let me repeat that all of us who worked on the film believed in what I said — that the majority of people in the world unfortunately are pods, existing without any intellectual aspirations and incapable of love.” E arrematou: “People are pods. Many of my associates are certainly pods. They have no feelings. They exist, breathe, sleep.” Creio que as declarações de Sieguel apontam para uma possibilidade de leitura mais filosófica e menos histórico-sociológica do filme, uma leitura que transcende o contexto imediato mas que não necessariamente o ignora.

Don Sieguel negou qualquer relação do filme com as questões relacionadas ao macarthismo. Se a intenção do diretor ao adaptar o livro de Finney não era fazer um filme anticomunista, o que autorizaria então essa interpretação? Acredito que ao analisar um filme devemos levar em conta as intenções dos seus realizadores. Desconsiderá-las é o caminho mais curto para o determinismo sociológico.

Não custa lembrar que “Invasion” também foi interpretado como um filme antimacarthista. Os alienígenas foram vistos como uma ameaça interna, uma metáfora das mudanças que colocavam em risco as liberdades constitucionais. O conservadorismo macarthista perseguia o indivíduo, e as liberdades individuais, e poderia gerar uma sociedade vegetativa (composta de pods), despersonalizada e acéfala. Dr. Miles, neste caso, simbolizaria a luta contra a uniformização e a defesa das liberdades individuais.

Tirando por um instante o foco do contexto social e político, para evitar determinismos, e examinando o filme pelo ângulo da estética, seguindo os comentários de Steven Sanders (The Philosophy of Science Fiction Film), veremos que “Invasion” é uma narrativa de ficção científica construída a partir dos elementos visuais e dramáticos dos filmes noir da época. É, por isso, um filme que vai além das questões políticas que marcaram a década de 1950. Segundo Sanders: “Its flashback structure with voice-over narration, unusually angled shots, scenes of claustrophobic darkness, crisply rendered dialogue, and sense of sinister purpose and impending doom are characteristics of films of the classic film noir cycle (1941–58).” Os elementos estéticos nos oferecem ângulos de observação que pontam para os modos de significação de um filme, que não o reduz a uma relação estreita com o ambiente social que o cerca.  

Chovendo no molhado, diria que examinar um filme como “Invasion” apenas pelo ângulo histórico e sociológico é tão empobrecedor quanto lê-lo exclusivamente pela perspectiva da estética noir ou do desastre. “Invasion” é um filme de ficção científica, concebido a partir dos cânones estéticos do filme noir. Não levar isso em conta é perder de vista os modos de significação de um filme. Mas como deixar de considerar o contexto no qual os elementos estéticos e narrativos do filme foram articulados? A historicidade de um filme está no diálogo que ele mantém com o seu presente de produção. Os filmes carregam as marcas de sua época e, em certa medida, vão além das intenções dos autores. Ok. Mas se levarmos a sério as declarações de Don Sieguel, “Invasion” não pode ser visto nem como um filme macarthista nem com a simples exploração estética do desastre. A invasão dos pods parece ser uma metáfora da vida vegetativa e sem emoções, da ausência de sentimentos, da frieza e do automatismo de todos os dias. Sieguel questiona a existência humana insubstancial, vivida no piloto automático. O contexto político, a histeria, as perseguições e delações, podem ter aguçado e radicalizado esta percepção. Parece-me, pelas declarações de Sieguel, que é esta a relação do filme com o macarthismo. Ponto. Ver no filme uma apologia do anticomunismo já é cair nos domínios da hiperinterpretação (é querer “achar pelo em ovo”). Mas, considerando que um filme muitas vezes vai além das intenções dos autores, será que Don Sieguel, sem querer, fez um filme anticomunista? Não creio.



O filme teve três remakes. Philip Kaufman refilmou em grande estilo em 1978. Em 1993 foi a vez de Abel Ferrara e em 2007 Oliver Hirschbiegel dirigiu a terceira versão. São bons filmes, especialmente o de Kaufman, mas nenhum deles chegou perto do clássico de 1956. O filme de Don Sieguel continua imbatível!

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

“CHÁVEZ NUESTRO QUE ESTÁS EN EL CIELO...”

“CHÁVEZ NUESTRO QUE ESTÁS EN EL CIELO...”




No encerramento da “I Oficina de Projeto de Sistema de Formação de Partido Socialista”, organizado pelo PSUV, foi lida uma oração em homenagem à Hugo Chávez. A oração, feita pela delegada do partido María Estrella Uribe, é uma versão chavista do Pai Nosso. A delegada pede a intervenção do santo para livrá-los das tentações do capitalismo e das maldades das oligarquias.

A adoração de Chávez como santo começou logo depois de sua morte. Hoje existe um culto à sua figura estabelecido na Venezuela e a exploração partidária da piedade popular.



Maduro, que não perde oportunidade para glorificar o santo de sua devoção, disse que Chávez é a única resposta: “Quando nos perguntamos que valores devemos formar e quando nos perguntamos onde devemos formar esses valores, há apenas uma resposta: devemos nos formar nos valores de Chávez, no combate diário na rua, criando, construindo revolução, fazendo revolução”.

Quando as respostas não são encontradas na terra, pede-se ajuda aos céus. Chávez tomou o lugar de deus no céu, e Maduro, seu intérprete privilegiado, junto com o PSUV, o partido-igreja da religião chavista, iluminam a marcha da “revolução” na terra.





Imagem de Chávez ao lado da imagem de Jesus.






Oração completa:

“Chávez nuestro que estás en el cielo, en la tierra, en el mar y en nosotros, los y las delegadas
Santificado sea tu nombre
Venga a nosotros tu legado para llevarlo a los pueblos de aquí y de allá 
Danos tu luz para que nos guíe cada día
No nos dejes caer en la tentación del capitalismo
Mas líbranos de la maldad y de la oligarquía ("como del delito del contrabando")
Porque de nosotros y nosotros es la patria, la paz y la vida
Por los siglos de los siglos, amén
¡Viva Chávez!”

