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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

SOBRE O DISCURSO QUE DILMA ROUSSEFF NÃO PROFERIU NA ONU.

SOBRE O DISCURSO QUE DILMA ROUSSEFF NÃO PROFERIU NA ONU.



Um dos assuntos mais comentados na semana foi o suposto discurso que Dilma Rousseff teria pronunciado na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no dia 24, defendendo um diálogo com o grupo terrorista ISIS. A crítica foi implacável, acusando a presidenta de defender o Estado Islâmico e de ter envergonhado o Brasil internacionalmente. Num blog sediado na revista Veja, sugeriu-se, em tom agressivo, que Dilma deveria dialogar com os terroristas. Um jornalista famoso, comentando o que chamou de declarações absurdas de Dilma, alfinetou: “Por que não convida os decepadores de cabeças para conversar?” Aécio Neves, explorando o tema eleitoralmente, disse que “a presidente propõe diálogo com um grupo que está decapitando pessoas”. E por aí vai.

Tomei conhecimento do assunto (não acompanhei o discurso ao vivo) assistindo o comentário ácido de Arnaldo Jabor no Jornal da Globo. Fiquei surpreso. Fui à internet procurar o discurso e as entrevistas de Dilma sobre o assunto e não encontrei nada que se assemelhasse a uma proposta de diálogo com o Estado Islâmico. Construiu-se uma polêmica dos diabos em cima de algo que Dilma não disse. O que ela disse, com todas as letras, no interior de uma fala costurada por críticas ao uso da força nas relações internacionais, foi que os bombardeios não resolvem o problema e que o Brasil sempre defendeu as soluções negociadas. Alguma novidade? Transformar esta fala, de caráter geral e abrangente, numa proposta específica de diálogo com um grupo terrorista é, no mínimo, distorcer o discurso.

Na entrevista, que gerou toda a polêmica, Dilma disse: "Vocês acreditam que bombardear o Isis resolve o problema? Porque, se resolvesse, eu acho que estaria resolvido no Iraque, e o que se tem visto no Iraque é a paralisia". "Hoje a gente querer simplesmente bombardeando o Isis dizer que você resolve, porque o diálogo não dá. Eu acho que não dá, também, só o bombardeio, porque o bombardeio não leva a consequências de paz". "É minha obrigação defender que isso (a invasão do Iraque em 2003) não se repita. Que não se faça ações fora do âmbito da legalidade da ONU." "Além de eu achar que o Conselho tem que ser reformulado, acho que o Conselho tem de ter claramente o poder de rejeitar certo tipo de ação unilateral".

A crítica ao bombardeio, em particular, faz parte de uma crítica mais geral que o Brasil vem fazendo às ações militares desastrosas e unilaterais da coalizão capitaneada pelos Estados Unidos, que ferem o direito internacional e criam problemas maiores do que aqueles que visavam combater. A menção ao diálogo, tanto na entrevista quanto no discurso proferido na ONU, apontam para um reforço das instituições, do direito e uma recusa decidida do uso da força, da forma como vem sendo usada nas últimas duas décadas.

A fala de Dilma, fraca no seu conjunto, foi afinada com as grandes linhas da diplomacia brasileira. A defesa das instituições internacionais e do direito internacional como mediadores dos conflitos internacionais, presentes no discurso da presidenta, remonta à vigorosa e paradigmática defesa que Rui Barbosa fez do direito internacional e da tese da igualdade jurídica dos estados em Haia em 1907.

Fico me perguntando sobre o que os críticos do suposto discurso queriam ouvir da presidenta. Que o Brasil apoiava os bombardeios e uma nova intervenção militar no Iraque? Que estranho senso de justiça! O ISIS não se fortaleceu justamente sobre os escombros da invasão norte-americana e da destruição do estado iraquiano? Deveria o Brasil aplaudir e apoiar o justiçamento internacional e celebrar os bombardeios? Embora tenha achado o discurso fraco, estou de acordo com o ponto de vista que o Brasil levou à ONU, defendendo o papel das instituições internacionais, a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e condenando o uso continuado e ineficaz da força. Em nenhum momento defendeu-se um diálogo com o grupo extremista. O discurso amparou-se na tradição pacifista e negociadora da diplomacia brasileira. O Brasil não é amador nesta área, não a este ponto, e não daria uma mancada como esta numa ocasião simbolicamente importante para a diplomacia e a política externa brasileira.



O discurso de Dilma contra o uso da força e o desprestígio das instituições internacionais, de resto, poderia ter sido mais contundente e apontado com mais clareza, por exemplo, as responsabilidades da coalizão – e dos Estados Unidos em particular - em relação aos extremismos que vicejam no Oriente Médio. Grupos como o ISIS são, em parte, um subproduto da desastrosa política externa norte americana intervencionista na região. Na linguagem do ultrarrealismo militarista, contra o qual o Brasil historicamente sempre se posicionou, só um bom bombardeio resolve o problema e, de quebra, anima a indústria bélica. O Brasil deveria também ter aproveitado a oportunidade e denunciado, com igual contundência, todos os atos de terrorismo.  



quinta-feira, 18 de setembro de 2014

“INVASION OF THE BODY SNATCHERS”: UMA METÁFORA DO ANTICOMUNISMO, O SIMPLES PRAZER ESTÉTICO DO DESASTRE OU NEM UMA COISA NEM OUTRA?

“INVASION OF THE BODY SNATCHERS”: UMA METÁFORA DO ANTICOMUNISMO, O SIMPLES PRAZER ESTÉTICO DO DESASTRE OU NEM UMA COISA NEM OUTRA?

“O mistério do mundo está no visível, não no invisível”.
(Oscar Wilde).

