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quarta-feira, 13 de julho de 2016

MEU NOME: a constância que se impõe à inconstância do meu ser.

MEU NOME: a constância que se impõe à inconstância do meu ser.









Glossário dos Nomes Próprios – Alex Cerveny - 2015.








Nomes são entidades imutáveis, totalizantes e unificadoras. São regularidades que se impõe à trajetória irregular da nossa existência.  Independente de quem fui nos meus muitos passados ou de quem virei a ser nos possíveis  futuros, o nome que recebi  e carrego desde o nascimento é uma constante que se sobrepõe à inconstância do meu ser.

Nossos nomes, a face mais conhecida de nossas identidades sociais, são confirmados nos ritos batismais e institucionalizados nos documentos que portamos. Por nos acompanharem do nascimento à morte, passam a impressão de que nossas vidas correm linearmente, num fluxo contínuo e coerente, e que seguem uma sequência lógica inabalável e inevitável de eventos. Na bela definição de Paul Ziff, o nome próprio é um ponto fixo num mundo em movimento. Ou, à minha maneira, um dado estático no turbilhão da vida, indiferente às metamorfoses do nosso ser social.

O efeito uniformizador dos nomes sobre as nossas histórias de vida é semelhante ao da filosofia da história sobre o conjunto disperso e caótico de dados do passado humano. As filosofias da história tentam organizar o caos do passado, lançando sobre ele um olhar generalizante e totalizante, visando capturar teleologicamente o movimento contínuo da história, dotando-a de sentido e de finalidade. Tal como os nomes próprios, as filosofias da história emprestam regularidade e uniformidade ao curso absolutamente irregular da história.

Nos acostumamos e nos afeiçoamos aos nossos nomes, por mais estranhos que sejam. Não nos imaginamos sem eles. Não nos imaginamos com outros nomes. Nosso nome é o nosso nome e pronto. Não poderia ser outro. Embora seja só um nome, dado por um motivo qualquer, supomos que ele traduz a essência de quem somos. Alguns vão buscar na etimologia os significados mais profundos de seus nomes, e se convencem de que eles dizem realmente algo importante sobre nós. Outros recorrem à numerologia para descobrir o seu número pessoal (resultados da soma das letras do nome) e saber mais sobre suas personalidades. Crentes de que os números carregam significados e influenciam em nossos destinos, alteram os nomes para alcançar o número que melhor realça os aspectos positivos, ou corrige os negativos, da sua personalidade.

 O nome, como um “designador rígido” (Pierre Bourdieu - A ilusão biográfica), é um atestado da nossa identidade social através dos tempos e em todos os espaços. O nome que recebi, Paulo, foi uma homenagem ao meu pai, também batizado de Paulo. Os ritos de nominação inauguram nossa identidade social. Ou, como disse Paul Ziff, institui uma identidade social para o indivíduo biológico. Aos dois anos de idade, sem a menor noção de quem era, eu já era o Paulo. Já atendia pelo nome, sem entender direito o que isso significava. Estava dado ali, no berço, o “designador rígido” da minha identidade. Aos dez anos, na escola, era também o Paulo. A chamada diária me lembrava do meu nome, de quem eu era. Na preparação e na cerimônia da crisma, sacramento católico de confirmação do batismo, lá estava o Paulo. Aos vinte anos de idade, anarquista, ateu e sem a menor noção de quem seria no futuro, em nada lembrava o Paulo dos 15 ou dos dez anos de idade. Com vinte cinco anos, na universidade, cursando história, já era bem diferente do Paulo de cinco anos atrás. Abandonei os cabelos compridos e minha visão politica sofreu sensíveis alterações. Mas continuava sendo o Paulo. Aos trinta anos, em quase nada lembrava o Paulo de dez anos atrás. Morava noutra cidade, convivia com pessoas que até então não conhecia e levava uma vida bem diferente das anteriores.  

A “constância nominal” atravessa os tempos. Fui, sou e sempre serei o Paulo. Embora meus amigos inseparáveis da adolescência vissem em mim hoje um perfeito estranho, continuaria sendo para eles o Paulo. Agora, bem distante dos trinta anos, sou outra pessoa. Não evoluí, como dizem. Eu mudei. Em vários aspectos. As certezas de outros tempos deram lugar às dúvidas. Quando me pego, por algum motivo, relembrando coisas do passado, por certo que vejo lá atrás o Paulo de hoje. Mas, na maioria das vezes, a despeito da imperturbável continuidade e da regularidade que o nome sugere, vejo o curso da minha vida bastante irregular e descontínuo. Não sei o que serei, nem onde estarei, daqui vinte anos, mas continuarei sendo o Paulo.

Nosso nome define nossa identidade “em qualquer universo possível” (Saul Kripke).  Em casa, sou Paulo. Na sala de aula, com os alunos, embora muito diferente daquele Paulo, continuo- o sendo. O Paulo namorado/esposo, ou o que se apresenta aos amigos, é bastante diferente do professor, mas continua sendo o Paulo, que é também assim chamado no futebol. É claro que sou a mesma pessoa, e linhas da minha personalidade são reconhecíveis aqui e ali, mas revelo e apresento facetas distintas em diferentes ambientes. Seguramente meus colegas do futebol não me reconheceriam em sala de aula. Não é a mesma pessoa, diriam. Todavia, meu nome é uma Identidade fixa que me acompanha indiferente às múltiplas facetas e identidades que assumo na vida.


E os apelidos e os diminutivos dos nossos nomes? São designadores flexíveis das identidades plurais que nos habitam? São sugestões nominais de como os outros nos vêm? Tive muitos apelidos, na escola, no futebol, em casa. Alguns carinhosos (dão, paulinho, paulão), outros de pura sacanagem (diabinho, maradona) e outros ainda por coisas que disse ou fiz de bom ou de engraçado (negrão, mestre). Mas essa reflexão eu deixo com vocês.

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