“SÓ
DEUS ME TIRA DE BRASÍLIA”
Charge do Portal Amazônida
A prova mais cabal de que
Bolsonaro não tem respeito algum pela democracia e pela decisão das urnas, se
não forem a seu favor, é a frase dita no palanque da Avenida Paulista no espetáculo
autoritário do 7 de setembro: “Só deus me tira de Brasília”. Na motociata em
Santa Catarina ele já havia dito a mesma coisa aos admiradores: “Só uma coisa me tira de Brasília: é o nosso Deus”.
Não é o voto, não é a
vontade da maioria dos brasileiros. É só deus, o deus dele, do Malafaia e do Marco
Feliciano, que o tira de Brasília. Bolsonaro não se submete às regras do jogo,
que ele mesmo ajudou a construir, e não respeita a decisão de ninguém. Só
dialoga consigo mesmo e com quem o apoia. E ainda assim os frustra, como no caso
dos caminhoneiros e do recuo em relação ao STF. Mobilizou o “seu povo”,
jogou-os contra STF, insultou Moraes no 7 de setembro, e no dia seguinte tentou
desfazer a lambança. Chamou Michel Temer, o Salvador Geral da República (SGR), que
chegou com a carta pronta. Temer sempre tem uma carta na manga e gosta também
de pensar que é um enviado de deus. Num pronunciamento no Planalto, em 2017,
ele disse: “não sei como Deus me colocou aqui, dando-me uma tarefa difícil”. O
deus deles, do Jair e do Michel, gosta um bocado de política. Tem o poder de
colocar e de tirar presidentes. Com um deus desses, para que eleições?
O deus deles à parte, numa
democracia Deus é o voto (e a Constituição que o garante). Foi o voto que
elegeu Bolsonaro deputado por três mandatos, elegeu os filhos e o elegeu
presidente da República. Ele se mostra profundamente ingrato e ignorante em
relação ao regime político e ao sistema eletrônico de votação que lhe possibilitaram
chegar à presidência da República.
As dúvidas que o
presidente levanta contra as urnas eletrônicas, sem apresentar uma única prova,
fazem parte do pacote autoritário que ele tem a oferecer. O descaso e o
descompromisso com a democracia são itens essenciais deste pacote. Não
respeitou a decisão do Congresso Nacional, que derrubou o voto impresso, e não
pretende respeitar a decisão das urnas em 2021. A campanha obsessiva pelo voto
impresso é só um prelúdio.
O Deus do Novo
Testamento, que em nada se parece com o deus de Bolsonaro e Malafaia, disse por
meio do seu filho: “Cuidado com os falsos profetas: Eles vêm até vós vestidos
com peles de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes” (Mateus. 7,
15-20). Brasília e São Paulo estavam tomadas por falsos profetas no dia 7 de
setembro. Um deles, do alto de um palanque, tentou comprometer o Deus de Mateus
com as suas ambições despóticas. Era um lobo autoritário em pele de bom
democrata. Falsos profetas e falsos democratas podem arrebatar multidões, mas
não enganam aqueles que leram e entenderam a parábola da mulher adúltera (João, 8:11-11),
cristãos ou não, e reconhecem nela uma lição fundamental do exercício do
respeito às diferenças e às minorias, base das nossas democracias. Jesus
desnudou a hipocrisia dos apedrejadores e deixou um legado de respeito e amor
ao próximo. Portanto, não é do Deus de Jesus e de Mateus que o falso profeta
que ocupa o Planalto fala. O deus dele é um deus orgulhoso, violento, armamentista, monetizado, apedrejador, seletivo, intolerante, e que, a qualquer momento, pode tirá-lo de
Brasília. A menos que Temer, que também parece ser íntimo deste deus, tenha
outra carta na manga para reverter a decisão "divina".
Charge de Sidney Falcão de Carvalho.
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