“(...) ocorrer em todos os níveis do filme, como na sua relação com a sociedade. Seus  pontos de ajustamento, os das concordâncias e discordâncias com a ideologia, ajudam a descobrir o latente por trás do aparente, o não-visível através do visível”.
(Marc Ferro).

“People are pods. Many of my associates are certainly pods. They have no feelings. They exist, breathe, sleep.”
(Don Sieguel).

Escrevendo sobre “Guerra Mundial Z” (GMZ) me perguntava sobre os limites da interpretação. Explico-me. Interpretar um filme é, em parte, acrescentar algo nosso, estabelecer relações e conexões que nem sempre estavam nas preocupações do diretor, do roteirista, dos produtores, etc. Uma xícara sobre uma mesa, num filme de Kieslowski, poder ser simplesmente uma xícara sobre uma mesa. Querer ver na xícara algo que ela definitivamente não representa é adentrar nos domínios da hiperinterpretação. É, como diz o ditado, querer “achar pelo em ovo”. Sendo mais claro. Ao ler “GMZ” como uma alegoria política que exalta o papel global das organizações internacionais eu não estaria querendo ver no filme algo que não está lá? Será que GMZ não é apenas entretenimento ou a inteligente exploração comercial da “imaginação do desastre”? A resposta não é tão simples. Mas diria, antes de qualquer coisa, que um filme depois de lançado se desgarra dos seus realizadores, se emancipa, ganha o mundo e fica sujeito a diversas interpretações. Até aí tudo bem. Os filmes estão aí para serem vistos, lidos, interpretados. A interpretação é livre e inúmeros são os ângulos de observação. GMZ poderia ser lido por um historiador, por um internacionalista ou por um psicólogo, e teríamos abordagens distintas e plausíveis. Mas às vezes as interpretações vão longe demais, projetam-se conceitos e debates políticos tão estranhos que transformam o filme naquilo que ele não é.

Revi nesta semana o clássico sci-fi  de 1956 “Invasion of the body Snatchers”, de Don Sieguel, que chegou ao Brasil como “Vampiros de Almas”. Estavam lá a fotografia impecável de Ellsworth Fredericks e a montagem vertiginosa, que dita o ritmo da paranoia que aos poucos vai tomando conta da pequena cidade de Santa Mira, na Califórnia. Alienígenas que nascem em vagens (pods) invadem silenciosamente a cidade e se apossam dos corpos dos moradores enquanto dormem. Aos poucos vão substituindo os seres humanos por cópias fieis, mas destituídas de sentimentos e emoções. Dr. Miles Bennell, um médico que retorna à cidade depois de alguns meses fora, é surpreendido por uma onda de casos semelhantes. Diversos moradores relatam que seus parentes não são mais os mesmos, estão estranhos, frios e distantes. Um clima de histeria vai tomando conta dos moradores e a cidadezinha, antes acolhedora, familiar e segura, torna-se um lugar estranho e assustador. Dr. Miles, lutando contra o sono alienante e a desumanização, corre para alertar o mundo da invasão: "eles estão invadindo, estão chegando, e vocês serão os próximos!"

O horror, em “Invasion”, está no familiar que se tornou assustador. Nada de monstros horrendos e bolhas gosmentas que se arrastam pelas ruas. Como bem observou Kim Newman, “o filme vê o horror num tio cortando a relva, numa banca de vegetais abandonada à beira da estrada, num bar quase vazio, numa mãe a pôr uma planta no parque do bebê, ou numa multidão reunida às 7:45 de uma manhã de sábado”. O horror está em não saber quem é a pessoa que vive do teu lado. É perturbador! A desconfiança é generalizada. O sono tornou-se ameaçador, pois desarma e vulnerabiliza os seres humanos. O pior dos pesadelos é não poder dormir (“Nigthmare on Elmstreet” retomou, em grande estilo, o tema do medo de dormir).


Um filme como esse, num momento conturbado como foi a década de 1950, daria margem para especulações e inúmeras interpretações que tentariam relacioná-lo às questões políticas e sociais da época. As vagens alienígenas foram vistas por alguns críticos como grave ameaça a “sociedade patriarcal hegemônica do homem branco”. As lutas étnicas, feministas e os movimentos sociais, representados pelos alienígenas, que, de uma maneira geral reivindicavam direitos iguais, ameaçavam o domínio da América branca e masculina. Para outros os pods, como critica da política nuclear dos Estados Unidos, representariam o medo dos efeitos da radiação, geradora de doenças e deformações físicas. A onda de filmes com temas catastróficos nos anos 50 foi relacionada à corrida atômica e a exploração do medo. A ficção científica expressaria nestes filmes o medo inconsciente da catástrofe atômica. Mas a interpretação mais recorrente é a que sustenta que “Invasion” é um filme anticomunista. De acordo com esta linha de interpretação, o filme faz, por meio de uma alegoria extraterrestre, uma apologia do macarthismo. A invasão alienígena subverteria a ordem e submeteria a América a uma forma de vida coletiva, estranha ao modo de vida americano representado pela pacata Santa Mirna. Os alienígenas se apossam dos corpos das pessoas e as transformam em criaturas sem emoção, embora mantenham a mesma aparência. Os seres humanos duplicados perdem a individualidade, adquirem uma nova consciência e organizam-se coletivamente. As vagens representariam as sementes da revolução que, plantadas numa pequena cidade americana, rapidamente se espalhariam pelo mundo. O comunismo, a ideia alienígena, chegaria assim, sorrateira e silenciosamente, dominaria o mundo, alienaria os indivíduos e os organizaria numa sociedade puramente racional, livre do sentimentalismo, das paixões e do irracionalismo, onde todos seriam iguais e não existiriam conflitos e problemas. O filme expressaria a visão que parte da sociedade norte americana tinha do comunismo: uma coletividade inimiga da individualidade, sem vontade própria, desprovida de sentimentos, mecânica, totalitária e sem alma. Os alienígenas comunistas, como corpos invasores, disfarçados de cidadãos comuns, poderiam ser qualquer pessoa, um pai, um irmão, um tio, um colega de trabalho, um vizinho.  Agentes de uma invasão alienígena, as duplicatas humanas conspiravam contra os valores americanos.