Link para assistir a leitura da oração:
http://www.infobae.com/2014/09/01/1591784-chavez-nuestro-que-estas-los-cielos-la-nueva-plegaria-del-psuv

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A FILHA DO DITADOR VOTOU NÃO: MARIELA CASTRO QUEBROU A UNANIMIDADE HISTÓRICA DA ASSEMBLEIA CUBANA (SÓ QUE NÃO).

A FILHA DO DITADOR VOTOU NÃO: MARIELA CASTRO QUEBROU A UNANIMIDADE HISTÓRICA DA ASSEMBLEIA CUBANA (SÓ QUE NÃO).



A notícia de que pela primeira vez em 40 anos um deputado discordou de uma lei em Cuba chegou ao Brasil com seis meses de atraso. O caso ocorreu em dezembro passado. A deputada Mariela Castro, filha de Raúl Castro, sobrinha de Fidel, e diretora do CENESEX, o Centro Nacional de Educação Sexual, posicionou-se contra a novo código trabalhista que proibia a discriminação no trabalho com base em gênero, etnia e orientação sexual.  A deputada considerou que a lei não evitava a discriminação contra pessoas com HIV e com identidades de gênero não convencionais. "Eu não poderia votar a favor, sem a certeza de que os direitos trabalhistas das pessoas com identidade de gênero diferente seria explicitamente reconhecido", disse Mariela numa entrevista no blog de Francisco Rodriguez, ativista gay e pró-regime. A intervenção da deputada foi, do meu ponto de vista, corretíssima. Apoiado! Mas cá entre nós, o tema apreciado pela Assembleia estava longe de ser um daqueles “calcanhares de Aquiles” políticos do regime. E todos sabem em Cuba que a deputada CASTRO é a maestra que comanda o show quando o assunto é gênero, orientação sexual e temas a fins. Ousadia política de verdade seria um deputado de fora do clã se levantar e questionar a posição da sobrinha do comandante.

A Assembleia Nacional cubana, composta por 612 deputados, reúne-se duas vezes por ano para aprovar leis. Nas últimas décadas as votações foram sempre unânimes (Daqui a pouco aparece alguém dizendo que a unanimidade é sinal de que o povo cubano, através da Assembleia Nacional, manifesta apoio incondicional ao regime). Mariela Castro, a filha do homem que herdou o comando da ilha por linhagem familiar, foi a primeira a quebrar a unanimidade histórica. A notícia correu o mundo e a atitude da deputada foi, por muitos, considerada revolucionária. Será? Se o voto contrário tivesse partido de um deputado qualquer, sem laços sanguíneos com o comando do regime, eu concordaria que alguma coisa está acontecendo por lá. Mas Mariela? Ela é a voz oficial do regime na área da sexualidade. Viaja com regularidade aos Estados Unidos e ninguém a acusa de simpatizar com os ianques. Declarou numa entrevista que votaria em Obama, elogiou o posicionamento do presidente americano a favor do casamento gay, e nenhum órgão oficial a censurou. A deputada CASTRO goza de privilégios, organiza passeatas oficias pelas ruas de Havana em defesa da causa LGTB e não é perturbada pela vigilância política. Sua atuação e militância conferem uma falsa ideia de participação e liberdade de expressão (O regime agradece). No entanto, a deputada, que luta pelo direito dos gays, não se manifesta em relação à discriminação política e a posição oficial de Cuba no plano internacional sobre orientação sexual. Em 2013 a delegação cubana nas Nações Unidas votou junto com outras 77 delegações que consideram a homossexualidade um “delito” em suas legislações, sendo que em cinco delas o “crime” é punido com pena de morte. A posição de Cuba da ONU contraria a decisão do partido comunista de 2012 que, num congresso extraordinário, concordou em acabar com qualquer tipo e discriminação na ilha. A CENESEX silenciou diante da postura oficial de Cuba. Nenhuma nota, nenhum pronunciamento do Centro, nem de sua presidente.

O não de Mariela na Assembleia Nacional soa quase como um capricho da filha do ditador. Ao invés de celebrar o primeiro voto de desacordo, prefiro lembrar os silêncios e as omissões da deputada CASTRO. Acredito que a “luta” de Mariela contra a discriminação sexual é importante, mas não podemos esquecer que ela fala de dentro do regime, da varanda da mansão dos Castro.

Observadas todas as ressalvas, Mariela Castro lembra Marina Silva: fala do “novo”, anuncia a “nova política”, e anda de braços com o que de mais velho e viciado existe na política nacional.  

Na foto, lá em cima, Mariela desfila a causa contra a homofobia pelas ruas de Havana. Ao fundo, a imagem do herói nacional que foi, em vida, um dos mais agressivos perseguidores dos gays no processo de construção do socialismo em Cuba.




segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A UNIÃO DO SOCIALISMO COM O SETOR FINANCEIRO NA CHAPA MESSIÂNICA DE MARINA SILVA.

A UNIÃO DO SOCIALISMO COM O SETOR FINANCEIRO NA CHAPA MESSIÂNICA DE MARINA SILVA.


Não deveríamos nos surpreender com arranjos e alianças políticas insólitas no Brasil. Depois que o Amin se aliou ao Lula em Santa Catarina, o PT se juntou a Maluf em São Paulo e os Bornhausen, pai e filho, se filiaram ao Partido Socialista Brasileiro, o que mais poderia nos causar espanto? A fusão do socialismo com o setor bancário para eleger uma candidata eco-evangélica? Pois então!

Não deveríamos nos surpreender, mas como não estranhar a composição política inaudita e os enormes contrastes entre as figuras que comandam a candidatura de Marina Silva?

