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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

ESTÔMAGO DE URUBU

ESTÔMAGO DE URUBU




Para quem tem estômago de Urubu, o cardápio político dos últimos dias desfilou iguarias (carcaças requintadas para paladares de esgoto).

Em três tempos.

1. O MACARRÃO dos companheiros.

Ontem de manhã sentei para ler as notícias e me deparei com a seguinte matéria: “Delúbio Soares assume toda a culpa e nega mensalão”. O que pensar? Simples: Delúbio esta fazendo pelo PT (Zé Dirceu, José Genuíno e outros) o que o goleiro Bruno pediu (naquela carta interceptada pelo agente carcerário) que Macarrão fizesse por ele. Ou seja, Delúbio está para Dirceu e Genuíno assim como Macarrão está para Bruno. Não seria prazeroso imaginá-los juntos na mesma penitenciaria? Pensando bem, não seria uma ideia tão boa assim. Poderia potencializar o lado sombrio de cada um. Os “companheiros” (não meus) tentariam aparelhar a penitenciária, criariam um governo paralelo lá de dentro e, com ajuda do goleiro e do seu fiel escudeiro, ocultariam as evidências do crime. Os “companheiros” são amadores neste negócio de ocultação das evidências. O mensalão (ou como queiram chamar o monstrengo) é o cadáver insepulto maios famoso, e teimoso, da história recente da República. O corpo está exposto, mas insiste-se em negá-lo. O outro cadáver, ao que tudo indica, jamais será encontrado. Bruno e Macarrão não brincam de esconder dinheiro na cueca!
- Será que Delúbio esconde uma tatuagem prometendo “amor eterno”?

2. Que saudades de Ruth Cardoso.



No último domingo, Rosane Collor (sim, ela ainda carrega o sobrenome do homem a quem pretende desmascarar) apareceu no fantástico fazendo “revelações inéditas” sobre o ex-marido e ex-presidente, nos tempos da Casa da Dinda. O ponto alto de uma série de afrontas que a agora convertida Rosane fez a inteligência nacional foi se queixar da pensão de 18 mil reais que ganha do ex-marido. Ela ambiciona 40 mil. Disse que esta escrevendo um livro que promete revelações ainda mais bombásticas. E afirmou que Collor (que hoje ataca a imprensa e serra fileira com o PT no Senado Federal) teme a publicação do livro. Ficou no ar a atmosfera de chantagem, da ex-mulher insatisfeita com a pensão e que promete jogar M no ventilador. A cara de pau da ex-primeira dama é de fazer cupim corar! A entrevista com Rosane foi exibida na Globo, a mesma emissora que tirou Collor do anonimato e o transformou num fenômeno político nacional, apresentando-o como o “caçador de marajás”. E a entrevista com Rosane foi conduzida num tom crítico ao passado recente, como se a emissora não tivesse nada a ver com a eleição de Collor. Cinicamente, a Globo lavou as mãos.... e jogou a água na nossa cara. Hoje, Collor ataca em outra frente. De caçador de marajás, e inimigo número um da esquerda, converteu-se ao Lulismo e tornou-se o paladino da moralização da imprensa no Brasil. Está por trás do movimento que pretende regulamentar a mídia e ataca a Revista Veja, que o enaltecia até momentos antes do escândalo que o isolou, com a fúria característica do revanchismo. Criador e criatura travam batalha sórdida sobre o corpo inerte de nossa frágil democracia. 
E esse negócio de conversão está mesmo na moda, repararam? Rosane virou “crente”, Suzane Von Richthofen virou pastora evangélica, Collor converteu-se ao Lulismo. Cada um adere à religião que melhor lhe convier. Mas estes novos crentes são nômades e infiéis. Pulam de igreja, como macacos que pulam de galho em galho (sem, é claro, a elegância dos bichos). Essas “igrejas”, sem teologia e sem filtros, são esconderijos passageiros para parasitas e bandidos em fim de carreira. Collor é um Lulista recém-convertido. Era um zumbi político que vagava pelos corredores do Senado em busca de sua própria alma. Os “companheiros” estenderam a mão e o desalmado viu na estrela que antes repudiava a guia para o seu retorno à vida política. Converteu-se. E como todo recém-convertido, esforça-se para demonstrar lealdade aos novos “companheiros” de credo, com indisfarçáveis ares de fanatismo. E perto dos “companheiros”, sejamos honestos, é um amador no que se refere ao uso – e abuso – do poder. Mas a cara de pau da ex-primeira dama não é nada perto da sede de vingança de Collor e do pragmatismo do PT (e nem vou falar da aliança com Maluf). Collor se alia aO PARTIDO, por oportunismo, e para atacar quem o derrubou. E O PARTIDO se alia a Collor como estratégia de poder contra ...... contra quem mesmo? Contra as oligarquias? Contra a direita? Contra a mídia? Hummmmm.
- Estou começando a achar que a conversão da Rosane foi sincera! 