“Invasion” tornou-se um clássico não apenas pelo virtuosismo cinematográfico, mas por ser uma suposta metáfora do anticomunismo. Tonou-se símbolo de uma época.

A sugestão do filme, seguindo esta interpretação, estaria nas entrelinhas da trama: a sociedade norte-americana deveria se manter acordada e vigilante diante da ameaça silenciosa que a rondava. O sono, como metáfora da fragilidade, representaria o descuido e o relaxamento diante de um inimigo tenaz e persistente. Era preciso desconfiar de todos e manter a América alerta.


A interpretação é envolvente, sedutora e bastante plausível. Mas “Invasion” é isso mesmo? É um filme macarthista?

Num texto inspirado chamado “A imaginação do desastre”, de 1965, sobre os temas da ficção científica do pós Segunda Guerra, Susan Sontag argumentou que o cinema-catástrofe constituía uma estética que, por sua vez, repousava no gosto do público e no prazer da contemplação do desastre. As implicações políticas ficariam mais por conta das interpretações dos críticos do que das intenções dos cineastas. Não pretendo dizer que não existam relações entre os filmes apocalípticos dos anos 50 com a corrida atômica e o anticomunismo. Apenas chamo a atenção, com Sontag, que a “imaginação do desastre” é muito anterior à década de 1950, sobreviveu à guerra fria e hoje é um dos mais bem sucedidos e apreciados gêneros cinematográficos. Existe uma linhagem cinematográfica a qual o filme se filia que não pode ser negligenciada. A “imaginação do desastre” se mantém justamente porque adapta o gosto do público por tragédias apocalípticas aos medos de cada época. Mas daí a afirmar que “Invasion” é um filme macarthista vai uma grande diferença. O que o diretor do filme teria a dizer sobre isso? O filme de Don Sieguel é baseado no livro de Jack Finney, “The Body Snatchers”. Finney surpreendeu-se com as interpretações do seu livro, considerando-as exageradas. Disse que escreveu uma história de terror e ficção científica para divertir os leitores. A adaptação para o cinema não foi fiel ao livro. No livro, o Dr. Miles consegue derrotar os invasores incendiando a estufa onde as vagens se encontram e salva Santa Mira, e o mundo, da ameaça alienígena. No filme o final é bem diferente. A percepção ligeiramente descrente de Sieguel sobre a humanidade e o olhar crítico do roteirista Daniel Mainwaring sobre o momento político do país parece que foram decisivos para a adaptação do livro para as telas.


Numa entrevista, Sieguel disse que ele e a equipe com a qual trabalhou no filme consideravam que a maioria das pessoas leva uma vida vegetativa: “But let me repeat that all of us who worked on the film believed in what I said — that the majority of people in the world unfortunately are pods, existing without any intellectual aspirations and incapable of love.” E arrematou: “People are pods. Many of my associates are certainly pods. They have no feelings. They exist, breathe, sleep.” Creio que as declarações de Sieguel apontam para uma possibilidade de leitura mais filosófica e menos histórico-sociológica do filme, uma leitura que transcende o contexto imediato mas que não necessariamente o ignora.

Don Sieguel negou qualquer relação do filme com as questões relacionadas ao macarthismo. Se a intenção do diretor ao adaptar o livro de Finney não era fazer um filme anticomunista, o que autorizaria então essa interpretação? Acredito que ao analisar um filme devemos levar em conta as intenções dos seus realizadores. Desconsiderá-las é o caminho mais curto para o determinismo sociológico.

Não custa lembrar que “Invasion” também foi interpretado como um filme antimacarthista. Os alienígenas foram vistos como uma ameaça interna, uma metáfora das mudanças que colocavam em risco as liberdades constitucionais. O conservadorismo macarthista perseguia o indivíduo, e as liberdades individuais, e poderia gerar uma sociedade vegetativa (composta de pods), despersonalizada e acéfala. Dr. Miles, neste caso, simbolizaria a luta contra a uniformização e a defesa das liberdades individuais.

Tirando por um instante o foco do contexto social e político, para evitar determinismos, e examinando o filme pelo ângulo da estética, seguindo os comentários de Steven Sanders (The Philosophy of Science Fiction Film), veremos que “Invasion” é uma narrativa de ficção científica construída a partir dos elementos visuais e dramáticos dos filmes noir da época. É, por isso, um filme que vai além das questões políticas que marcaram a década de 1950. Segundo Sanders: “Its flashback structure with voice-over narration, unusually angled shots, scenes of claustrophobic darkness, crisply rendered dialogue, and sense of sinister purpose and impending doom are characteristics of films of the classic film noir cycle (1941–58).” Os elementos estéticos nos oferecem ângulos de observação que pontam para os modos de significação de um filme, que não o reduz a uma relação estreita com o ambiente social que o cerca.  

