DO SUPERMERCADO AO LAR: O LUGAR DA MULHER NO DISCURSO
FOSSILIZADO DE MICHEL TEMER.
Ler ouvindo Secretária, sucesso dos anos 70 na voz das Irmãs Freitas.
Há 10 meses, a revista
Veja publicava uma matéria sobre Marcela Temer, às vésperas do afastamento de
Dilma Rousseff, destacando os atributos da mulher que poderia vir a ser a primeira-dama
do Brasil. No calvário político de Dilma, à época a mulher mais odiada do país,
e insultada com os mais ofensivos palavrões, elevou-se um elogio à Marcela
Temer, qualificando-a de “bela, recatada e do lar”. Era a projeção conservadora
da mulher ideal, como um elogio antecipado do futuro governo Temer (ver o post
sobre Marcela Temer aqui no blog http://cadaumnasualua.blogspot.com.br/2016/05/bela-recatada-e-do-lar-exaltacao-dos.html).
Mas faltava alguma
coisa, um acabamento, um toque presidencial, para coroar a matéria da Veja. Pois
bem, a cereja do bolo veio justamente no Dia Internacional da Mulher, no
discurso do “excelentíssimo” esposo de Marcela. O presidente impopular, citado
frequentemente nas delações da Lava Jato, quis homenagear as mulheres, num
evento no Palácio do Planalto, e fez um discurso que poderia muito bem ter sido
proferido por um presidente ou um ministro do começo do século XX, como Nilo
Peçanha. Em 1918, Maria Rebelo Mendes fez
a inscrição para o concurso de terceiro oficial da Secretaria de Estado do
Ministério das Relações Exteriores. O MRE a reprovou já na inscrição. O caso, com
o apoio de Rui Barbosa, ganhou repercussão nacional e o chanceler Nilo Peçanha
teve que voltar atrás e deferir a inscrição. Mesmo reconhecendo o direito
constitucional de Maria Mendes de participar do concurso, a declaração de
Peçanha reafirmou os valores tradicionais e sugeriu que o lugar da mulher era
na condução dos assuntos domésticos:
“Não
sei se as mulheres desempenhariam com proveito a diplomacia, vide tantos
atributos de discrição e competência que são exigidos […], o que não posso é restringir
ou negar o seu direito… Melhor seria, certamente, para o seu prestígio que
continuassem a direção do lar, tais são os desenganos da vida pública, mas não
há como recusar sua aspiração, desde que fiquem provadas suas aptidões”.
O discurso de Temer em
homenagem ao Dia da Mulher, cem anos depois, não fica devendo nada à declaração
de Nilo Peçanha. Num momento em que as mulheres saem às ruas lutando por mais
direitos, justiça e contra a violência, Michel Temer toma a palavra e, na
contramão, revela sua total ignorância sobre os sentidos do que estava
acontecendo naquele dia no Brasil e no mundo. Em meio a um discurso domesticado
sobre as conquistas femininas, em que se colocou como uma espécie de precursor
da causa, por ter criado a primeira delegacia da mulher, em 1985, Temer minimizou
o desequilíbrio entre os sexos no mercado de trabalho e disparou duas pérolas
do conservadorismo machista:
“Tenho
absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela,
do quanto a mulher faz pela casa, pelo lar. Do que faz pelos filhos. E, se a
sociedade de alguma maneira vai bem e os filhos crescem, é porque tiveram uma
adequada formação em suas casas e, seguramente, isso quem faz não é o homem, é
a mulher […]”.
Não
satisfeito em reduzir o papel das mulheres ao espaço do lar e ao cuidado dos
filhos, Temer tentou “elogiar” a importante contribuição feminina na vida
econômica do país:
“Na
economia também a mulher tem grande participação. Ninguém mais é capaz de indicar os
desajustes de preços no supermercado do que mulher”.
Num país de
tantas economistas talentosas, o inoportuno presidente trata a participação das
mulheres na economia como uma extensão das atividades domésticas. Do
Supermercado ao Lar, eis o universo de circulação das mulheres no Brasil de Temer.
Não foi uma gafe, como sugeriu
uma nota no jornal O Globo, ou um discurso que reflete a “realidade”, como
tentou fazer crer Fátima Pelaes, Secretária de Política para as Mulheres do
governo. Temer manifestou o que realmente pensa sobre o papel das mulheres na
sociedade. Tentou corrigir depois da repercussão negativa, mas o estrago já
estava feito. É um homem de valores ultrapassados, um exemplar fóssil do
machismo tradicionalista do Brasil antigo, em total dessintonia com as demandas
e conquistas femininas do Brasil contemporâneo.
A esposa ideal, “bela,
recatada e do lar”, da matéria da Veja, está em perfeita simetria com a imagem
da mulher que se depreende do discurso de Temer. Parece que foram feitos sob
encomenda para o Brasil de Nilo Peçanha!
Nenhum comentário:
Postar um comentário