A REVOLUÇÃO BOLIVARIANA
ANUNCIA O CAMINHO PARA A “SUPREMA FELICIDADE”. Ou: Seria a Felicidade o Estágio Superior do Socialismo
do Século XXI?
Enquanto certos
intelectuais da esquerda sul-americana (como Gilberto Maringoni) fazem verdadeiros
malabarismos teóricos e semânticos para sustentar que o regime venezuelano é
democrático, Nicolás Maduro parece esforçar-se para demonstrar o contrário. É
constrangedor. É tão constrangedor que Gilberto Maringoni escreveu um texto no
Opera Mundi afirmando que a Venezuela é democrática e não citou uma única vez o
nome de Maduro. Citou Chávez duas vezes, citou os Estados Unidos, Snowden, mas
não citou Maduro (Para afirmar a existência de democracia na Venezuela é preciso,
antes, dizer que o sistema político norte americano “é pouco democrático”?).
Uma ligeira digressão
psicanalítica sobre o texto de Maringoni. Não acredito, neste caso, numa
casualidade. A ausência do nome do atual presidente é significativa. É o lapso
freudiano, conhecido por aqui como “ato falho” (Erros ou esquecimentos triviais
na aparência podem comportar significados profundos). Os atos falhos manifestam
desejos do inconsciente.
A coleção de bravatas e gestos populistas
baratos que Maduro acumula é formidável. Mas a situação começou a ficar
realmente grave quando declarou que às vezes dorme junto ao túmulo de Hugo
Chávez, onde consegue "ponderar calmamente" as suas ações. "Por
vezes, disse Maduro, vou lá durante a noite e, na maior parte das vezes acabo
por dormir lá". A devoção de Maduro por Chávez é conhecida, mas desta vez
parece que foi longe demais. Claro. O homem não é bobo. Sabe que Chávez, mesmo
morto, é o fiador do seu governo. As visitas ao túmulo do comandante, neste
sentido, são calculadas e habilmente exploradas na mídia oficial.
De qualquer maneira, a
declaração, embora excessivamente apelativa, não surpreende. Na campanha
eleitoral Maduro afirmou que o presidente Chávez, recém falecido, apareceu na
forma de um pássaro e voou à sua volta. Tínhamos ali um forte indício do
caminho que o homem trilharia. Será que alguma cartilha bolivariana seria capaz
de explicar, à luz do socialismo do século XXI, esta extraordinária aparição?
O que esperar depois
disso? Não duvidem do estafeta do chavismo, ele se supera a cada gesto. A Venezuela,
claro, vai a reboque. A cada declaração, o país parece distanciar-se cada vez
mais de qualquer definição de democracia. Menos para Gilberto Maringoni, para
quem “a
combinação de progresso social com efervescência participativa é que solidifica
a democracia venezuelana”. Maringoni só esqueceu o nome do atual presidente.
Na quinta feira, em
meio à grave crise econômica e de abastecimento, Maduro anunciou a criação de
um vice-ministério para supervisionar os programas sociais do governo nas áreas
da saúde, do esporte, da ajuda financeira aos mais pobres e de moradias
populares. Os projetos do governo nestas áreas não são previstos na proposta de
orçamento e estão fora do controle e da fiscalização do legislativo. O
vice-ministério foi batizado de “Ministério da Suprema Felicidade Social”. O
objetivo, segundo Maduro, é que as pessoas sejam "atendidas da forma mais
sublime, sensível, delicada e amável por pessoas que se dizem cristãs,
revolucionárias e chavistas". E num adendo místico complementou dizendo
que é preciso chegar ao céu, onde está o ex-presidente Hugo Chávez. Entenderam?
O vice-ministério, além de promover a felicidade na terra, seria uma espécie de
condutor espiritual do povo ao paraíso, ao céu, onde o comandante descansa e
zela pela revolução.
O novo ministério
lembra os quatro ministérios da Oceania (de Orwell): Ministério da Verdade, da
Paz, do Amor e Fartura. A diferença é que Maduro leva a sua criação a sério.
O “Ministério da
Suprema Felicidade” é de dar inveja em muitos ditadores. Kim Jong-il deve estar se perguntando: “Como
é que eu não pensei nisso antes?” Pois é Kim, na Venezuela agora a felicidade é
uma questão de estado. O estado é o demiurgo do milagre social da felicidade. E
não é qualquer felicidade: é a “felicidade suprema”. Deve ser o estágio
superior do socialismo do século XXI.
No mesmo ato de
lançamento do vice-ministério, Maduro instituiu também o “Dia de Lealdade ao
Legado de Chávez e do Amor à Pátria”. O dia escolhido para homenagear o comandante
foi 8 de dezembro. “El 8 de diciembre, disse Maduro, será a partir de este
momento el día de la lealtad y amor a Hugo Chávez, porque ese día vino a
despedirse de su pueblo, aún con su dolencia vino con mucha serenidad y fuerza
a despedirse de su patria". 8 de dezembro foi o dia da última aparição
pública de Chávez. Na ocasião, designou Maduro como o seu sucessor. Mas é
também, coincidentemente, o dia das eleições municipais, na Venezuela. A
partir do próximo dia 8 de dezembro as eleições e a lealdade à Chávez serão inseparáveis.
8 de dezembro será um dia de “lealdade mobilizadora, quando o amor se
expressará” na ação do povo que jamais faltará a Chávez, disse Maduro. Será que
é esta forma de mobilização e lealdade que Maringoni chama de “efervescência
participativa”? É possível considerar este tipo de mobilização mística da
população, como vem ocorrendo desde os tempos de Chávez, como democrática?
O 8 de dezembro se
juntará às outras datas comemorativas do calendário bolivariano, como 28 de julho
(aniversário de Chávez), 8 de agosto (data de sua entrada à Academia
Militar) e 4 de fevereiro (dia do golpe contra Carlos Andrés Perez). A figura
de Chávez se impõe de diferentes maneiras na cultura política venezuelana. A
ocupação do calendário comemorativo é uma forma de manter viva a memória do comandante,
do seu suposto legado e usá-lo como elemento de coesão e mobilização social
para exorcizar os problemas e intimidar os inimigos.
O vice–ministério - a piada
política pronta de Maduro - já caiu no gosto popular. O humor das ruas se
encarregou de colocar a “coisa” no seu devido lugar. Victor Rey, vendedor
ambulante de bananas, exprimiu, do seu modo, o lado folclórico da situação:
"Só espero que um
dia Maduro lance o vice-ministério da Cerveja para que eu e todos os bêbados
fiquemos felizes".
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