Chovendo no molhado, diria que examinar um filme como “Invasion” apenas pelo ângulo histórico e sociológico é tão empobrecedor quanto lê-lo exclusivamente pela perspectiva da estética noir ou do desastre. “Invasion” é um filme de ficção científica, concebido a partir dos cânones estéticos do filme noir. Não levar isso em conta é perder de vista os modos de significação de um filme. Mas como deixar de considerar o contexto no qual os elementos estéticos e narrativos do filme foram articulados? A historicidade de um filme está no diálogo que ele mantém com o seu presente de produção. Os filmes carregam as marcas de sua época e, em certa medida, vão além das intenções dos autores. Ok. Mas se levarmos a sério as declarações de Don Sieguel, “Invasion” não pode ser visto nem como um filme macarthista nem com a simples exploração estética do desastre. A invasão dos pods parece ser uma metáfora da vida vegetativa e sem emoções, da ausência de sentimentos, da frieza e do automatismo de todos os dias. Sieguel questiona a existência humana insubstancial, vivida no piloto automático. O contexto político, a histeria, as perseguições e delações, podem ter aguçado e radicalizado esta percepção. Parece-me, pelas declarações de Sieguel, que é esta a relação do filme com o macarthismo. Ponto. Ver no filme uma apologia do anticomunismo já é cair nos domínios da hiperinterpretação (é querer “achar pelo em ovo”). Mas, considerando que um filme muitas vezes vai além das intenções dos autores, será que Don Sieguel, sem querer, fez um filme anticomunista? Não creio.



O filme teve três remakes. Philip Kaufman refilmou em grande estilo em 1978. Em 1993 foi a vez de Abel Ferrara e em 2007 Oliver Hirschbiegel dirigiu a terceira versão. São bons filmes, especialmente o de Kaufman, mas nenhum deles chegou perto do clássico de 1956. O filme de Don Sieguel continua imbatível!

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

“CHÁVEZ NUESTRO QUE ESTÁS EN EL CIELO...”

“CHÁVEZ NUESTRO QUE ESTÁS EN EL CIELO...”




No encerramento da “I Oficina de Projeto de Sistema de Formação de Partido Socialista”, organizado pelo PSUV, foi lida uma oração em homenagem à Hugo Chávez. A oração, feita pela delegada do partido María Estrella Uribe, é uma versão chavista do Pai Nosso. A delegada pede a intervenção do santo para livrá-los das tentações do capitalismo e das maldades das oligarquias.

A adoração de Chávez como santo começou logo depois de sua morte. Hoje existe um culto à sua figura estabelecido na Venezuela e a exploração partidária da piedade popular.



Maduro, que não perde oportunidade para glorificar o santo de sua devoção, disse que Chávez é a única resposta: “Quando nos perguntamos que valores devemos formar e quando nos perguntamos onde devemos formar esses valores, há apenas uma resposta: devemos nos formar nos valores de Chávez, no combate diário na rua, criando, construindo revolução, fazendo revolução”.

Quando as respostas não são encontradas na terra, pede-se ajuda aos céus. Chávez tomou o lugar de deus no céu, e Maduro, seu intérprete privilegiado, junto com o PSUV, o partido-igreja da religião chavista, iluminam a marcha da “revolução” na terra.





Imagem de Chávez ao lado da imagem de Jesus.






Oração completa:

“Chávez nuestro que estás en el cielo, en la tierra, en el mar y en nosotros, los y las delegadas
Santificado sea tu nombre
Venga a nosotros tu legado para llevarlo a los pueblos de aquí y de allá 
Danos tu luz para que nos guíe cada día
No nos dejes caer en la tentación del capitalismo
Mas líbranos de la maldad y de la oligarquía ("como del delito del contrabando")
Porque de nosotros y nosotros es la patria, la paz y la vida
Por los siglos de los siglos, amén
¡Viva Chávez!”

Link para assistir a leitura da oração:
http://www.infobae.com/2014/09/01/1591784-chavez-nuestro-que-estas-los-cielos-la-nueva-plegaria-del-psuv

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A FILHA DO DITADOR VOTOU NÃO: MARIELA CASTRO QUEBROU A UNANIMIDADE HISTÓRICA DA ASSEMBLEIA CUBANA (SÓ QUE NÃO).

A FILHA DO DITADOR VOTOU NÃO: MARIELA CASTRO QUEBROU A UNANIMIDADE HISTÓRICA DA ASSEMBLEIA CUBANA (SÓ QUE NÃO).



A notícia de que pela primeira vez em 40 anos um deputado discordou de uma lei em Cuba chegou ao Brasil com seis meses de atraso. O caso ocorreu em dezembro passado. A deputada Mariela Castro, filha de Raúl Castro, sobrinha de Fidel, e diretora do CENESEX, o Centro Nacional de Educação Sexual, posicionou-se contra a novo código trabalhista que proibia a discriminação no trabalho com base em gênero, etnia e orientação sexual.  A deputada considerou que a lei não evitava a discriminação contra pessoas com HIV e com identidades de gênero não convencionais. "Eu não poderia votar a favor, sem a certeza de que os direitos trabalhistas das pessoas com identidade de gênero diferente seria explicitamente reconhecido", disse Mariela numa entrevista no blog de Francisco Rodriguez, ativista gay e pró-regime. A intervenção da deputada foi, do meu ponto de vista, corretíssima. Apoiado! Mas cá entre nós, o tema apreciado pela Assembleia estava longe de ser um daqueles “calcanhares de Aquiles” políticos do regime. E todos sabem em Cuba que a deputada CASTRO é a maestra que comanda o show quando o assunto é gênero, orientação sexual e temas a fins. Ousadia política de verdade seria um deputado de fora do clã se levantar e questionar a posição da sobrinha do comandante.