Duas mulheres divergentes estão por trás da singular candidatura. De um lado, Luiza Erundina, o lado socialista do PSB, comandando a campanha de Marina desde quinta feira (21), de outro, a bilionária Maria Alice Setubal, sócia herdeira do Itaú. Que carisma é este o da Marina, capaz de promover a união da socialista com a bilionária? Erundina, em entrevista em 2013, disse que Marina deseduca politicamente a sociedade. Na entrevista, afirmou que o boato de que ela migraria para a Rede era falso, pois sua opção era pelo socialismo e a Rede apontava para outra direção. Agora Erundina é a coordenadora da campanha. Maria Alice é a fada madrinha, que capta recursos para a Rede Sustentabilidade e, das entranhas do setor financeiro, fala, por Marina, na autonomia do Banco Central. Como equacionar, num eventual governo, incompatibilidades tão acentuadas? Isso sem falar na difícil conciliação da vertente socialista do PSB com a visão liberal de Eduardo Giannetti e o ideal político dos “sonháticos” da Rede. Marina, que nega a política e os partidos (não lembra Collor e Jânio?), fundou a Rede. Mas parece que na rede de Marina, caiu, é peixe. Banqueiras, socialistas, evangélicos, ecologistas e peixes de outras águas (águas oligárquicas catarinenses) se acotovelam na Rede de Marina. Antes de se constituir como alternativa aos partidos e à política (o senso comum de Marina Silva), o significado mais profundo da Rede é exatamente este. Tubarões do sistema financeiro, peixes graúdos da velha política, peixes pequenos desgarrados dos cardumes históricos da esquerda, oportunistas em geral, a Rede abriga a todos.

Marilena Chauí fez malabarismos teóricos para justificar a aproximação do PT com Maluf em São Paulo para a eleição de Haddad (Erundina recusou ser vice de Haddad por não aceitar a aliança com Maluf). Marina Silva tem na sua base de apoio alguém com a estatura teórica de Chauí para encontrar uma boa explicação para reunir o socialismo convicto de Erundina com a veia financeira de Maria Alice em defesa de sua candidatura? Talvez a carismática Marina, do alto do seu senso comum, diga que o casamento “providencial” entre o socialismo e o setor bancário signifique que todos, em comunhão, devem estar juntos pelo Brasil.

Os correligionários da Rede chamam Marina de “a missionária”. Será que a missão da presidenciável é justamente harmonizar misticamente os ideais do socialismo com a economia de mercado, costurada pela sustentabilidade, como via para a utopia pós-partidária?

E quem não acredita na “providência divina”? A realpolitik mais cedo ou mais tarde vai cobrar a conta.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

“GUERRA MUNDIAL Z”: O COLAPSO DO SISTEMA INTERNACIONAL E O ELOGIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.

“GUERRA MUNDIAL Z”: O COLAPSO DO SISTEMA INTERNACIONAL E O ELOGIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.


Que tipo de ameaça poderia provocar uma catástrofe global capaz de derrubar os alicerces do sistema internacional e mergulhar o mundo no mais completo caos social? Sistema internacional, conceito fundamental para compreender o funcionamento e a dinâmica das relações internacionais, traduz um conjunto de relações e interações entre os atores que o compõe – estados, organizações internacionais, corporações, etc. - e supõe que as ações destes atores repercutem e definem os contornos do ambiente em que atuam. Pressupõe, no meu entendimento, um arranjo histórico, sempre provisório e dinâmico, diferentemente da abordagem tradicional, de linhagem positivista, que supõe o sistema internacional como uma entidade plana e a-histórica, que desde Vestefália, o mito de origem, manteria suas estruturas intactas e imóveis. O arranjo é provisório, o que não quer dizer frágil ou instável, e assume distintas formas históricas. As guerras, mesmo as mais devastadoras, não foram capazes de abalar as bases deste arranjo. A implosão do sistema internacional implicaria, hipoteticamente, na destruição dos seus atores, sobretudo os estados. Haveria um fenômeno capaz de tamanha façanha?

O denominado cinema-catástrofe já explorou este tema e sugeriu, no plano da ficção, diferentes formas possíveis de destruição do mundo. De meteoritos desgarrados a mudanças climáticas extremas, de invasões extraterrestres a epidemias devastadoras, o fim do mundo inspira a imaginação cinematográfica desde a criação do cinema. O gênero cinema-catástrofe se consolidou como estética do cinema americano na década de 1950, na aurora da guerra fria. Susan Sontag, num ensaio inspirado chamado “A imaginação do desastre”, identificou a emergência deste gênero nos filmes B, que exploravam o tema da destruição do mundo pela ação de alienígenas, monstros, animais gigantescos, etc. “Guerra dos Mundos”, dirigido por Byron Haskin em 1953, é um dos melhores exemplos desta safra cinematográfica. Quase sempre, e “Guerra dos Mundos” não é uma exceção, o caos apocalíptico que ameaça tomar o mundo de assalto é evitado por algum tipo de redenção ou manobra astuta de algum(s) indivíduo(s), que também se redime. A mensagem é sempre a mesma: cuidem do mundo que temos, cuidem das pessoas, um dia o mundo que construímos pode desmoronar.

 Guerra Mundial Z, blockbuster inspirado no romance homônimo de Max Brooks, é a mais recente investida cinematográfica na poderosa e lucrativa indústria da catástrofe. O filme, dirigido por Marc Forster, retoma o tema do apocalipse zumbi, de George Romero, e consagrado em filmes como The Walking Dead e Resident Evil, e o explora em escala planetária. Uma pandemia de zumbis, de origem desconhecida, se espalha velozmente pelo mundo dizimando populações inteiras. A humanidade aterrorizada, atomizada e lutando contra o que desconhece, trava uma “guerra mundial” pela própria sobrevivência.

Embora as guerras sejam diferentes quanto às motivações e as técnicas empregadas para dar combate ao inimigo, elas eram, até então, situações de beligerância entre estados. Mesmo a “guerra ao terror”, declarada contra um inimigo opaco, sem base territorial definida e que atua em rede no mundo, foi declarada por um estado, e resultou na invasão territorial de um país. Nas piores guerras, o mundo manteve-se de pé e o sistema internacional, mesmo abalado, conservou suas estruturas e instituições. A “Guerra Mundial Z” traz um novo conceito de guerra. Não é uma guerra convencional, entre estados, ou uma guerra entre grupos humanos. Não é uma guerra econômica, estratégica ou uma disputa por territórios. É uma guerra pela civilização, pela sobrevivência da humanidade. O mundo como nós o conhecemos veio abaixo e os vivos lutam contra os mortos.

No filme, o sistema internacional ruiu na velocidade do avanço da pandemia. No plano interno, as instituições desabaram, as famílias foram dizimadas, os governos sucumbiram, a polícia desapareceu. O caos tomou conta das cidades e as pessoas correm desesperadas em busca de um refúgio. No plano externo, os estados, as instituições e as organizações desapareceram e, com eles, as relações internacionais. O que restou da ordem anterior sobrevive apenas nas intenções e valores internalizados pelos indivíduos.

