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quarta-feira, 11 de maio de 2016

ZUMBILÂNDIA DIGITAL: A epidemia social dos zumbis tecnológicos.

ZUMBILÂNDIA DIGITAL: A epidemia social dos zumbis tecnológicos.


Não quero que o texto soe ofensivo. Não é para ser lido como um julgamento do comportamento de ninguém. Leiam como uma brincadeira. Escrevi dando risadas, de mim, dos zumbis tecnológicos e das situações que me vinham à lembrança. Também tenho as minhas obsessões e, à minha maneira, também sou um zumbi social.

Alguns amigos e amigas mais chegados fazem brincadeiras por eu ainda não ter um celular ou um smartphone, não ser adepto das redes sociais e não ter paciência para as modinhas digitais. Não é preconceito, nem resistência à tecnologia digital, explico para eles, é uma opção. Acho o telefone celular e as versões smarts grandes invenções que facilitaram muito a vida dos usuários e acrescentaram elementos lúdicos à relação humana com a tecnologia digital. Mas não sinto necessidade de ter um telefone inteligente e não me vejo andando por ai com estes objetos como se fossem uma extensão do meu corpo. Não quero ter um caso de amor com um smartphone. Não pretendo permitir que as corporações (Niantic, por exemplo) mobilizem e organizem os meus desejos, decidam o que vou comer e definam meu estilo de vida, via aplicativos e jogos de celular (Ingress e Pokémon Go). Além disso, essas coisas tomam tempo, distraem mais do que deveriam, viciam, são inconvenientes e geram comportamentos obsessivos. Minhas prioridades e minhas urgências são outras. Prefiro ter mais tempo para ler, escrever, ver filmes, namorar, conversar pessoalmente, e beber com as pessoas que gosto sem ser interrompido pelas sempre urgentes mensagens. Mas não adianta. Chamam-me de jurássico e perguntam se ainda me comunico com sinal de fumaça. Engraçadinhos eles! Vou devolver a brincadeira fazendo uma analogia dos comportamentos obsessivos e massificados associados à tecnologia digital com os zumbis. Vou chamar essa turma da cabeça inclinada, que não desgruda dos smartphones e iPods, de TECHNOZOMBIES (os zumbis tecnológicos) A analogia não é original. Eu mesmo já escrevi sobre isso aqui no blog.

A metáfora zumbi inventada por George Romero e popularizada pela série The Walking Dead diz muito sobre os comportamentos humanos. As grandes questões levantadas pelos filmes de zumbis, não é novidade, são referentes aos vivos, não aos mortos. As hordas de mortos-vivos apodrecidos que se arrastam em busca da sempre urgente refeição nada mais são que um pano de fundo assustador para realçar as questões que realmente importam. Geralmente a “filosofia zumbi” é apontada para certos comportamentos humanos obsessivos, padronizados e repetitivos. George Romero, no final da década de 1970, fez uma critica metafórica ao consumismo desenfreado e à onda de shopping centers nos Estados Unidos, no filme “Down of the dead”. As sequências em que multidões de zumbis andam sonolentas e aleatoriamente pelos corredores de um shopping, lembrando o comportamento mecânico dos consumidores, são memoráveis!


A fome insaciável dos mortos vivos, entendida como metáfora, pode muito bem servir de inspiração para pensar as fomes e obsessões do nosso mundo. Dos zumbis do cinema passamos então para os zumbis da vida real. Eles estão por toda parte. Montados nos seus smartphones, obcecados pelas redes sociais, famintos pelas novidades tecnológicas e dependentes delas como os zumbis das entranhas humanas, eles se arrastam pelas ruas com a cabeça baixa, deslizando o dedo na telinha, alheios a tudo o que acontece a sua volta. É o típico comportamento de rebanho. Um smart rebanho, tecnologizado, hipnotizado pelos smartphones e assemelhados como os zumbis pelo cheiro humano (O aparelhinho emite um sinal e o dono, tecno-adestrado, imediatamente atende).

A patologia pode ser contagiosa e discriminatória uma vez que, quem não faz parte do smart rebanho, tende a ser deixado de lado. O negócio então é se enturmar, fazer parte dos grupos e ter um milhão de “amigos”. Aqueles que não foram “mordidos”, ou zumbificados, passam a ser vistos como esquisitões, ultrapassados, e ficam isolados na zumbilândia digital. Ficar isolado significa: não participar de grupos de bate papo; não poder postar sobre sua vida e xeretar a vida alheia; não seguir ninguém e não ter seguidores; não curtir e não ser curtido. Para um zumbi tecnológico, isso é o mesmo que estar morto! Então o negócio é curtir. Bora trocar likes!


Um technozombie que se preze está em todas as redes sociais. Tem facebook (antes de conhecer o face, não vivia sem o Orkut), twiter, instagram, snapchat, e não vê a hora de conhecer e experimentar a novíssima novidade. A coisa ainda não foi inventada, mas em breve ele não poderá mais viver sem ela. Ela vai ser tão essencial na sua vida que ele não saberá como vivia antes de conhecê-la. É a dependência digital antecipada!

O technozombie adora seguir pessoas famosas para devorar suas intimidades. Num show, a prioridade é tirar fotos para “compartilhar”. Num jantar, primeiro tem que registrar o evento e postar nalgum lugar. No cinema, checam as mensagens o tempo todo. A vida e as urgências digitais se impõem à vida que está diante de si.