A Assembleia Nacional cubana, composta por 612 deputados, reúne-se duas vezes por ano para aprovar leis. Nas últimas décadas as votações foram sempre unânimes (Daqui a pouco aparece alguém dizendo que a unanimidade é sinal de que o povo cubano, através da Assembleia Nacional, manifesta apoio incondicional ao regime). Mariela Castro, a filha do homem que herdou o comando da ilha por linhagem familiar, foi a primeira a quebrar a unanimidade histórica. A notícia correu o mundo e a atitude da deputada foi, por muitos, considerada revolucionária. Será? Se o voto contrário tivesse partido de um deputado qualquer, sem laços sanguíneos com o comando do regime, eu concordaria que alguma coisa está acontecendo por lá. Mas Mariela? Ela é a voz oficial do regime na área da sexualidade. Viaja com regularidade aos Estados Unidos e ninguém a acusa de simpatizar com os ianques. Declarou numa entrevista que votaria em Obama, elogiou o posicionamento do presidente americano a favor do casamento gay, e nenhum órgão oficial a censurou. A deputada CASTRO goza de privilégios, organiza passeatas oficias pelas ruas de Havana em defesa da causa LGTB e não é perturbada pela vigilância política. Sua atuação e militância conferem uma falsa ideia de participação e liberdade de expressão (O regime agradece). No entanto, a deputada, que luta pelo direito dos gays, não se manifesta em relação à discriminação política e a posição oficial de Cuba no plano internacional sobre orientação sexual. Em 2013 a delegação cubana nas Nações Unidas votou junto com outras 77 delegações que consideram a homossexualidade um “delito” em suas legislações, sendo que em cinco delas o “crime” é punido com pena de morte. A posição de Cuba da ONU contraria a decisão do partido comunista de 2012 que, num congresso extraordinário, concordou em acabar com qualquer tipo e discriminação na ilha. A CENESEX silenciou diante da postura oficial de Cuba. Nenhuma nota, nenhum pronunciamento do Centro, nem de sua presidente.

O não de Mariela na Assembleia Nacional soa quase como um capricho da filha do ditador. Ao invés de celebrar o primeiro voto de desacordo, prefiro lembrar os silêncios e as omissões da deputada CASTRO. Acredito que a “luta” de Mariela contra a discriminação sexual é importante, mas não podemos esquecer que ela fala de dentro do regime, da varanda da mansão dos Castro.

Observadas todas as ressalvas, Mariela Castro lembra Marina Silva: fala do “novo”, anuncia a “nova política”, e anda de braços com o que de mais velho e viciado existe na política nacional.  

Na foto, lá em cima, Mariela desfila a causa contra a homofobia pelas ruas de Havana. Ao fundo, a imagem do herói nacional que foi, em vida, um dos mais agressivos perseguidores dos gays no processo de construção do socialismo em Cuba.




segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A UNIÃO DO SOCIALISMO COM O SETOR FINANCEIRO NA CHAPA MESSIÂNICA DE MARINA SILVA.

A UNIÃO DO SOCIALISMO COM O SETOR FINANCEIRO NA CHAPA MESSIÂNICA DE MARINA SILVA.


Não deveríamos nos surpreender com arranjos e alianças políticas insólitas no Brasil. Depois que o Amin se aliou ao Lula em Santa Catarina, o PT se juntou a Maluf em São Paulo e os Bornhausen, pai e filho, se filiaram ao Partido Socialista Brasileiro, o que mais poderia nos causar espanto? A fusão do socialismo com o setor bancário para eleger uma candidata eco-evangélica? Pois então!

Não deveríamos nos surpreender, mas como não estranhar a composição política inaudita e os enormes contrastes entre as figuras que comandam a candidatura de Marina Silva?

Duas mulheres divergentes estão por trás da singular candidatura. De um lado, Luiza Erundina, o lado socialista do PSB, comandando a campanha de Marina desde quinta feira (21), de outro, a bilionária Maria Alice Setubal, sócia herdeira do Itaú. Que carisma é este o da Marina, capaz de promover a união da socialista com a bilionária? Erundina, em entrevista em 2013, disse que Marina deseduca politicamente a sociedade. Na entrevista, afirmou que o boato de que ela migraria para a Rede era falso, pois sua opção era pelo socialismo e a Rede apontava para outra direção. Agora Erundina é a coordenadora da campanha. Maria Alice é a fada madrinha, que capta recursos para a Rede Sustentabilidade e, das entranhas do setor financeiro, fala, por Marina, na autonomia do Banco Central. Como equacionar, num eventual governo, incompatibilidades tão acentuadas? Isso sem falar na difícil conciliação da vertente socialista do PSB com a visão liberal de Eduardo Giannetti e o ideal político dos “sonháticos” da Rede. Marina, que nega a política e os partidos (não lembra Collor e Jânio?), fundou a Rede. Mas parece que na rede de Marina, caiu, é peixe. Banqueiras, socialistas, evangélicos, ecologistas e peixes de outras águas (águas oligárquicas catarinenses) se acotovelam na Rede de Marina. Antes de se constituir como alternativa aos partidos e à política (o senso comum de Marina Silva), o significado mais profundo da Rede é exatamente este. Tubarões do sistema financeiro, peixes graúdos da velha política, peixes pequenos desgarrados dos cardumes históricos da esquerda, oportunistas em geral, a Rede abriga a todos.

Marilena Chauí fez malabarismos teóricos para justificar a aproximação do PT com Maluf em São Paulo para a eleição de Haddad (Erundina recusou ser vice de Haddad por não aceitar a aliança com Maluf). Marina Silva tem na sua base de apoio alguém com a estatura teórica de Chauí para encontrar uma boa explicação para reunir o socialismo convicto de Erundina com a veia financeira de Maria Alice em defesa de sua candidatura? Talvez a carismática Marina, do alto do seu senso comum, diga que o casamento “providencial” entre o socialismo e o setor bancário signifique que todos, em comunhão, devem estar juntos pelo Brasil.