Em meio ao caos e a falência do sistema internacional, algumas organizações – ONU e OMS - e parte da Marinha dos Estados Unidos, conseguiram manter uma estrutura mínima de funcionamento que permite mobilizar recursos (porta-aviões, aviões, helicópteros, laboratórios e algum prestígio) para encontrar um meio de deter a zumbificação do mundo.  A ONU, ou o que restou dela, organiza uma missão para localizar o lugar onde o surto supostamente começou para tentar encontrar respostas. O ex-agente Gerry Lane (Brad Pitt), especialista em trabalhos perigosos em regiões de conflito, é incumbido da missão. Mesmo com o mundo desabando Gerry, que se apresenta como funcionário da ONU, ainda consegue se valer do prestígio da instituição para realizar as investigações. A autoridade das Nações Unidas é reconhecida em três momentos chaves no filme. Logo na chegada a Corei do Norte, onde possivelmente tudo teria começado, Gerry diz quem é e a que veio e, apesar da zombaria de alguns militares, consegue o apoio que precisa para iniciar os trabalhos de reconhecimento das vítimas. Mais tarde, ao sair às pressas de Israel num voo com outro destino, consegue mudar a trajetória do avião ao colocar o piloto em contato com o vice-presidente da ONU, Thierry Umotoni (Fana Mokoena). Por fim, ao chegar à Escócia, em busca de um laboratório da OMS (Organização Mundial da Saúde, agência especializada em saúde e subordinada às Nações Unidas), obtém a colaboração da equipe de cientistas para testar uma hipótese.

A trama toda gira em torno da odisseia de Gerry em busca de respostas. Da Filadélfia, onde vive com a família, o herói voa para a Coréia do Norte, para Israel e Escócia, sob a bandeira das Nações Unidas. A odisseia global do herói da ONU, que luta contra o tempo, alimenta duas expectativas: encontrar a cura para a praga zumbi e o reencontro com a família. Hollywoodianamente, o filme não frustra as expectativas.


Em “Guerra Mundial Z” a defesa da humanidade contra o apocalipse e a barbárie não está nas mãos dos militares, nem no poder das armas.  Embora a Marinha dos Estados Unidos ofereça toda a logística para a missão da ONU, a esperança do mundo está nas organizações internacionais que, neste momento em que os estados desmoronaram e as forças armadas perderam a articulação e a capacidade de mobilizar recursos de poder, assumem o papel de atores principais.  ONU e OMS, no filme, aparecem como pontos de luz na tenebrosa noite que se abate sobre o mundo. São signos de estabilidade no mundo que desmorona. As organizações, representadas pelas personagens principias, assumem o protagonismo. Às forças armadas é reservado um papel secundário, de apoio à ação do ator central.

Do ponto de vista das Relações Internacionais, o filme, que parece fazer uma aposta nas organizações internacionais e na cooperação para resolver catástrofes mundiais, poderia ser lido como um elogio à ação das organizações e da sua capacidade de articulação de interesses em prol de uma causa global. O apocalipse zumbi, neste caso, é uma metáfora sobre o valor das organizações internacionais, e o triunfo da cooperação, para evitar o colapso do sistema internacional. O funcionário da ONU, valendo-se de toda experiência adquirida em regiões de conflito, e de uma peculiar capacidade de observação, descobriu um tipo de camuflagem, inoculando o vírus de uma doença, para passar despercebido pelos zumbis. A descoberta resultou numa possibilidade de vacina. Sintetizada a vacina, a ONU encarregou-se da missão de distribuí-la mundo afora. O mundo foi salvo de ser devorado num banquete global de zumbis (poderosa metáfora) e pode sonhar com um recomeço graças aos esforços das Nações Unidas e a ação extraordinária do herói não-estatal (piada interna).


A Metáfora Zumbi à Serviço da ONU?

A metáfora zumbi, que já foi empregada para denunciar o consumismo, a violência racial e a concentração de poder das grandes corporações internacionais, desta vez foi acionada para fazer um elogio rasgado à ONU e o panegírico do herói solitário que corre o mundo em busca de uma resposta/cura para a pandemia de zumbis. Brad Pitt, na pele de um ex-funcionário das Nações Unidas, apoiado pelo vice-presidente da organização e pelo que restou da marinha americana, combinam esforços para salvar o mundo do apocalipse. As organizações internacionais são a gota de esperança da humanidade.

É difícil assistir ao filme e não associá-lo as escolhas políticas e a militância internacional em causas humanitárias de Brad Pitt junto as Nações Unidas nos últimos anos. Brad Pitt, um dos produtores do filme, é também, ao lado de sua mulher (Angelina Jolie é Embaixadora da Boa Vontade), um ativista internacional ligado a ONU. Juntos, visitam campos de refugiados em vários países e atuam em diversas missões humanitárias ao redor do mundo.
 “Guerra Mundial Z” traduziria cinematograficamente as opções políticas recentes do ator Brad Pitt?


A Estética Zumbi Higienizada.

“Guerra Mundial Z” esta longe de ser, ou de vir a ser, um filme clássico de zumbis, mas trouxe algumas novidades para dar novo fôlego ao gênero. É um filme de zumbi turbinado, acelerado. Cinematograficamente, Marc Forster abusa das tomadas aéreas a dos grandes planos, para demonstrar a dimensão colossal da catástrofe. E funciona muito bem. Os planos gigantes se alternam com uma montagem vertiginosa, com cortes rápidos e precisos, fechados, que imprimem velocidade ao filme.  A câmera rápida e ágil nos leva junto na correria e no ritmo frenético da narrativa. A excelente sequência inicial é de prender a respiração e se segurar na cadeira. Os zumbis de Marc Forster, diferentemente dos mortos lentos e cambaleantes, correm alucinadamente e realizam acrobacias coletivas extraordinárias, como escalar um gigantesco muro em Jerusalém.