3. Um dia caçador ...



E na semana passada foi o Demóstenes que deu adeus ao Senado e tornou-se inelegível até 2027 (Mas não se enganem. Quando Collor tornou-se inelegível por 8 anos, parecia que era a morte política dele. E olha onde ele está). Mas tão logo deixou o Senado, Demóstenes voltou a ocupar (não confundir com Occupy) o antigo cargo de Procurador de Justiça, na área criminal, em Goiás. Ou seja, o Senador, caçador de corruptos que se notabilizou no senado por discursos moralistas e juízos implacáveis sobre seus adversários, foi caçado por quebra de decoro parlamentar. Nesta quinta feira (re)assume a antiga função, com salário de 24 mil mensais (6 mil a mais que Rosane), e volta a ser o caçador (já que sua função é conduzir inquéritos criminais e denunciar organizações criminosas). Coisas da nossa singular República, que testemunhou o PFL brotar das entranhas da ARENA e depois converter-se no DEM (do Democrata Demóstenes).
O Senado, presidido pelo Sarney (o coronel ilustrado e metido a fazedor de versos), votando a cassação do Demóstenes foi realmente para quem tem estômago de urubu. Demóstenes teve o que mereceu, e o Senado não fez mais do que a obrigação, mas alguma coisa não cheirava bem. Os senadores caçavam o seu par, mas o faziam como se tivessem um cadáver escondido entre os dentes. Parecia aquela situação em que os presos de uma penitenciária se revoltam e tentam expulsar um criminoso que acabou de chegar, acusado de estupro. A moral dos presos (assassinos, ladrões, sequestradores) não lhes permite conviver com estupradores. Demóstenes foi despejado. Mas o tráfico de influências ligado à figura de Cachoeira ainda esta longe de ser esclarecido. Ainda faltam o Marconi Pirilo (PSDB) e o Agnelo Queiroz (PT) se explicarem. O primeiro, cada vez mais exposto, o segundo, cada vez mais blindado. De uma coisa o PT pode estar certo, já não se faz mais oposição como antigamente. A liderança mais articulada e aguda que O Partido conheceu, caiu. Demóstenes discursando para um Senado surdo e vazio, num misto de auto-piedade e ameaças veladas aos seus pares, foi o último suspiro da oposição. Já vai tarde Demóstenes. Apague a luz, e pague a conta. 
Ei, Demóstenes, deixe as lâmpadas.

Escrito em agosto de 2012.

QUANDO O FUTEBOL DE PRIMEIRA CATEGORIA VIRA REFÉM DO POPULISMO DE QUINTA.



QUANDO O FUTEBOL DE PRIMEIRA CATEGORIA VIRA REFÉM DO POPULISMO DE QUINTA.

Lendo alguns jornais argentinos agora pela manhã, me dei conta de algumas coisas...