Os correligionários da Rede chamam Marina de “a missionária”. Será que a missão da presidenciável é justamente harmonizar misticamente os ideais do socialismo com a economia de mercado, costurada pela sustentabilidade, como via para a utopia pós-partidária?

E quem não acredita na “providência divina”? A realpolitik mais cedo ou mais tarde vai cobrar a conta.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

“GUERRA MUNDIAL Z”: O COLAPSO DO SISTEMA INTERNACIONAL E O ELOGIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.

“GUERRA MUNDIAL Z”: O COLAPSO DO SISTEMA INTERNACIONAL E O ELOGIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.


Que tipo de ameaça poderia provocar uma catástrofe global capaz de derrubar os alicerces do sistema internacional e mergulhar o mundo no mais completo caos social? Sistema internacional, conceito fundamental para compreender o funcionamento e a dinâmica das relações internacionais, traduz um conjunto de relações e interações entre os atores que o compõe – estados, organizações internacionais, corporações, etc. - e supõe que as ações destes atores repercutem e definem os contornos do ambiente em que atuam. Pressupõe, no meu entendimento, um arranjo histórico, sempre provisório e dinâmico, diferentemente da abordagem tradicional, de linhagem positivista, que supõe o sistema internacional como uma entidade plana e a-histórica, que desde Vestefália, o mito de origem, manteria suas estruturas intactas e imóveis. O arranjo é provisório, o que não quer dizer frágil ou instável, e assume distintas formas históricas. As guerras, mesmo as mais devastadoras, não foram capazes de abalar as bases deste arranjo. A implosão do sistema internacional implicaria, hipoteticamente, na destruição dos seus atores, sobretudo os estados. Haveria um fenômeno capaz de tamanha façanha?

O denominado cinema-catástrofe já explorou este tema e sugeriu, no plano da ficção, diferentes formas possíveis de destruição do mundo. De meteoritos desgarrados a mudanças climáticas extremas, de invasões extraterrestres a epidemias devastadoras, o fim do mundo inspira a imaginação cinematográfica desde a criação do cinema. O gênero cinema-catástrofe se consolidou como estética do cinema americano na década de 1950, na aurora da guerra fria. Susan Sontag, num ensaio inspirado chamado “A imaginação do desastre”, identificou a emergência deste gênero nos filmes B, que exploravam o tema da destruição do mundo pela ação de alienígenas, monstros, animais gigantescos, etc. “Guerra dos Mundos”, dirigido por Byron Haskin em 1953, é um dos melhores exemplos desta safra cinematográfica. Quase sempre, e “Guerra dos Mundos” não é uma exceção, o caos apocalíptico que ameaça tomar o mundo de assalto é evitado por algum tipo de redenção ou manobra astuta de algum(s) indivíduo(s), que também se redime. A mensagem é sempre a mesma: cuidem do mundo que temos, cuidem das pessoas, um dia o mundo que construímos pode desmoronar.

 Guerra Mundial Z, blockbuster inspirado no romance homônimo de Max Brooks, é a mais recente investida cinematográfica na poderosa e lucrativa indústria da catástrofe. O filme, dirigido por Marc Forster, retoma o tema do apocalipse zumbi, de George Romero, e consagrado em filmes como The Walking Dead e Resident Evil, e o explora em escala planetária. Uma pandemia de zumbis, de origem desconhecida, se espalha velozmente pelo mundo dizimando populações inteiras. A humanidade aterrorizada, atomizada e lutando contra o que desconhece, trava uma “guerra mundial” pela própria sobrevivência.

Embora as guerras sejam diferentes quanto às motivações e as técnicas empregadas para dar combate ao inimigo, elas eram, até então, situações de beligerância entre estados. Mesmo a “guerra ao terror”, declarada contra um inimigo opaco, sem base territorial definida e que atua em rede no mundo, foi declarada por um estado, e resultou na invasão territorial de um país. Nas piores guerras, o mundo manteve-se de pé e o sistema internacional, mesmo abalado, conservou suas estruturas e instituições. A “Guerra Mundial Z” traz um novo conceito de guerra. Não é uma guerra convencional, entre estados, ou uma guerra entre grupos humanos. Não é uma guerra econômica, estratégica ou uma disputa por territórios. É uma guerra pela civilização, pela sobrevivência da humanidade. O mundo como nós o conhecemos veio abaixo e os vivos lutam contra os mortos.

No filme, o sistema internacional ruiu na velocidade do avanço da pandemia. No plano interno, as instituições desabaram, as famílias foram dizimadas, os governos sucumbiram, a polícia desapareceu. O caos tomou conta das cidades e as pessoas correm desesperadas em busca de um refúgio. No plano externo, os estados, as instituições e as organizações desapareceram e, com eles, as relações internacionais. O que restou da ordem anterior sobrevive apenas nas intenções e valores internalizados pelos indivíduos.

Em meio ao caos e a falência do sistema internacional, algumas organizações – ONU e OMS - e parte da Marinha dos Estados Unidos, conseguiram manter uma estrutura mínima de funcionamento que permite mobilizar recursos (porta-aviões, aviões, helicópteros, laboratórios e algum prestígio) para encontrar um meio de deter a zumbificação do mundo.  A ONU, ou o que restou dela, organiza uma missão para localizar o lugar onde o surto supostamente começou para tentar encontrar respostas. O ex-agente Gerry Lane (Brad Pitt), especialista em trabalhos perigosos em regiões de conflito, é incumbido da missão. Mesmo com o mundo desabando Gerry, que se apresenta como funcionário da ONU, ainda consegue se valer do prestígio da instituição para realizar as investigações. A autoridade das Nações Unidas é reconhecida em três momentos chaves no filme. Logo na chegada a Corei do Norte, onde possivelmente tudo teria começado, Gerry diz quem é e a que veio e, apesar da zombaria de alguns militares, consegue o apoio que precisa para iniciar os trabalhos de reconhecimento das vítimas. Mais tarde, ao sair às pressas de Israel num voo com outro destino, consegue mudar a trajetória do avião ao colocar o piloto em contato com o vice-presidente da ONU, Thierry Umotoni (Fana Mokoena). Por fim, ao chegar à Escócia, em busca de um laboratório da OMS (Organização Mundial da Saúde, agência especializada em saúde e subordinada às Nações Unidas), obtém a colaboração da equipe de cientistas para testar uma hipótese.

