MEU NOME: a constância
que se impõe à inconstância do meu ser.
Glossário dos Nomes Próprios – Alex Cerveny - 2015.
Nomes são entidades imutáveis,
totalizantes e unificadoras. São regularidades que se impõe à trajetória
irregular da nossa existência. Independente
de quem fui nos meus muitos passados ou de quem virei a ser nos possíveis futuros, o nome que recebi e carrego desde o nascimento é uma constante que
se sobrepõe à inconstância do meu ser.
Nossos nomes, a face mais
conhecida de nossas identidades sociais, são confirmados nos ritos batismais e
institucionalizados nos documentos que portamos. Por nos acompanharem do nascimento
à morte, passam a impressão de que nossas vidas correm linearmente, num fluxo
contínuo e coerente, e que seguem uma sequência lógica inabalável e inevitável de
eventos. Na bela definição de Paul Ziff, o nome próprio é um ponto fixo num
mundo em movimento. Ou, à minha maneira, um dado estático no turbilhão da vida,
indiferente às metamorfoses do nosso ser social.
O efeito uniformizador dos nomes
sobre as nossas histórias de vida é semelhante ao da filosofia da história sobre
o conjunto disperso e caótico de dados do passado humano. As filosofias da
história tentam organizar o caos do passado, lançando sobre ele um olhar generalizante
e totalizante, visando capturar teleologicamente o movimento contínuo da
história, dotando-a de sentido e de finalidade. Tal como os nomes próprios, as
filosofias da história emprestam regularidade e uniformidade ao curso
absolutamente irregular da história.
Nos acostumamos e nos afeiçoamos
aos nossos nomes, por mais estranhos que sejam. Não nos imaginamos sem eles.
Não nos imaginamos com outros nomes. Nosso nome é o nosso nome e pronto. Não
poderia ser outro. Embora seja só um nome, dado por um motivo qualquer, supomos
que ele traduz a essência de quem somos. Alguns vão buscar na etimologia os
significados mais profundos de seus nomes, e se convencem de que eles dizem
realmente algo importante sobre nós. Outros recorrem à numerologia para
descobrir o seu número pessoal (resultados da soma das letras do nome) e saber
mais sobre suas personalidades. Crentes de que os números carregam significados
e influenciam em nossos destinos, alteram os nomes para alcançar o número que
melhor realça os aspectos positivos, ou corrige os negativos, da sua
personalidade.
O nome, como um “designador rígido” (Pierre Bourdieu
- A ilusão biográfica), é um atestado da nossa identidade social através dos
tempos e em todos os espaços. O nome que recebi, Paulo, foi uma homenagem ao
meu pai, também batizado de Paulo. Os ritos de nominação inauguram nossa
identidade social. Ou, como disse Paul Ziff, institui uma identidade social
para o indivíduo biológico. Aos dois anos de idade, sem a menor noção de quem
era, eu já era o Paulo. Já atendia pelo nome, sem entender direito o que isso
significava. Estava dado ali, no berço, o “designador rígido” da minha identidade.
Aos dez anos, na escola, era também o Paulo. A chamada diária me lembrava do
meu nome, de quem eu era. Na preparação e na cerimônia da crisma, sacramento católico
de confirmação do batismo, lá estava o Paulo. Aos vinte anos de idade,
anarquista, ateu e sem a menor noção de quem seria no futuro, em nada lembrava
o Paulo dos 15 ou dos dez anos de idade. Com vinte cinco anos, na universidade,
cursando história, já era bem diferente do Paulo de cinco anos atrás. Abandonei
os cabelos compridos e minha visão politica sofreu sensíveis alterações. Mas
continuava sendo o Paulo. Aos trinta anos, em quase nada lembrava o Paulo de
dez anos atrás. Morava noutra cidade, convivia com pessoas que até então não
conhecia e levava uma vida bem diferente das anteriores.
A “constância nominal” atravessa
os tempos. Fui, sou e sempre serei o Paulo. Embora meus amigos inseparáveis da
adolescência vissem em mim hoje um perfeito estranho, continuaria sendo para
eles o Paulo. Agora, bem distante dos trinta anos, sou outra pessoa. Não
evoluí, como dizem. Eu mudei. Em vários aspectos. As certezas de outros tempos
deram lugar às dúvidas. Quando me pego, por algum motivo, relembrando coisas do
passado, por certo que vejo lá atrás o Paulo de hoje. Mas, na maioria das vezes,
a despeito da imperturbável continuidade e da regularidade que o nome sugere,
vejo o curso da minha vida bastante irregular e descontínuo. Não sei o que serei,
nem onde estarei, daqui vinte anos, mas continuarei sendo o Paulo.
Nosso nome define nossa
identidade “em qualquer universo possível” (Saul Kripke). Em casa, sou Paulo. Na sala de aula, com os
alunos, embora muito diferente daquele Paulo, continuo- o sendo. O Paulo namorado/esposo,
ou o que se apresenta aos amigos, é bastante diferente do professor, mas
continua sendo o Paulo, que é também assim chamado no futebol. É claro que sou
a mesma pessoa, e linhas da minha personalidade são reconhecíveis aqui e ali,
mas revelo e apresento facetas distintas em diferentes ambientes. Seguramente
meus colegas do futebol não me reconheceriam em sala de aula. Não é a mesma
pessoa, diriam. Todavia, meu nome é uma Identidade fixa que me acompanha
indiferente às múltiplas facetas e identidades que assumo na vida.
E os apelidos e os diminutivos
dos nossos nomes? São designadores flexíveis das identidades plurais que nos
habitam? São sugestões nominais de como os outros nos vêm? Tive muitos
apelidos, na escola, no futebol, em casa. Alguns carinhosos (dão, paulinho,
paulão), outros de pura sacanagem (diabinho, maradona) e outros ainda por
coisas que disse ou fiz de bom ou de engraçado (negrão, mestre). Mas essa
reflexão eu deixo com vocês.
É sempre um prazer ler teus textos, Paulo.
ResponderExcluirObrigado, Arnaldo. É bom saber.
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