Existe um denominador comum entre a crise interna do futebol argentino, a transferência do jogo contra o Brasil para Resistência, a subvalorização dos times e jogadores locais, e a consequente convocação dos jogadores argentinos que jogam no Brasil (no caso do meu time, o Guiñazú)?
UMA PISTA: Jorge Capitanichv, homem forte do partido justicialista, governador da Província do Chaco e aliado de Cristina Kirchner, é presidente do Sarmiento, principal clube de Resistência, que joga na quarta divisão do futebol argentino.

O DENOMINADOR COMUM é a tresloucada política de Cristina Kirchner, que pretende interferir em todos os setores da vida dos argentinos. O que devem usar, o que devem ler, onde jogar....tudo tem que passar pelo crivo justicialista da presidenta. Numa típica jogada bonapartista, Kirschner tentou recentemente retomar a discussão sobre as Malvinas. E agora sobrou para o futebol. A resistência do Estádio Centenário não aguentou. Os argentinos aguentarão?

Escrito em outubro de 2012.

O BOLÍVAR DE MARX: política, marxismo bolivariano e outros delírios sul-americanos.



O BOLÍVAR DE MARX: política, marxismo bolivariano e outros delírios sul-americanos.




 Meus amigos “marxistas bolivarianos” que me perdoem, mas preciso dizer: Marx destruiu Bolívar. E não entendam isso como um deboche ou uma interpelação liberal. Sigo apenas o conselho ácido do mestre Antonin Artaud de que é preciso usar Rembrandt como tábua de passar roupa. Submeter as obras primas, os heróis e as grandes causas sociais ao efeito iconoclástico do riso é, à maneira de Artaud, uma forma de testar sua profundidade.

Ao contrário de certo “Guia Politicamente Incorreto da América Latina”, minha intenção não é desacreditar Bolívar para atacar indiretamente o socialismo bolivariano. Também não é minha intenção tomar o que Marx escreveu como medida para avaliar o legado de Bolívar. Estou apenas metendo minha colher no fervilhante caldeirão latino-americano para “engrossar o caldo”. A nova fase do MERCOSUL, apimentada pelo ingresso dos marxistas bolivarianos, não pode, afinal, passar em “brancas nuvens”. Vem tempestade por aí. 

Vamos ao ponto.

A “revolução bolivariana” comandada por Hugo Chávez pode ser definida, como já o fizeram, como o “marxismo bolivariano do século XXI”. Trata-se de uma ambiciosa fusão do pensamento de Karl Marx com o ideário de Simón Bolívar. Dois gigantes do passado reunidos, sem o consentimento deles, pela causa da libertação sul americana. Não há dúvidas de que seria um arranjo teórico-político no mínimo ousado (a la Mariátegui), não fosse o anacronismo galopante e o péssimo juízo que Marx fazia de Bolívar. 

No final do século XX e no limiar do XXI o nome de Bolívar (re)apareceu no vocabulário político sul americano associado a auto-proclamada “revolução bolivariana”. Os bolivarianos se apresentam como herdeiros das lutas de independência e reivindicam o ideal de Bolívar da grande pátria de língua espanhola na América Meridional. O ideal de Bolívar, depurado, genérico e descontextualizado, virou estandarte do movimento capitaneado por Chávez. É no mínimo curioso que um movimento identificado como de esquerda e que encarna ideais socialistas busque no passado como referência simbólica um pensador e escritor liberal. Trata-se de uma apropriação seletiva e depurada do ideário de Bolívar. Não acredito que alguém ainda leve a sério a ideia de uma união latino-americana, esboçada por Bolívar na “carta da Jamaica” em 1815. Bolívar baseava-se numa vaga noção de identidade sul-americana ao escrever que: "já que tem uma só origem, uma só língua, mesmos costumes e uma só religião, devendo, por conseguinte ter um só governo que confederasse os diferentes Estados que haverão de se formar." As diferenças, ao que parece, eram muito mais fortes e atuantes do que estas semelhanças herdadas do passado colonial. Quinze anos depois, o próprio Bolívar, na famosa carta ao general Juan José Flores, abandonou a ideia.