A trama toda gira em torno da odisseia de Gerry em busca de respostas. Da Filadélfia, onde vive com a família, o herói voa para a Coréia do Norte, para Israel e Escócia, sob a bandeira das Nações Unidas. A odisseia global do herói da ONU, que luta contra o tempo, alimenta duas expectativas: encontrar a cura para a praga zumbi e o reencontro com a família. Hollywoodianamente, o filme não frustra as expectativas.


Em “Guerra Mundial Z” a defesa da humanidade contra o apocalipse e a barbárie não está nas mãos dos militares, nem no poder das armas.  Embora a Marinha dos Estados Unidos ofereça toda a logística para a missão da ONU, a esperança do mundo está nas organizações internacionais que, neste momento em que os estados desmoronaram e as forças armadas perderam a articulação e a capacidade de mobilizar recursos de poder, assumem o papel de atores principais.  ONU e OMS, no filme, aparecem como pontos de luz na tenebrosa noite que se abate sobre o mundo. São signos de estabilidade no mundo que desmorona. As organizações, representadas pelas personagens principias, assumem o protagonismo. Às forças armadas é reservado um papel secundário, de apoio à ação do ator central.

Do ponto de vista das Relações Internacionais, o filme, que parece fazer uma aposta nas organizações internacionais e na cooperação para resolver catástrofes mundiais, poderia ser lido como um elogio à ação das organizações e da sua capacidade de articulação de interesses em prol de uma causa global. O apocalipse zumbi, neste caso, é uma metáfora sobre o valor das organizações internacionais, e o triunfo da cooperação, para evitar o colapso do sistema internacional. O funcionário da ONU, valendo-se de toda experiência adquirida em regiões de conflito, e de uma peculiar capacidade de observação, descobriu um tipo de camuflagem, inoculando o vírus de uma doença, para passar despercebido pelos zumbis. A descoberta resultou numa possibilidade de vacina. Sintetizada a vacina, a ONU encarregou-se da missão de distribuí-la mundo afora. O mundo foi salvo de ser devorado num banquete global de zumbis (poderosa metáfora) e pode sonhar com um recomeço graças aos esforços das Nações Unidas e a ação extraordinária do herói não-estatal (piada interna).


A Metáfora Zumbi à Serviço da ONU?

A metáfora zumbi, que já foi empregada para denunciar o consumismo, a violência racial e a concentração de poder das grandes corporações internacionais, desta vez foi acionada para fazer um elogio rasgado à ONU e o panegírico do herói solitário que corre o mundo em busca de uma resposta/cura para a pandemia de zumbis. Brad Pitt, na pele de um ex-funcionário das Nações Unidas, apoiado pelo vice-presidente da organização e pelo que restou da marinha americana, combinam esforços para salvar o mundo do apocalipse. As organizações internacionais são a gota de esperança da humanidade.

É difícil assistir ao filme e não associá-lo as escolhas políticas e a militância internacional em causas humanitárias de Brad Pitt junto as Nações Unidas nos últimos anos. Brad Pitt, um dos produtores do filme, é também, ao lado de sua mulher (Angelina Jolie é Embaixadora da Boa Vontade), um ativista internacional ligado a ONU. Juntos, visitam campos de refugiados em vários países e atuam em diversas missões humanitárias ao redor do mundo.
 “Guerra Mundial Z” traduziria cinematograficamente as opções políticas recentes do ator Brad Pitt?


A Estética Zumbi Higienizada.

“Guerra Mundial Z” esta longe de ser, ou de vir a ser, um filme clássico de zumbis, mas trouxe algumas novidades para dar novo fôlego ao gênero. É um filme de zumbi turbinado, acelerado. Cinematograficamente, Marc Forster abusa das tomadas aéreas a dos grandes planos, para demonstrar a dimensão colossal da catástrofe. E funciona muito bem. Os planos gigantes se alternam com uma montagem vertiginosa, com cortes rápidos e precisos, fechados, que imprimem velocidade ao filme.  A câmera rápida e ágil nos leva junto na correria e no ritmo frenético da narrativa. A excelente sequência inicial é de prender a respiração e se segurar na cadeira. Os zumbis de Marc Forster, diferentemente dos mortos lentos e cambaleantes, correm alucinadamente e realizam acrobacias coletivas extraordinárias, como escalar um gigantesco muro em Jerusalém.


Esqueçam as sequências de mortos-vivos esfomeados devorando restos humanos. Esqueçam as cenas sanguinolentas e o terror explícito. Em “Guerra Mundial Z” o gore e o splatter não tem vez. O terror característico, as mordidas dilacerantes e as cenas fortes dos filmes do (sub)gênero foram suprimidas. Fica tudo subentendido no extracampo. O motivo: aliviar na mordida e no excesso de sangue para atrair os menos afeitos ao terror e atingir faixas etárias mais susceptíveis a cenas chocantes? O resultado é um filme clean, esteticamente asséptico e higienizado, que investe num terror bem comportado – um thriller de suspense na verdade - e suaviza nas mordidas. Mesmo assim, os zumbis de Forster são assustadores, especialmente quando filmados de perto, como nas sequências no laboratório da OMS.






sexta-feira, 1 de agosto de 2014

MIKHAIL BAKUNIN É PROCURADO PELA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO.