Esqueçam as sequências de mortos-vivos esfomeados devorando restos humanos. Esqueçam as cenas sanguinolentas e o terror explícito. Em “Guerra Mundial Z” o gore e o splatter não tem vez. O terror característico, as mordidas dilacerantes e as cenas fortes dos filmes do (sub)gênero foram suprimidas. Fica tudo subentendido no extracampo. O motivo: aliviar na mordida e no excesso de sangue para atrair os menos afeitos ao terror e atingir faixas etárias mais susceptíveis a cenas chocantes? O resultado é um filme clean, esteticamente asséptico e higienizado, que investe num terror bem comportado – um thriller de suspense na verdade - e suaviza nas mordidas. Mesmo assim, os zumbis de Forster são assustadores, especialmente quando filmados de perto, como nas sequências no laboratório da OMS.






sexta-feira, 1 de agosto de 2014

MIKHAIL BAKUNIN É PROCURADO PELA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO.

MIKHAIL BAKUNIN É PROCURADO PELA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO.


Algumas figuras, mesmo mortas, continuam a perturbar a harmonia comtiana da ordem e a sagrada paz social.  

138 anos depois de sua morte, o anarquista russo Mikhail Bakunin é indiciado pela polícia civil do Rio de Janeiro por suspeita de atividades criminosas durante a Copa do Mundo. Bakunin foi citado numa conversa telefônica por um manifestante, interceptada pela polícia, e imediatamente passou a figurar como “potencial suspeito” no inquérito que responsabiliza 23 ativistas por atos violentos (Folha de São Paulo: 18/07/2014). A polícia espera prendê-lo nas próximas horas.

Bakunin passa a compor agora a seleta e curiosa lista de “filósofos” fichados depois de mortos pela polícia brasileira. Nos tempos da ditadura o temido Departamento de Ordem Política e Social (Dops) tinha entre os fichados, acreditem!, o filósofo Sócrates e Karl Marx. A brutalidade dos órgãos repressores da ditadura só rivalizava mesmo com a ignorância que também os distinguia. O Departamento chefiado pelo famigerado Fleury perseguia obstinadamente os grupos de esquerda, mas era incapaz de reconhecer os autores que inspiravam a luta do “inimigo”. Combatiam nas trevas da ignorância (uso invertido da expressão de Jacob Gorender). Parece que a polícia carioca sofre do mesmo problema. O Dops foi extinto em 1983, mas as práticas de repressão, espionagem, infiltração nos movimentos sociais, o monitoramento de suspeitos e a prisão das lideranças ficaram como tristes legados para a cultura policial brasileira. Continuamos a tratar as questões sociais, mesmo sob a batuta de um governo de esquerda, como casos de polícia.

A polícia civil do Rio de Janeiro não herdou apenas o antigo prédio do Dops. Atuando à moda Dops, repressora e comicamente despreparada, escancara continuidades obscuras que atentam contra a democracia e revelam a impressionante desinformação, ou má formação, dos agentes. Os policiais são obrigados a conhecer Bakunin? Claro que não. Mas se a polícia esta investigando grupos que se declaram anarquistas, não caberia a Coordenadoria de Informação e Inteligência Policial (CINPOL), oferecer aos investigadores informações sobre o movimento e a cultura geral que informa os manifestantes? Não quero com isso sugerir que a polícia deva se especializar na repressão aos movimentos sociais, às manifestações políticas e na caça aos ativistas. Estou questionando a capacidade da polícia de lidar com manifestações de caráter político.

Não custa informar à desavisada polícia carioca que Bakunin, perseguido pelas polícias saxônica, prussiana, russa e austríaca, foi preso em 1849 pela destacada participação nos levantes de Leipzig e Dresden em 1848. Ficou atrás das grades treze meses antes de ser condenado à prisão perpétua. Depois de alguns anos foi enviado para a Rússia, que reclamava sua deportação. Não custa também lembrar à polícia civil que Bakunin escreveu na prisão uma espirituosa “confissão”, e enviou ao imperador. Dizia assim: “Você quer a minha confissão; mas você precisa saber que um criminoso penitente não é obrigado a implicar ou revelar as ações de outrem. Guardo apenas a honra e a consciência de que jamais traí quem quer que tivesse confiado em mim, e é por esse motivo que não lhe entregarei nenhum nome.” Se a intenção da polícia é prender Bakunin para ele revelar os nomes das pessoas que financiaram ou estimularam os protestos, é bom ler com atenção a “confissão”.

Em 1857 o Czar decidiu banir Bakunin e mandá-lo para os distantes campos de trabalho forçado da Sibéria. Não por muito tempo. Bakunin fugiu da prisão e se lançou numa viagem de contornos épicos, embalada por genuíno espírito revolucionário, pelo Japão, Estados Unidos, até chegar a Londres, onde retomou as lutas. Daí até a sua morte, em 1876, dedicou-se as causas libertárias na Itália, Inglaterra, França e Suíça, e ainda teve disposição, apesar do cansaço e da pobreza que o rondava, para enfrentar os marxistas na Primeira Internacional (Bakunin foi expulso da AIT em 1872, no Congresso de Haia, pelos marxistas). Quatro anos mais tarde, ano de sua morte, a AIT foi dissolvida.



Depois de perseguido em vida pelas polícias europeias, de passar anos duríssimos na prisão, nos campos de trabalho forçado na Sibéria e de ser expulso da AIT pelas manobras autoritárias dos marxistas, Bakunin é agora perseguido pela polícia carioca e citado em conversas de ativistas mimados (e autoritários). A memória do anarquista russo não merecia tamanhos maus-tratos.

Depois dessa, o que mais podemos esperar? A contratação de um médium para interrogar o anarquista no céu? O médium, quem sabe, faria um contato com o espírito de Fleury que, na sua melhor especialidade, torturaria a alma de Bakunin até ela confessar que esteve nas manifestações contra a Copa do Mundo.  De Fleury e da polícia eu não duvido nada. A dificuldade seria encontrar a alma do anarquista. Adianta explicar para a polícia que Bakunin era ateu?

Sugestão para a polícia carioca: criar o Departamento de Investigação de Assuntos do Além, comandado por agentes mediúnicos e auxiliado por tecnologias ectoplasmáticas. Seria mais uma, entre tantas fantasmagorias, que povoam o universo policial brasileiro.


sexta-feira, 18 de julho de 2014

NOLLYWOOD CONTRA-ATACA: A Invasão Extraterrestre do Mundo Não Vai Começar Nos Estados Unidos.