Como não vejo aproximações possíveis entre o pensamento de Bolívar e a causa bolivariana, a explicação mais razoável, considerando para quem se direcionam os discursos bolivarianos, está no peso simbólico e no significado histórico de Bolívar para a América do Sul. A envergadura do herói e o consenso em torno de seu nome conferem legitimidade ao movimento que o reivindica. Para ser mais claro, os bolivarianos buscam no nome de Bolívar a densidade histórica e a legitimidade para emprestar à sua causa a herança do “libertador”. Impossível não lembrar das farpas e da ironia devastadora de Marx dirigidas à reedição farsesca do Dezoito Brumário no Coup d’État de Louis Bonaparte. Critico implacável do seu tempo, e leitor atento do passado, Marx se deu conta de que é justamente nos momentos “quando parecem empenhados em criar algo que jamais existiu (...) os homens conjuram em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os seus nomes (...)”. Em épocas de crises políticas que abalam o presente, ou em determinados contextos, certas referências do passado são acionadas. Passado e presente são então ligados pelos fios de um discurso atemporal, axiomático, que amarra os tempos numa cadeia eletiva de acontecimentos.


  Na Venezuela de hoje a figura e a memória de Bolívar se impõem à paisagem urbana e no cotidiano da população, do mesmo modo que a figura onipresente do “Che” em Cuba. A presença do herói é esmagadora, opressiva. Está em todos os lugares, no nome das ruas, praças, teatros e no dinheiro local. A figura de Bolívar paira vigilante sobre a Venezuela, e parte da América do Sul, a lembrar da libertação da Espanha e da fundação da Nação. Foram os historiadores liberais, venezuelanos e sul-americanos, e a oligarquia criolla venezuelana que, à moda Carlyle, elevaram a figura de Bolívar à condição de herói libertador. Cito, como exemplos, Felipe Lazarrábal e José María Torres Caicedo. 
Para outra vertente historiográfica, digamos “anti-bolivariana”, inspirada nos textos escritos por realistas pró Espanha, Bolívar era um déspota sanguinário. Salvador de Madariaga, notório anti-bolivariano espanhol, esforçando-se por desacreditar o “libertador”, acusava sua origem “de cor”. Os apologistas respondiam a altura e procuravam a todo custo branquear o herói e apagar uma possível origem africana ou indígena. Haja Bolívar para tanta necessidade de heróis e bandidos.

O culto à memória do herói era limitado aos grupos políticos mais conservadores, que historicamente dominaram o estado Venezuelano. Porém, desde o final do século XX, alcançou também as esquerdas. Bolívar converteu-se, à revelia de Marx, no patrono do socialismo do século XXI. Antes de Chávez se apropriar do legado de Bolívar, por volta de 1990, o herói era uma unanimidade nacional. Hoje, com o nome do herói associado ao socialismo bolivariano, o culto à memória sofreu grande abalo. E o que eu tenho com isso? Nada além de uma tábua de passar roupa ociosa.



 Mas é bom que a esquerda lembre que Bolívar não era filho de Abya Yala. Era filho da principal família mantuana da “Venezuela” (ver privilégio do uso de mantos ou véu como forma de distinção social), filho dileto do Iluminismo, espanhol de sangue e defensor da propriedade privada. Seu horizonte de reflexão não era a utopia coletiva e anti-individualista, mas o indivíduo, definido nos termos do liberalismo. A “Pátria Grande” de Bolívar era um ideal político fundado na razão ocidental e não nos ideais do Pachakuti.
E Marx, o que tem a ver com isso? A imagem do “libertador” que os sul-americanos cultuam, em especial os venezuelanos, em nada lembra o líder oportunista, traidor e canalha, pintado pelo pai do marxsimo. Por Pachamama! Como os caminhos desses dois homens foram se cruzar. Será que o “espírito do tempo” (Zeitgeist) escreve certo por linhas tortas? O papo está ficando metafísico demais. Vamos ao que está ao nosso alcance.

