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quarta-feira, 15 de março de 2017

DO SUPERMERCADO AO LAR: O LUGAR DA MULHER NO DISCURSO FOSSILIZADO DE MICHEL TEMER.

DO SUPERMERCADO AO LAR: O LUGAR DA MULHER NO DISCURSO FOSSILIZADO DE MICHEL TEMER.




            
Ler ouvindo Secretária, sucesso dos anos 70 na voz das Irmãs Freitas.


Há 10 meses, a revista Veja publicava uma matéria sobre Marcela Temer, às vésperas do afastamento de Dilma Rousseff, destacando os atributos da mulher que poderia vir a ser a primeira-dama do Brasil. No calvário político de Dilma, à época a mulher mais odiada do país, e insultada com os mais ofensivos palavrões, elevou-se um elogio à Marcela Temer, qualificando-a de “bela, recatada e do lar”. Era a projeção conservadora da mulher ideal, como um elogio antecipado do futuro governo Temer (ver o post sobre Marcela Temer aqui no blog http://cadaumnasualua.blogspot.com.br/2016/05/bela-recatada-e-do-lar-exaltacao-dos.html).

Mas faltava alguma coisa, um acabamento, um toque presidencial, para coroar a matéria da Veja. Pois bem, a cereja do bolo veio justamente no Dia Internacional da Mulher, no discurso do “excelentíssimo” esposo de Marcela. O presidente impopular, citado frequentemente nas delações da Lava Jato, quis homenagear as mulheres, num evento no Palácio do Planalto, e fez um discurso que poderia muito bem ter sido proferido por um presidente ou um ministro do começo do século XX, como Nilo Peçanha. Em 1918, Maria Rebelo Mendes fez a inscrição para o concurso de terceiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério das Relações Exteriores. O MRE a reprovou já na inscrição. O caso, com o apoio de Rui Barbosa, ganhou repercussão nacional e o chanceler Nilo Peçanha teve que voltar atrás e deferir a inscrição. Mesmo reconhecendo o direito constitucional de Maria Mendes de participar do concurso, a declaração de Peçanha reafirmou os valores tradicionais e sugeriu que o lugar da mulher era na condução dos assuntos domésticos:

“Não sei se as mulheres desempenhariam com proveito a diplomacia, vide tantos atributos de discrição e competência que são exigidos […], o que não posso é restringir ou negar o seu direito… Melhor seria, certamente, para o seu prestígio que continuassem a direção do lar, tais são os desenganos da vida pública, mas não há como recusar sua aspiração, desde que fiquem provadas suas aptidões”.

O discurso de Temer em homenagem ao Dia da Mulher, cem anos depois, não fica devendo nada à declaração de Nilo Peçanha. Num momento em que as mulheres saem às ruas lutando por mais direitos, justiça e contra a violência, Michel Temer toma a palavra e, na contramão, revela sua total ignorância sobre os sentidos do que estava acontecendo naquele dia no Brasil e no mundo. Em meio a um discurso domesticado sobre as conquistas femininas, em que se colocou como uma espécie de precursor da causa, por ter criado a primeira delegacia da mulher, em 1985, Temer minimizou o desequilíbrio entre os sexos no mercado de trabalho e disparou duas pérolas do conservadorismo machista:

“Tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela, do quanto a mulher faz pela casa, pelo lar. Do que faz pelos filhos. E, se a sociedade de alguma maneira vai bem e os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada formação em suas casas e, seguramente, isso quem faz não é o homem, é a mulher […]”.

Não satisfeito em reduzir o papel das mulheres ao espaço do lar e ao cuidado dos filhos, Temer tentou “elogiar” a importante contribuição feminina na vida econômica do país:

“Na economia também a mulher tem grande participação. Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes de preços no supermercado do que mulher”.

Num país de tantas economistas talentosas, o inoportuno presidente trata a participação das mulheres na economia como uma extensão das atividades domésticas. Do Supermercado ao Lar, eis o universo de circulação das mulheres no Brasil de Temer.

Não foi uma gafe, como sugeriu uma nota no jornal O Globo, ou um discurso que reflete a “realidade”, como tentou fazer crer Fátima Pelaes, Secretária de Política para as Mulheres do governo. Temer manifestou o que realmente pensa sobre o papel das mulheres na sociedade. Tentou corrigir depois da repercussão negativa, mas o estrago já estava feito. É um homem de valores ultrapassados, um exemplar fóssil do machismo tradicionalista do Brasil antigo, em total dessintonia com as demandas e conquistas femininas do Brasil contemporâneo.

A esposa ideal, “bela, recatada e do lar”, da matéria da Veja, está em perfeita simetria com a imagem da mulher que se depreende do discurso de Temer. Parece que foram feitos sob encomenda para o Brasil de Nilo Peçanha!  


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