MIKHAIL BAKUNIN É PROCURADO PELA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO.


Algumas figuras, mesmo mortas, continuam a perturbar a harmonia comtiana da ordem e a sagrada paz social.  

138 anos depois de sua morte, o anarquista russo Mikhail Bakunin é indiciado pela polícia civil do Rio de Janeiro por suspeita de atividades criminosas durante a Copa do Mundo. Bakunin foi citado numa conversa telefônica por um manifestante, interceptada pela polícia, e imediatamente passou a figurar como “potencial suspeito” no inquérito que responsabiliza 23 ativistas por atos violentos (Folha de São Paulo: 18/07/2014). A polícia espera prendê-lo nas próximas horas.

Bakunin passa a compor agora a seleta e curiosa lista de “filósofos” fichados depois de mortos pela polícia brasileira. Nos tempos da ditadura o temido Departamento de Ordem Política e Social (Dops) tinha entre os fichados, acreditem!, o filósofo Sócrates e Karl Marx. A brutalidade dos órgãos repressores da ditadura só rivalizava mesmo com a ignorância que também os distinguia. O Departamento chefiado pelo famigerado Fleury perseguia obstinadamente os grupos de esquerda, mas era incapaz de reconhecer os autores que inspiravam a luta do “inimigo”. Combatiam nas trevas da ignorância (uso invertido da expressão de Jacob Gorender). Parece que a polícia carioca sofre do mesmo problema. O Dops foi extinto em 1983, mas as práticas de repressão, espionagem, infiltração nos movimentos sociais, o monitoramento de suspeitos e a prisão das lideranças ficaram como tristes legados para a cultura policial brasileira. Continuamos a tratar as questões sociais, mesmo sob a batuta de um governo de esquerda, como casos de polícia.

A polícia civil do Rio de Janeiro não herdou apenas o antigo prédio do Dops. Atuando à moda Dops, repressora e comicamente despreparada, escancara continuidades obscuras que atentam contra a democracia e revelam a impressionante desinformação, ou má formação, dos agentes. Os policiais são obrigados a conhecer Bakunin? Claro que não. Mas se a polícia esta investigando grupos que se declaram anarquistas, não caberia a Coordenadoria de Informação e Inteligência Policial (CINPOL), oferecer aos investigadores informações sobre o movimento e a cultura geral que informa os manifestantes? Não quero com isso sugerir que a polícia deva se especializar na repressão aos movimentos sociais, às manifestações políticas e na caça aos ativistas. Estou questionando a capacidade da polícia de lidar com manifestações de caráter político.

Não custa informar à desavisada polícia carioca que Bakunin, perseguido pelas polícias saxônica, prussiana, russa e austríaca, foi preso em 1849 pela destacada participação nos levantes de Leipzig e Dresden em 1848. Ficou atrás das grades treze meses antes de ser condenado à prisão perpétua. Depois de alguns anos foi enviado para a Rússia, que reclamava sua deportação. Não custa também lembrar à polícia civil que Bakunin escreveu na prisão uma espirituosa “confissão”, e enviou ao imperador. Dizia assim: “Você quer a minha confissão; mas você precisa saber que um criminoso penitente não é obrigado a implicar ou revelar as ações de outrem. Guardo apenas a honra e a consciência de que jamais traí quem quer que tivesse confiado em mim, e é por esse motivo que não lhe entregarei nenhum nome.” Se a intenção da polícia é prender Bakunin para ele revelar os nomes das pessoas que financiaram ou estimularam os protestos, é bom ler com atenção a “confissão”.

Em 1857 o Czar decidiu banir Bakunin e mandá-lo para os distantes campos de trabalho forçado da Sibéria. Não por muito tempo. Bakunin fugiu da prisão e se lançou numa viagem de contornos épicos, embalada por genuíno espírito revolucionário, pelo Japão, Estados Unidos, até chegar a Londres, onde retomou as lutas. Daí até a sua morte, em 1876, dedicou-se as causas libertárias na Itália, Inglaterra, França e Suíça, e ainda teve disposição, apesar do cansaço e da pobreza que o rondava, para enfrentar os marxistas na Primeira Internacional (Bakunin foi expulso da AIT em 1872, no Congresso de Haia, pelos marxistas). Quatro anos mais tarde, ano de sua morte, a AIT foi dissolvida.



Depois de perseguido em vida pelas polícias europeias, de passar anos duríssimos na prisão, nos campos de trabalho forçado na Sibéria e de ser expulso da AIT pelas manobras autoritárias dos marxistas, Bakunin é agora perseguido pela polícia carioca e citado em conversas de ativistas mimados (e autoritários). A memória do anarquista russo não merecia tamanhos maus-tratos.

Depois dessa, o que mais podemos esperar? A contratação de um médium para interrogar o anarquista no céu? O médium, quem sabe, faria um contato com o espírito de Fleury que, na sua melhor especialidade, torturaria a alma de Bakunin até ela confessar que esteve nas manifestações contra a Copa do Mundo.  De Fleury e da polícia eu não duvido nada. A dificuldade seria encontrar a alma do anarquista. Adianta explicar para a polícia que Bakunin era ateu?

Sugestão para a polícia carioca: criar o Departamento de Investigação de Assuntos do Além, comandado por agentes mediúnicos e auxiliado por tecnologias ectoplasmáticas. Seria mais uma, entre tantas fantasmagorias, que povoam o universo policial brasileiro.