Em 1857 Karl Marx foi contratado por Charles Anderson Dana, diretor do New York Daily Tribune, para quem Marx já trabalhara como colaborador a distância, para redigir alguns verbetes sobre temas militares para a New American Cyclopaedia. Entre outras colaborações, Marx escreveu uma pequena biografia de Simón Bolívar (Aos interessados: MARX, Karl. “Simón Bolívar por Karl Marx”. Martins Fontes, 2008). O quadro que Marx pintou do libertador foi devastador. Com a ironia que lhe era peculiar apresentou Bolívar como um personagem medíocre e obscurantista. A prosa corrosiva de Marx envolveu o herói libertador numa trama política nada heroica e lhe dedicou adjetivos pouco honrosos: ambicioso, orgulhoso, covarde.


O juízo de Marx é perturbador para quem admira Bolívar, e mais ainda para quem pretende uni-los. Por isso, algum esforço já foi feito para tentar entender e explicar as razões de Marx. Sugeriu-se que Marx, que na época redigia a primeiro volume de O Capital, escrevia textos jornalísticos com rapidez, para sobreviver, o que é verdade, e que por esta razão os textos jornalísticos não podem ser considerados do mesmo modo que os textos científicos. O argumento não é ruim. Mas Marx escreveu, e depois reiterou. Quando Engels perguntou se não havia exagerado na crítica a uma figura que obteve tantas conquistas na América, Marx admitiu que saiu do tom enciclopedístico, mas que “Seria ultrapassar os limites querer apresentar como Napoleão I o mais covarde, brutal e miserável dos canalhas”. O juízo que fez de Bolívar foi ainda mais severo que o que fez de Proudhon, em “Miséria da Filosofia”. O sonho de uma grande “nação liberal”, a Pátria Grande, de Bolívar, não passava para Marx de megalomania. Vejamos o que ele escreveu: “O que Bolívar realmente almejava era erigir toda a América do Sul como uma única república federativa, tendo nele próprio seu ditador. Enquanto, dessa maneira, dava plena vazão a seus sonhos de ligar meio mundo a seu nome, o poder efetivo lhe escapou das mãos.” (p.53). O Bolívar de Marx era um sujeito “moralmente suspeito”, representante da elite criolla e beneficiário direto da independência.

Para alguns admiradores de Marx e Bolívar, o problema foram as fontes que Marx usou para escrever a biografia. O material consultado, disponível no Museu Britânico, não permitiria a Marx ter uma ideia clara de quem foi e da importância de Bolívar para as lutas de independência. Tentou-se desqualificar os autores que Marx consultou (as memórias de dois oficias ingleses engajados nas tropas patrióticas), apresentando-os como militares desertores e desafetos de Bolívar. Resulta disso tudo que Marx teria sido bastante infeliz ao redigir a biografia do libertador. (Um estudo cuidadoso das fontes consultadas por Marx para escrever sobre Bolívar seria de grande utilidade. Marx teria de fato incorporado ao seu texto os juízos emitidos pelos oficiais ingleses? Quem sabe).
Mas o fato é que Marx escreveu. Usou o que tinha a disposição e emitiu seu parecer. E Marx não era ingênuo, e menos ainda um homem de juízos levianos. Era rigoroso com as fontes e escrevia com convicção. E era assim mesmo que ele via Bolívar – um bonapartista reacionário. Lembrando a “Ideologia Alemã”, quando Marx afirmou que "A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”, Bolívar seria a farsa.