NOLLYWOOD CONTRA-ATACA: A Invasão Extraterrestre do Mundo Não Vai Começar Nos Estados Unidos.



“Renascimento africano”, expressão cunhada pelo historiador e antropólogo senegalês Cheikh Anta Diop e popularizada nos últimos anos por Thabo Mbeki, é um conceito que nos ajuda a compreender o caminho do desenvolvimento tecnológico, científico e econômico que algumas nações africanas vêm trilhando nas duas últimas décadas. A noção de “renascimento” indica a superação das enormes dificuldades que se apresentam ao continente e a busca de alternativas próprias, para além dos modelos ocidentais, fundadas na riqueza étnica e na valorização das culturas locais. Se prestarmos atenção ao cinema produzido na Nigéria e em Gana, os dois polos mais expressivos do cinema africano atual, a ideia de um “renascimento” cultural baseado na cultura local salta aos olhos. O cinema nigeriano, o caso mais bem sucedido, é visto hoje como o setor mais dinâmico da economia e um dos pilares do desenvolvimento nacional. Emprega milhares de nigerianos, gera lucros excepcionais e alcança o mercado dos países vizinhos.

País mais populoso da África, a Nigéria é para nós um continente ainda desconhecido. O que sabemos sobre a Nigéria e os nigerianos para além do que nos dizem as pautas seletivas dos sites e noticiários internacionais? Ou mais especificamente, o que sabemos sobre a produção cinematográfica nigeriana, uma das maiores do mundo? Quase nada. Excetuando os raros ciclos de filmes africanos organizados no Brasil, os filmes nigerianos estão fora do alcance, e do gosto (?), do mercado de consumo de cinema dos brasileiros e da maioria dos “cinéfilos”.

A Nigéria é um dos trinta países mais pobres do mundo e um dos mais intolerantes em relação à religião e a sexualidade. É a contraface obscura do “renascimento”. Desde a redemocratização em 1999 o país vive as voltas com a intolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos. Os massacres se sucedem com inacreditável brutalidade, com cenas de espancamentos, chacinas, decapitações e cristãos queimados dentro das igrejas. Quase sempre as justificativas apontam para supostas blasfêmias contra o corão e o profeta Maomé. A perseguição aos gays também tem marcado o país e projetado uma imagem internacional assustadora. O amor entre pessoas do mesmo sexo é ilegal no país desde os tempos da colonização inglesa, mas no começo deste ano uma nova lei, aprovada pelo presidente Goodluck Jonathan, e apoiada pela maioria da população, piorou o que já estava ruim. A lei proíbe uniões civis do mesmo sexo e determina quatorze anos de prisão para quem casar ou viver em união de fato. A lei também atinge quem estiver ligado a clubes ou associações homossexuais. Nestes casos prevê-se dez anos de cadeia. Recentemente o país tornou-se o centro da atenção mundial por conta do sequestro de mais de duzentas meninas de uma escola em Chibok, pelo grupo extremista islâmico Boko Haram.


Mas a Nigéria não é só isso. A pobreza e a intolerância são humanamente devastadoras, mas não podem ser definidoras exclusivas da identidade internacional do país.  Um fenômeno desconhecido por nós brasileiros, e pelo ocidente de um modo geral, tem chamado cada vez mais atenção para a Nigéria. A produção cinematográfica é a segunda maior do mundo, ficando atrás apenas de Bollywood, na Índia. Hollywood ficou recentemente com o terceiro lugar. Um relatório da UNESCO de 2009 já apontava que a indústria de cinema da Nigéria ultrapassara Hollywood. Nos últimos anos o polo cinematográfico nigeriano cresceu vertiginosamente. Em 2006, Nollywood, como é chamado o conjunto da produção cinematográfica, superou a poderosa indústria norte-americana. Enquanto Hollywood rodou 485 filmes, Nollywood rodou 872. Bollywood produziu 1.091 filmes. (Uma matéria na Le Monde Diplomatique, de 2009, apontava que a produção de filmes na Nigéria era a maior do mundo, alcançando uma produção de até 1500 filmes por ano). Vale lembrar que em Gana a produção de filmes também atingiu um patamar formidável, e já vem sendo, há alguns anos, chamada de Gollywood.

A trajetória do cinema nigeriano recente é dividida em três momentos:
- de 1992 a 1998, período que pode ser identificado como a gênese, é denominado “The Beggining” ou “Classiscs VHS”;
- de 1999 a 2007 temos o “Boom”;
- o período que vai de 2008 até hoje é chamado de “Nollywood Now” ou “New Nollywood”. 

De acordo com o mito de origem de Nollywood, tudo começou em 1992 com as primeiras cópias caseiras realizadas em formato VHS. Um sujeito chamado Kenneth Nnebue tinha um grande estoque de fitas VHS em branco, vindas de Taiwan, para vender. Para alavancar as vendas, decidiu gravar alguma coisa nas fitas para torna-las mais atraentes. O filme escolhido foi "Living in Bondage", um clássico do cinema nigeriano, de 1992, sobre um homem que mata ritualisticamente a mulher por dinheiro, mas passa a ser assombrado pelo espírito da falecida. O negócio deu certo. O filme foi um sucesso popular. Nnebue vendeu mais de 750,000 cópias e despertou uma legião de imitadores, que lhe seguiram os passos. Do mercado informal e improvisado de VHS, recheado com filmes voltados para o gosto local, nascia Nollywood. Em poucos anos o negócio se transformou num fenômeno de vendas e de produção, alcançando até as áreas rurais mais pobres do país.
Link para assistir “Living in Bondage”:
https://www.youtube.com/watch?v=pu_8a_OLiBg

O curioso é que este fenômeno cinematográfico está acontecendo num pais que praticamente extinguiu as salas de cinema há mais de vinte anos. A explicação é simples: na década de 1980 a violência e a crise econômica que assolavam o país afastaram o público das salas de cinema. Era mais seguro ver filmes em casa. O meio encontrado para driblar as dificuldades foi a produção de home vídeos. Toda produção cinematográfica nigeriana é de home vídeos e 90% da produção não é oficial ou legalizada. O fenômeno acontece no mercado informal sem qualquer tipo de incentivo do governo. Segundo dados de 2006, o cinema nigeriano empregava, entre produção e distribuição, cerca de um milhão de pessoas. Era, depois da agricultura, o setor que mais gerava emprego no país.

