O
historiador, o santo, o feiticeiro e o tempo: notas sobre um diálogo
“impróprio”.
O Outro
Como decifrar pictogramas de há dez mil anos
se nem sei decifrar
minha escrita interior?
Interrogo signos dúbios
e suas variações caleidoscópicas
a cada segundo de observação
A verdade essencial
é o desconhecido que me habita
e a cada amanhecer me dá um soco.
Por ele sou também observado
com ironia, desprezo, incompreensão
E assim vivemos, se ao confronto se chama
viver,
unidos, impossibilitados de desligamento,
acomodados, adversos,
roídos de infernal curiosidade.
Carlos Drummond de Andrade – Corpo,
novos poemas.
O post propõe uma reflexão sobre as
relações entre passado, presente e futuro, e os caminhos que levam o historiador
ao passado. Utilizo os personagens Ñezú e Roque González – o pajé guarani e o
missionário jesuíta –, que viveram na América do Sul no século XVII, para
pensar o diálogo que o historiador estabelece entre os tempos. Os versos de
Drummond podem ser lidos como moderadores de minhas pretensões em relação ao
conhecimento histórico quando me dirijo ao passado, este outro desconhecido e
intempestivo que habita uma dimensão mnemônica do presente.
15 de
novembro de 1628. Padre Roque González de Santa Cruz havia fundado, no atual
Rio Grande do Sul, a redução de Todos los
Santos del Caaró há 15 dias. Como de costume, nesta tomada simbólica do
território que é a fundação de uma redução, ergueu uma cruz e batizou três
crianças. A redução de Caaró nasceu da soma dos esforços e vontades dos
caciques do Ijuí e do padre Roque, que desde fevereiro de 1627 estava na função
de superior do Uruguai (que compreendia a região situada à margem esquerda do rio Uruguai). Neste dia, padre Roque escreveu um bilhete
ao padre Romero, que estava à frente da redução de Candelária, a uns 17 km de Caaró, informando
sobre o bom andamento dos trabalhos e lamentando não possuir mais cunhas de
ferro, com as quais poderia atrair e reduzir mais 500 índios. Depois de enviar
o bilhete foi rezar missa. Após a celebração, pôs-se a erguer um mastro no qual
seria pendurado o sino. Enquanto preparava o campanário improvisado, auxiliado
por um índio paraná que fazia os
furos na madeira, um grupo de índios liderados pelo cacique Caarupé
aproximou-se sorrateiramente. Sob ordens do cacique, um índio conhecido como
Maranguá, aproveitando a posição encurvada do padre que atava uma corda ao
badalo do sino, desferiu-lhe dois pesados golpes de itaiça (machadinha de pedra) contra a cabeça. Roque González caiu
morto. Alonso Rodriguez, que dizia missa perto dali, ouviu o ruído e saiu em
direção ao tumulto. No caminho foi abordado pelo grupo de Caarupé e teve o
mesmo fim. Os corpos dos padres foram despidos, arrastados por um bom trecho,
jogados dentro da igreja e queimados. Caarupé e o seu grupo, se confiarmos nos
depoimentos dos indígenas (ouvidos nos processos instaurados após as mortes) e nas
descrições dos companheiros do padre Roque, não agiram por iniciativa própria.
Por trás do ato radical estava o cacique/pajé Ñezú, o principal daquelas terras
(Ñezú era um Cacique e pajé guarani de grande fama e poder oratório que
vivia nas proximidades do rio Ijuí, na margem oriental do rio Uruguai. Esta
região hospeda hoje os municípios de Caiboaté, o santuário de Caaró e o
município de Roque González). O
cacique, chamado de feiticeiro pelos jesuítas, aguardava o desfecho dos
acontecimentos no Pirapó. Assim que soube do sucesso da missão, festejou dando grandes patadas y gritos, e se
dirigiu com seu grupo para a redução de Assunção do Ijuí, na qual se encontrava
o padre Juan del Castillo, para dar-lhe o mesmo fim. Segundo padre Romero, que
escapou por pouco dos emissários de Ñezú, os planos do feiticeiro eram bem mais
ambiciosos: extirpar el santo Evangelio
de todas estas provincias haciendo matar si pudiese todos sus predicadores.
Com pequenas variações, é isso o que nos informam as narrativas jesuíticas
sobre a morte de Roque González. Em grande medida, os relatos dos jesuítas, que
não presenciaram os acontecimentos, foram inspirados nos testemunhos indígenas.
A diferença é que enquanto os indígenas disseram o que viram e ouviram, sem
emitir juízos de valores, os jesuítas encerraram a morte dos padres no interior
de uma trama diabólica deflagrada por Ñezú para extirpar os missionários
daquelas terras. Na versão jesuítica, Ñezú era um emissário do diabo que agia
por ódio à fé (argumento que foi utilizado para caracterizar as mortes como
martírio e justificar a abertura dos processos de canonização dos padres).
Embora
conheçamos em detalhes este episódio dramático da evangelização no Paraguai
(Província Jesuítica do Paraguai), a distância temporal e cultural que nos
separa desses sujeitos e desses acontecimentos é enorme e, em certos aspectos,
intransponível. Superar esta diferença irredutível é como tentar decifrar
pictogramas “de há dez mil anos”. O que nos resta, para ensaiarmos uma
aproximação, são alguns testemunhos indígenas, traduzidos para o espanhol e
filtrados pela escrita colonial, algumas cartas, escritas pelos companheiros de
Roque González sobre as mortes, e uma volumosa literatura jesuítica escrita
desde o século XVII. Juntando com as cartas anuas do Paraguai, a memória
jesuítica preservou um vasto material institucional sobre aqueles tempos,
espalhado por inúmeros arquivos europeus e latino-americanos e publicado ao
longo dos séculos XIX e XX em diversas obras arquivísticas. A documentação no
seu conjunto é, sem dúvida, abundante, mas não nos abre mais do que uma pequena
fresta para o passado.