Não que essa seja também a minha visão sobre Bolívar. Mas eu não me sinto desconfortável. Não estou tentando fundir, numa fórmula mágica de libertação, o criollo liberal e rico proprietário, leitor de Rousseau, com a teoria social de Marx. O Bolívar que mais gosto é o Bolívar liberal, empenhado em soprar sobre estes rincões os ventos da liberdade, conforme a definiram Locke e Rousseau, e varrer da América Meridional a “tirania espanhola”. Bolívar não era apenas leitor de Rousseau. Seu tutor intelectual Simón Rodríguez, conhecido como o Rousseau tropical, o educou baseado no livro Emílio ou a educação, do filósofo de Genebra. O “libertador”, em certo sentido, foi a cobaia privilegiada da enorme admiração que seu mestre tinha por Rousseau. O Bolívar rousseaniano, com traços jacobinos, idealista, sonhador, romântico, é o Bolívar que admiro.  O general realista, autoritário, esse eu deixo aos condutores de rebanhos. A decepção que Bolívar teve no fim da vida foi uma espécie de amargo retorno ao romantismo. O homem de elevados ideais foi confrontado pela realidade das ambições políticas e econômicas, provou do seu veneno, e voltou a se refugiar no mundo das ideias. Suportou a guerra sobre os Andes, a doença, mas não resistiu à ganância dos homens. 

É claro que para um “marxista bolivariano” isso é um verdadeiro trauma. Contestar o pai teórico para salvar a reputação do herói libertador não é tarefa fácil. É mais fácil demonstrar que Marx estava com a cabeça voltada para a redação do Capital, e que foi levado ao erro pelas fontes suspeitas que consultou. Não são poucos os autores de esquerda que, com base nisso, sustentaram que este texto de Marx não pode ser considerado científico. A literatura marxista latino-americana se encarregou de fazer a crítica do texto de Marx, como é o caso de Miguel Ángel Uribe. Historiadores marxistas que dedicaram importantes estudos ao processo de independência ignoraram a biografia escrita por Marx, não científica, e viram em Bolívar o mais interessante dos revolucionários burgueses do começo do século XIX.

O que Marx pensaria dessa divisão arbitrária dos seus escritos (textos científicos e não científicos)?
A leitura que Che Guevara fez em 1960 das duras palavras que Marx dedicou a Bolívar foi largamente utilizada para corrigir o que seria o seu grande equívoco. Segundo Che: “Podem-se apontar em Marx, pensador e investigador das doutrinas sociais e do sistema capitalista que lhe coube viver, certas incorreções. Nós, os latino americanos, podemos, por exemplo, não concordar com sua interpretação de Bolívar... Mas os grandes homens, descobridores de verdades luminosas, vivem, apesar de suas pequenas faltas, e estas servem apenas para demonstrar-nos que são humanos". O engano de Marx se devia a sua incompreensão das especificidades da América Latina. Pode ser. Mas creio que pode ser também que Marx tenha identificado um traço de personalidade de Bolívar que foi esquecido e encoberto por camadas e camadas de mistificação, apologias e os pesados investimentos no processo de heroificação após sua morte. Lida com a mais atenção, a pequena biografia poderia, quem sabe, ajudar na desconstrução do herói. Desconstrução do herói, não de Bolívar. Certo? Desconstruir o herói significa questionar os interesses políticos que presidiram sua unção, no passado e no presente. Antes, foram as oligarquias e os liberais que o idolatraram. Hoje, são os socialistas do século XXI. Cada movimento, cada grupo político, faz de Bolívar o herói que lha convém. E Marx foi um crítico implacável da construção de heróis.

Seja como for, o mal estar, para os bolivarianos que leram Marx, é indisfarçável. O socialismo do século XXI inspira-se num homem reputado por Marx como covarde, despótico e egocêntrico. Para mim a lição é simples: quanto mais leio Marx, mais compreendo Chávez.

  • Adoraria ler uma biografia de Chávez escrita por Marx. Como isso não é possível, tomo a biografia de Bolívar como profecia. Afinal, este não é o Marx científico, não é mesmo?

O Bolívar do século XIX era pé de valsa,  Karl Marx jogava xadrez, Hugo Cezar Chávez joga bocha. E eu jogo uns contra os outros. É a minha alienação favorita.

Paulo.

MANUAL DO PERFEITO ARROGANTE.



