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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

SOBRE O DISCURSO QUE DILMA ROUSSEFF NÃO PROFERIU NA ONU.

SOBRE O DISCURSO QUE DILMA ROUSSEFF NÃO PROFERIU NA ONU.



Um dos assuntos mais comentados na semana foi o suposto discurso que Dilma Rousseff teria pronunciado na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no dia 24, defendendo um diálogo com o grupo terrorista ISIS. A crítica foi implacável, acusando a presidenta de defender o Estado Islâmico e de ter envergonhado o Brasil internacionalmente. Num blog sediado na revista Veja, sugeriu-se, em tom agressivo, que Dilma deveria dialogar com os terroristas. Um jornalista famoso, comentando o que chamou de declarações absurdas de Dilma, alfinetou: “Por que não convida os decepadores de cabeças para conversar?” Aécio Neves, explorando o tema eleitoralmente, disse que “a presidente propõe diálogo com um grupo que está decapitando pessoas”. E por aí vai.

Tomei conhecimento do assunto (não acompanhei o discurso ao vivo) assistindo o comentário ácido de Arnaldo Jabor no Jornal da Globo. Fiquei surpreso. Fui à internet procurar o discurso e as entrevistas de Dilma sobre o assunto e não encontrei nada que se assemelhasse a uma proposta de diálogo com o Estado Islâmico. Construiu-se uma polêmica dos diabos em cima de algo que Dilma não disse. O que ela disse, com todas as letras, no interior de uma fala costurada por críticas ao uso da força nas relações internacionais, foi que os bombardeios não resolvem o problema e que o Brasil sempre defendeu as soluções negociadas. Alguma novidade? Transformar esta fala, de caráter geral e abrangente, numa proposta específica de diálogo com um grupo terrorista é, no mínimo, distorcer o discurso.

Na entrevista, que gerou toda a polêmica, Dilma disse: "Vocês acreditam que bombardear o Isis resolve o problema? Porque, se resolvesse, eu acho que estaria resolvido no Iraque, e o que se tem visto no Iraque é a paralisia". "Hoje a gente querer simplesmente bombardeando o Isis dizer que você resolve, porque o diálogo não dá. Eu acho que não dá, também, só o bombardeio, porque o bombardeio não leva a consequências de paz". "É minha obrigação defender que isso (a invasão do Iraque em 2003) não se repita. Que não se faça ações fora do âmbito da legalidade da ONU." "Além de eu achar que o Conselho tem que ser reformulado, acho que o Conselho tem de ter claramente o poder de rejeitar certo tipo de ação unilateral".

A crítica ao bombardeio, em particular, faz parte de uma crítica mais geral que o Brasil vem fazendo às ações militares desastrosas e unilaterais da coalizão capitaneada pelos Estados Unidos, que ferem o direito internacional e criam problemas maiores do que aqueles que visavam combater. A menção ao diálogo, tanto na entrevista quanto no discurso proferido na ONU, apontam para um reforço das instituições, do direito e uma recusa decidida do uso da força, da forma como vem sendo usada nas últimas duas décadas.

A fala de Dilma, fraca no seu conjunto, foi afinada com as grandes linhas da diplomacia brasileira. A defesa das instituições internacionais e do direito internacional como mediadores dos conflitos internacionais, presentes no discurso da presidenta, remonta à vigorosa e paradigmática defesa que Rui Barbosa fez do direito internacional e da tese da igualdade jurídica dos estados em Haia em 1907.

Fico me perguntando sobre o que os críticos do suposto discurso queriam ouvir da presidenta. Que o Brasil apoiava os bombardeios e uma nova intervenção militar no Iraque? Que estranho senso de justiça! O ISIS não se fortaleceu justamente sobre os escombros da invasão norte-americana e da destruição do estado iraquiano? Deveria o Brasil aplaudir e apoiar o justiçamento internacional e celebrar os bombardeios? Embora tenha achado o discurso fraco, estou de acordo com o ponto de vista que o Brasil levou à ONU, defendendo o papel das instituições internacionais, a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e condenando o uso continuado e ineficaz da força. Em nenhum momento defendeu-se um diálogo com o grupo extremista. O discurso amparou-se na tradição pacifista e negociadora da diplomacia brasileira. O Brasil não é amador nesta área, não a este ponto, e não daria uma mancada como esta numa ocasião simbolicamente importante para a diplomacia e a política externa brasileira.



O discurso de Dilma contra o uso da força e o desprestígio das instituições internacionais, de resto, poderia ter sido mais contundente e apontado com mais clareza, por exemplo, as responsabilidades da coalizão – e dos Estados Unidos em particular - em relação aos extremismos que vicejam no Oriente Médio. Grupos como o ISIS são, em parte, um subproduto da desastrosa política externa norte americana intervencionista na região. Na linguagem do ultrarrealismo militarista, contra o qual o Brasil historicamente sempre se posicionou, só um bom bombardeio resolve o problema e, de quebra, anima a indústria bélica. O Brasil deveria também ter aproveitado a oportunidade e denunciado, com igual contundência, todos os atos de terrorismo.  



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