Os filmes são produções artesanais, com equipamentos baratos, a custos muito baixos, voltados para o gosto local. Custam em média entre 10 e 20 mil dólares e os atores, quase sempre amadores, faturam algo em torno de 300 dólares por filme. Os filmes são rodados e comercializados, em média, em uma semana. Custam alguns dólares (três dólares, segundo algumas fontes) e vendem algo em torne de 20 mil cópias (os grandes sucessos ultrapassam esta marca). Portanto, não esperem dos filmes de Nollywood superproduções com acabamento técnico apurado, narrativas sofisticadas, montagens de cair o queixo e roteiros fodões.


Apesar dos baixos custos de produção e do amadorismo, os lucros alcançados pelo cinema nigeriano são impressionantes. Em 2011 foram movimentados cerca 250 milhões de dólares. Sucessos caseiros, os filmes nigerianos começam também a conquistar os mercados dos países vizinhos (Gana, Quênia, Uganda, Gâmbia, Níger, Camarões, Benin, Zâmbia, Togo o Sudão). Na África do Sul, a MultiChoice, uma empresa de televisão via satélite, oferece um canal exclusivo para os filmes nigerianos, que também são transmitidos para Botsuana, Zimbábue, Suazilândia, Namíbia. E a coisa não para por aí. Nollywood vem despertando o interesse fora da África. A Zenithfilms, uma empresa britânica que distribui a programação da Nigéria para as companhias aéreas, anunciou que vai lançar um novo canal, chamado de Nollywood filmes, na British Sky Broadcasting Group (BSkyB) a famosa operadora de televisão britânica controlada por Rupert Murdoch (dados de 2006, da The Economist).



O sucesso e a ascensão relampado de Nollywood se devem a uma conjunção de fatores. De um lado, o empreendedorismo local associado à tecnologia digital, de outro, a sacada de fazer filmes em vídeo visando o gosto local, numa época de escassez de salas de cinemas (Em 2013 havia apenas 12 salas de cinema no país).

The Day They Came.

A mais recente e curiosa produção do cinema nigeriano é o filme de ficção científica “The day they came”. O enredo é simples, manjado, mas... Um homem abre a porta da casa e sai para fumar um cigarro na rua. Parece ser um dia como outro qualquer. Sons familiares e cotidianos como o canto de um galo e o latido de cachorros ao longe sugerem tranquilidade. A normalidade de súbito é rompida por ruídos estranhos que inesperadamente rasgam o véu plácido da manhã de domingo. Em segundos o homem se vê em meio a uma invasão de gigantescos robôs alienígenas e naves espaciais que disparam com poderosas armas de laser pulverizando o mundo a sua volta. O homem não é Tom Cruise nem Will Smith, e a ação não se passa em New York ou em alguma cidade norte-americana. A invasão alienígena começou na periferia de Lagos, na Nigéria. É este o argumento do curta-metragem “The day they came”, produzido em 2014 pela “Ficsion film”, uma promissora produtora de filmes nigeriana. O curta, de 3 minutos, que brinca com o enredo de “Guerra dos Mundos”, é o primeiro de uma série de episódios que ainda estão por vir. Aguardemos. A ficção científica nigeriana esta só começando. Os efeitos especiais são soluções caseiras precárias, quase risíveis, se comparados com a tecnologia dos efeitos de Hollywood, mas alguma coisa está acontecendo por lá.
(Link para quem quiser conferir: http://www.youtube.com/watch?v=SSKwKJtezU0).

O filme, em parte, é uma reação, ou uma resposta cinematográfica, às imagens degradantes dos nigerianos apresentadas no filme “District 9”. O filme, de 2009, dirigido pelo sul-africano Neill Blomkamp, é uma coprodução Estados Unidos-África do Sul, Canadá e Nova Zelândia, que custou 30 milhões de dólares. Foi filmado como um pseudo documentário que narra a história de alienígenas que por problemas técnicos ficaram presos no nosso planeta. A nave enguiçada paira sobre Johanesburgo. Os alienígenas, resgatados com vida do interior da nave, foram instalados numa espécie de campo de refugiados. O lugar, cercado com muros altos e apartado da cidade, logo adquiriu aspecto de favala. Os Ets, ilhados e discriminados, vivem em conflitos com a populaçõa local, que não aceita a presença das criaturas com desgradável aspecto de camarão. O filme é uma alegoria do apartheid. Os Ets vivem isolados, cercados, são vistos com preconceito e comem comida de animais. Na favela vivem também os imigrantes nigerianos, que formam uma gang criminosa que atua no submundo de Johanesburgo traficando armas, explorando a prostituição e a feitiçaria. São eles que fornecem comida de gato, apreciada pelos alienígenas, em troca das poderosas armas extraterrestres. O líder dos nigerianos é um sujeito de aspecto amedrontador chamado Obesandjo que busca obstinadamente, por meio da feitiçaria, se apossar da tecnologia dos Ets.


O modo como os nigerianos foram retratados provocou uma onda de indignação e revoltas (Uma página no facebook, chamada “Distrito 9 odeia a nigéria”, foi criada para canalisar os protestos). A reação oficial do governo nigeriano foi contundente. As autoridades consideraram que o filme ofendia e denegria o país. A Silverbird Cinemas, maior distribuidora de filmes da Nigéria, teve que suspender a circulação do filme, obedecendo à decisão do governo (No entanto, a decisão de proibir o longa só fez aumentar o interesse do público. Milhares de cópias da produção foram baixadas da internet). Já a ministra de Informação e Comunicação, Dora Akunyli, exigiu da Sony Pictures um pedido oficil de desculpas por apresentar os nigerianos como “canibais, criminosos e prostitutas”. Dora indignou-se também pela referência ao sobrenome do ex-presidente nigeriano – Obasanjo – ser usado como apelido do chefe dos criminosos nigerianos no filme e convocou a população a “resistir a qualquer tentativa de apresentar os nigerianos como crimonosos”. “O filme, afirmou a ministra, mostra mulheres nigerianas mantendo relações sexuais com não humanos.”