MANUAL DO PERFEITO ARROGANTE.

Um sujeito que atende pelo nome de Paulo Nogueira publicou um texto intitulado “Manual do Perfeito Idiota Brasileiro”, publicado numa página chamada “Diário do Centro do Mundo”. Li e achei ofensivo, tremendamente arrogante. Na hora, sentei na minha mesa e escrevi o texto abaixo.

Recomendo ler o Manual do Paulo Nogueira antes de ler o meu texto.

Gosto de brincar com quem gosta de brincar. O “Manual do Idiota” é uma brincadeira (de mau gosto). Então vamos brincar mais um pouco. Não gosto de manuais, nem os de instalar aparelhos eletrônicos, nem os políticos. Achei o “Manual do Perfeito Idiota” chato e inacreditavelmente perverso. Chamou a maioria da população brasileira (que elegeu Lula e Dilma) de idiota. Talvez o autor do Manual não saiba, mas no Brasil as pessoas assistem a Globo, gostam do W. Boner, assistem ao Jô, gostam do Jabor e votam no PT. Nem todo mundo vê o mundo a partir de quadros de ferro. Eu mesmo, que gosto de ler os textos do Demétrio Magnoli, do Marco Antonio Villa e alguma coisa do Pondé, me senti ofendido pelo bacana. Como não me considero um Idiota, resolvi entrar na brincadeira. 

Paulo Nogueira, autor do texto, escreve de Londres, numa página chamada “Diário do Centro do Mundo” (um tanto eurocêntrico, não é?). Foi editor assistente da Veja. Repararam que ele não cita a Veja no texto? Cita e critica todo mundo por ele identificado como conservador, golpista, etc, mas não menciona a Veja. Por que será? Saudades? Quer o emprego de volta? É esse o cara que escreve um “Manual do Perfeito Idiota Brasileiro”? A revista Veja é o alvo preferencial de cronistas da blogosfera, identificados com o Lulo-petismo, do perfil de Paulo Nogueira. Curioso, não acham? Uma rápida investigação sobre a trajetória do sujeito explica muita coisa. 

Depois de ler o texto não tive como não propor um contraponto. O que me veio à cabeça, imediatamente, foi inventar o “Manual do Perfeito Arrogante”. O Perfeito Arrogante (PA), por oposição ao que esta no texto, gosta de Nassif, de W. Allen (mas creio que não compreenda bem os filmes do diretor de Manhattan), deve ser leitor diário do Portal Carta Maior (que para mim é a versão da Veja num outro espectro político), acredita que Joaquim Barbosa é o vilão (e que esta a serviço de uma coisa chamada PIG) e que os panelaços na Argentina são manipulados pelo Clarim (embora aconteçam 115 panelaços pelo país organizados pela população). O PA acorda às 11 da manhã (porque entrou madrugada adentro lendo Emir Sader), recita trechos de algum discurso remoto de Fidel Castro, passa rápido pela sala e briga com a mãe ou com a mulher que esta assistindo “Encontro, com Fátima Bernardes”, engole uma tigela de leite com cereais e volta para o quarto para dormir mais um pouco (a tarde deve encontrar-se com amigos para participar de algum Coletivo). O PA acredita que vive numa batalha épica e teleológica. Por isso esse olhar de juízo final que ele lança sobre o mundo.

 O PA é articulado, tem respostas para tudo e julgamentos afiados para desferir contra os que considera seus oponentes (basta ler o Manual). O PA sabe o que quer (politicamente falando ele não sabe o que é ter dúvidas), e quer que os outros queiram o que ele quer. O PA quer dizer aos outros o que devem ler, como devem ler, o que devem assistir, como devem observar o cenário político e como devem avaliar o governo Dilma. O PA não tem dúvidas de que quem faz criticas ao governo e a corrupção da esquerda é leitor da Veja e seguidor de Reinaldo Azevedo (também um perfeito arrogante). Não existe outra possibilidade para o PA além do campo binário que opõe as forças progressistas e as forças conservadoras. O PA pretende dirigir o gosto, a vontade, as decisões e administrar a soberania alheia. O PA encarna hoje o oficialismo governista. Esta numa cruzada contra as forças do mal que se opõe ao governo popular que sepultou a era das trevas que marcou o Brasil da década de 1990. O PA é um perfeito guia teleológico da vontade alheia. Quem ousar discordar e tentar seguir outro caminho é denominado, no vocabulário cifrado do PA, de Idiota.
Manual por Manual, prefiro um sobre vinhos que tenho aqui casa.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