Em casos extemos, são socialmente anestesiados. Apartam-se do grupo de amigos e da família, enterram a cabeça no smartphone e ficam ali, de corpo presente. O avatar, ao contrário do corpo físico, é descolado, comunicativo, esperto e inacreditavelmente ágil. Divididos assim, entre o corpo e o avatar, os zumbis tecnológicos vivem dramaticamente esta separação. Enquanto o avatar quer curtir, compartilhar, trocar likes, postar, ver e ser visto, o corpo precisa trabalhar, dormir e, eventualmente, abrir a boca para conversar pessoalmente!

Existem graus variados de zumbificação. Dos casos extremos passamos aos technozombies-light, ou moderados. São dependentes da tecnologia, não largam os aparelhos nem para ir ao banheiro, mas ainda conseguem erguer a cabeça, segurar a coceira nos dedos e, com algum esforço, controlar a ansiedade quando escutam o sinal da mensagem chegando.

O inseparável smartphone é uma espécie de totem. Embora descartáveis e trocados amiúde pelos modelos mais novos, são adorados como pequenas divindades. São a última coisa que verificam antes de dormir e a primeira quando acordam. Passam o tempo todo a eles ligados e, mesmo na companhia de pessoas queridas, dão-lhe inteira prioridade.

Outro dia um sujeito me perguntou: “Cara, tu não tem whatsapp? Não acredito. Como é que tu te comunica?” “Perdão, não entendi?”, respondi. “Como tu faz para te comunicar?”, insistiu. “Como eu faço? Como sempre fiz, falando, gesticulando, telefonando. Tenho e-mail também. Tenho até um blog e conta no skype (Embora só tenha seis contatos. E não adiante mandar convite)”. Entendo perfeitamente o espanto do sujeito e o que ele quis dizer. Não ter whatsapp hoje é estar deslocado, não pertencer a grupo nenhum, não trocar mensagens, não enviar e não receber fotinhos e as bobagenzinhas urgentes. É estar preso numa realidade paralela, numa zona fantasma, numa espécie de antessala do mundo digital.


Os zumbis também estão nas salas de aula. São todos iguais: cabeças baixas, deslizando os dedos freneticamente, inteiramente absorvidos pelo mundo digital, rindo sozinhos e absolutamente indiferentes ao que está acontecendo ao seu lado. Tenho alunos que passam uma aula inteira sem levantar a cabeça. Acho que não conhecem minha aparência! Se cruzarem comigo no corredor, e estiverem, por sorte, com a cabeça erguida, não vão saber que sou o professor. Talvez me reconheçam pela voz. E os que usam fone de ouvido? Sim, um ou outro usam fones. Só não me perguntem o que as criaturas fazem em sala de aula.

Eles também vão à praia. Ou melhor, eles levam o smartphone à praia. Ficam o tempo todo debaixo de um guarda sol, fixados na telinha, em transe. As pessoas que estão ao seu lado, bem menos importantes que as mensagens e as diversões digitais, são completamente ignoradas. O sol aparece, some, as pessoas entram no mar, voltam, conversam, leem alguma coisa, e eles permanecem do mesmo jeito, hipnotizados. Quando aparece alguma coisa para comer, eles saem do transe por alguns segundos, engolem o lanche rápido para liberar mãos, e voltam a dar toda a atenção ao smartphone. O mar e os amigos (as), namorados (as), são acessórios descartáveis que estão ali apenas para compor a cena.


As vidas e prioridades dos technozombies são pautadas pelos sons/sinais emitidos pelos smartphones. Não conseguem ficar cinco minutos sem checar as mensagens e verificar as fotos, montagens e informes que, aos milhares por segundo, chegam à rede digital a qual estão conectados. O zumbi tecnológico é faminto por tudo o que está acontecendo. Do Big Brother ao terremoto no Equador, do gol do Cristiano Ronaldo ao grampo do ex-presidente, do buraco negro descoberto no centro da galáxia SAGE0536AGN ao filme indicado ao Oscar, nada escapa ao zumbi hiper-informado, embora ele absorva tudo apenas superficialmente. O zumbi não lê, passa os olhos. Não pensa, registra informação. Satisfaz-se com uma foto seguida de um brevíssimo texto explicativo (seis ou sete palavras no máximo!). Sempre conectado e atento aos chamados do inseparável aparelhinho, não quer perder nada. A mensagem do “amigo (a)” que acaba de chegar é mais importante que qualquer coisa. Pode ser uma besteira, mas ele para tudo para checar. O comportamento obsessivo virou toc.

O technozombie vive como se estivesse no juízo final, em estado de insônia! Nessa ânsia compulsiva, e no furor instantâneo de tudo ver, curtir e compartilhar, acaba sendo devorado e engolido pelo seu avatar. A zumbificação acontece quando o avatar, o eu digital, ou o cibercorpo, passa a ocupar um lugar mais importante nas relações que o eu corporal e social. No ambiente digital o sujeito se transforma num ser ativo, dinâmico e participante, enquanto no mundo físico e social converte-se progressivamente num zumbi.


Será que os filhos dos technozombies já vão nascer com a cabeça inclinada, com incrível habilidade nos dedos e com dificuldades com a linguagem falada e escrita?








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