O escritor nigeriano-americano Nnedi Okorafor assistiu ao filme a irritou-se com o que considerou um estereótipo abismal dos nigerianos. Em resposta começou a escrever um romance de ficção intitulado “Lagos”, que narra uma invasão alienígena na cidade de Lagos. Nas palavras do escritor: “Trata-se de uma invasão alienígena na cidade de Lagos e como os Lagosians de todas as esferas da vida lidam com isso. I started writing it as a screenplay for Nollywood director Tchidi Chikere.Eu comecei a escrevê-lo como um roteiro para o diretor de Nollywood Tchidi Chikere. He and I were both deeply irritated with the South African science fiction film District 9′s abysmal stereotyping of Nigerians. Ele e eu estávamos profundamente irritados com o filme Sul Africano de ficção científica District 9, de estereótipo abismal dos nigerianos. Once I started writing it, it quickly became something other than a response to District 9; Quando comecei a escrevê-lo, rapidamente se tornou algo diferente de uma resposta ao Distrito 9; it became its own story with its own soul. tornou-se a sua própria história com a sua própria alma.”

“The day they came”, inspirado no romance de Okorafor, é, portanto, parte de uma reação nacional a “Distrito 9”. Mas não é só isso. É a primeira produção nigeriana relevante no campo da ficção científica que, a sua maneira, e a partir de sua deficiência técnica, retira dos Estados Unidos o protagonismo exclusivo nesta área. Claro, “The day they came” não tem como competir com o vertiginoso “Independence Day”, e não é esta a ideia. O que conta é a iniciativa e a ousadia de narrar uma invasão alienígena da perspectiva africana.


O cinema nigeriano, quase desconhecido fora da África, não é um cinema para satisfazer as exigências de quem foi educado pelo padrão hollywoodiano e se contenta com o que vem da terra do Tio Sam. Os Estados Unidos fazem o pior e o melhor cinema do mundo, mas o mundo dos filmes não se esgota nos Estados Unidos. Para compreendermos o cinema nigeriano, e o cinema africano de um modo geral, não podemos compará-lo com o cinema hollywoodiano. É preciso conhecer as particularidades do fazer cinematográfico na África. Os filmes norte-americanos servem de inspiração para parte das produções nigerianas, que os adaptam ao gosto popular, a estética e as condições técnicas locais. Filmes de zumbis (Witchdoctor of the Living Dead), de terror (House of Horror), de ficção científica (The day they came), super-heróis (Oya: Rise of the Orisha) e thriller policial (October 1), são alguns exemplos dos empréstimos fílmicos tomados de Hollywood. Nestes casos, pratica-se verdadeira antropofagia cinematográfica. Temas e gêneros característicos do cinema norte-americano, consumidos globalmente, são retrabalhados pelos cineastas nigerianos, com atores, idiomas e cores locais, e adaptados ao paladar e a sensibilidade do público. Na releitura nollywoodiana das temáticas hollywoodianas os super-heróis são os orixás, os zumbis estão associados às práticas mágicas e a invasão extraterrestre não vai começar nos Estados Unidos.


Mas na maior parte, os filmes narram histórias sobre situações comuns da vida e do imaginário popular, como a prostituição, a corrupção, os amores mal resolvidos, a feitiçaria, a ganância, os medos. São temas nos quais o público se reconhece. Parece-me que vem desta identificação a explicação para a gigantesca expansão da indústria do home vídeo nigeriana.  As situações dramáticas, cômicas e assustadoras interpretadas por atores nigerianos, carregam mensagens que levam o expectador à reflexão. Na fórmula nollywoodiana o conteúdo é mais importante que a forma. Isso explica em parte o descuido com os aspectos técnicos, a simplicidade dos enredos, o apelo ao dramalhão e a falta de sutilezas estéticas. Mas foi assim, com interpretações bastante amadoras, com efeitos especiais precários e enredos considerados pobres que os filmes conquistaram o público, abriram espaço e consolidaram um mercado muito lucrativo. Os críticos, com alguma razão, dizem que tudo não passa de um fenômeno comercial, visando apenas o lucro fácil, sem nenhuma preocupação com a qualidade, com a estética e com a tradição autoral do cinema africano. Por esta razão, os filmes nigerianos não teriam condições de participar de festivais e mostras africanas e internacionais de cinema. Por outro lado, sustentam os defensores do home vídeo, os filmes são voltados não para o gosto internacional e refinado de cinema, mas para o gosto popular, e são amplamente consumidos no mercado local e regional.

O governo nigeriano, interessado na projeção do país, resolveu apostar no cinema e aprovou em 2010 uma linha de crédito de 200 milhões de dólares. O primeiro cineasta a receber o incentivo foi Abulu, um nigeriano que vive no Harlem e está empenhado na produção de filmes com mais qualidade. Abulo recebeu 250 mil dólares para rodar um filme chamado “Dr Bello”, que narra a história de um oncologista afro-americano que tenta salvar um paciente com a ajuda de um médico nigeriano. O apoio do governo representa um esforço para produzir filmes com mais qualidade técnica, capazes de serem exibidos em salas de cinema no mundo todo, e derrubar o estigma da precariedade, do improviso e da baixa qualidade que acompanha o cinema nigeriano. Abulu contou com astros renomados em Nolywood, como Genevieve Nnaji e Stephanie Okereke e convidou os atores hollywoodianos Isaiah Washington (da série "Grey's Anatomy") e Vivica A. Fox (de "Independence Day"). (Folha de São Paulo, 8 de outubro de 2012). O filme pode ser visto no canal YouTube. Assistam e tirem suas próprias conclusões.

Gostem ou não, Nollywood esta aí. É uma nova maneira de fazer cinema. Num mundo cada vez mais marcado pelo gosto padronizado por filmes, e pelo confinamento do cinema nas hiper-salas de shopping centers, a novidade que vem da Nigéria é, no mínimo, provocante.