“ELES” QUEREM “CUIDAR” DE VOCÊ.

“ELES” QUEREM “CUIDAR” DE VOCÊ.

Perceberam que a palavra destas eleições é “cuidar”? Todos querem “cuidar” da cidade, “cuidar” da gente. Não, não, obrigado. Cuidar pertence ao mundo dos afetos, dos amores, das amizades, das famílias. Cuidem das suas famílias, senhores prefeitos e vereadores, das suas condutas. A cidade tem que ser administrada. Verbos transitivos a parte, administrar e cuidar são coisas bem diferentes. Administrar é uma técnica de governo, é do campo da política, ou da arte de governar bem a cidade (Aristóteles). Cuidar é transitivo amoroso, é da arte de amar. Trata-se da velha e necessária distinção entre público e privado. Cuidar pertence à esfera privada, administrar diz respeito à coisa pública. O prefeito pode cuidar do seu jardim, mas deve administrar a cidade. A descontinuidade entre a casa e a cidade é fundamental para separar o que é comum aos cidadãos daquilo que é próprio do indivíduo. Administrem bem a cidade, de mim cuido eu. Administrem a cidade com zelo pela coisa pública, observando as leis, respeitando o plano diretor, as leis ambientais. Da minha família, da minha vida, cuido eu.

Cuidados a parte, não fiquei nada satisfeito com os novos (possíveis) administradores da cidade. Não fazem distinções elementares entre público e privado, entre os compromissos do administrador da cidade e os compromissos do homem privado, entre as contas públicas e as suas contas particulares. Como não fazem estas distinções, pretendem “cuidar” da cidade. Preciso ser mais explicito?

FORA PT?



FORA PT?

Esta circulando pelas redes sociais a campanha FORA PT.

O movimento parece ganhar forças.

Fiquei pensando aqui com meus botões. Não caio nessa. Não mesmo. Quando o PT pintava nos muros e gritava pelas ruas do país FORA FHC, eu me incomodava com aquilo. Nunca cai naquela armadilha política. Soava meio golpista, meio antidemocrático. Aliás, o PT grita FORA desde o governo Collor. Era FORA isso, FORA aquilo...

Por muito menos que os escândalos que abalam hoje o partido, os companheiros gritavam FORA. Estaria agora o PT provando do mesmo veneno?

Não caio nessa onda do FORA por três motivos:

1.       É grito de militância. É bandeira partidária plantada nas redes sociais. Agride, ontem como hoje, a totalidade do partido e não faz distinções entre o joio e o trigo. É fruto da manipulação política. É eleitoreiro.

2.       Aqueles que gritam FORA hoje podem te querer para aliado amanhã. Foi assim com o COLLOR. O caçador de Marajás hoje é aliado de quem no passado não muito distante o queria FORA. Os companheiros que gritavam FORA Collor devem estar hoje mudos e envergonhados ou com memória bastante curta.

3.       FORA PT ataca direta e equivocadamente o governo Dilma. Em que pese uma fragilidade ou outra, a presidenta faz um bom governo. Eu prefiro mil vezes Dilma para um segundo mandato do que qualquer outra opção existente hoje no Brasil. Dilma, até onde consigo enxergar, é o PT e um projeto de Brasil que vale a pena. Acredito que Dilma, e parte da equipe que a cerca, não carrega os vícios e as imposturas que acometem uma ala enorme do PT.

Estou FORA.