Os
registros escritos de outras épocas, convertidos em fontes para a história, são
os guias de uma viagem metafórica do historiador no tempo. Por meio deles
deslocamo-nos a vários momentos do passado sem nunca abandonarmos o nosso
tempo. Ao se deslocar no tempo, “o historiador sempre se movimenta em dois
planos” (Exploro
infielmente aqui uma ideia de Koselleck sobre a transformação dos vestígios do
passado em fontes para a história e como por meio deles nos dirigimos ao
passado). O primeiro movimento é uma
aproximação do passado por meio da linguagem das fontes que nos abre o acesso
heurístico àquela realidade. O segundo é uma aproximação conceitual por meio
das categorias científicas do presente que o historiador transporta para o
passado.
É na trilha
intratemporal dos registros escritos dos jesuítas, os vestígios do passado
transformados em fontes, que recuo no tempo perseguindo as pistas daqueles
sujeitos, em busca dos significados daqueles acontecimentos. Esta viagem segue
um roteiro que inclui um ponto de partida no presente – a fresta por onde
observo o passado -, um retorno ao passado, cujo ponto de referência é o dia 15
de novembro de 1628, e uma volta ao presente seguindo as trajetórias póstumas
de Roque González e Ñezú. Isto implica, ainda que modestamente, pensar o tempo.
Mais precisamente, pensar as formas como passado, presente e futuro se
articulam na minha narrativa histórica. As mudanças que, a partir do marco
simbólico de 1989, abalaram as noções de tempo, que até então orientavam o
trabalho de boa parte dos historiadores, impuseram uma redefinição do conceito
de tempo e das relações entre presente, passado e futuro (Um dos historiadores mais atentos a
estas mudanças é François Hartog, que tem nos oferecido importantes reflexões
sobre o tempo. Forjou uma expressão, “regime de historicidade”, para expressar
a maneira como uma sociedade “trata o seu passado” ou a “modalidade de
consciência de si de uma comunidade humana”.
Hartog toma o ano de 1989 como ponto de partida de uma significativa
ruptura com as concepções de tempo vigentes até então. Desde então o Ocidente
vive um novo “regime de historicidade” centrado no presente.). Até então as visões sobre o futuro e sobre
a marcha da humanidade para a realização de uma finalidade histórica
determinavam as leituras sobre o passado. A escrita da história, sob o
magnetismo do futuro, reunia passado, presente e futuro num fluxo temporal
contínuo que corria numa única direção. O passado era lido e organizado à luz
de um futuro, por assim dizer, já conhecido. Buscavam-se no passado as
evidências e as garantias da realização das promessas do amanhã. O presente era
uma espécie de tempo-ponte, tempo de passagem entre dois registros temporais,
entre o que foi e o que estava por vir.
As mudanças
que abalaram o mundo turvaram e desacreditaram o futuro, provocando uma ruptura
entre passado e futuro. A história, sob o efeito destas mudanças, deixou de ser
escrita sob as expectativas e exigências do que estaria por vir. Desde então uma pergunta tornou-se frequente
entre os historiadores: o que é o passado ou qual o significado do passado se o
farol do futuro apagou? O estatuto do passado como etapa necessária de uma
teleologia ruiu quando o muro de Berlim, imagem símbolo de uma época, veio
abaixo. Passou a ser visto não mais como o lugar onde se encontrariam as
evidências que confirmariam as previsões escatológicas. Tornou-se então um
lugar opaco, difuso, tão incerto quanto o novo futuro, mas por outro lado,
aberto a novas interrogações. Sem a previsibilidade imputada pelas certezas do
futuro, o passado deixou de ser o lugar do óbvio e despontou como novidade,
como um tempo a ser descoberto e percorrido sem que se saiba, de antemão, o que
vai ser encontrado.
A ruptura
da linha de comunicação entre o passado e o futuro teve um efeito correlato e
não menos importante sobre as nossas formas de percepção do presente. Dos
escombros do futuro, e desvencilhado do fardo do passado, ergueu-se um presente
pleno. Se antes o presente, relegado a um mero tempo de passagem, comprimia-se
entre um passado exemplar e um futuro radiante, nas duas últimas décadas ele
expandiu-se e tornou-se próprio. Deixou de ser o depositário do passado e
adquiriu sua própria identidade. Esta “ênfase crescente no presente enquanto
tal” teve como efeito mais evidente uma valorização e um alargamento do
presente. A afirmação, hoje, de uma história do tempo presente é um sintoma
inequívoco desta valorização. É o reconhecimento de que o presente não é nem o
passado recente nem o futuro próximo. É um tempo distinto, singular, com seus
próprios movimentos, ritmos e demandas, que exige uma reflexão própria e noções
metodológicas específicas.
A escrita
da história, como não poderia deixar de ser, também sofreu os influxos dessa
ênfase depositada no presente, que foi assumido também como condição da
produção do conhecimento histórico. O tempo presente é o tempo do historiador que
reconhece suas estratégias e os elementos subjetivistas de suas narrativas.
Proposição típica dessa reorientação temporal é a ideia de que o passado é uma
invenção do presente. O eixo do tempo que orienta o olhar sobre o passado
sofreu decisivo deslocamento. Teríamos saído de uma determinação do futuro para
uma determinação do presente sobre a escrita da história? (Entre outros importantes estudos,
cito o livro de Durval Muniz de Albuquerque Junior intitulado “História: a arte
de inventar o passado”. No capítulo que dá título ao livro, Durval argumenta
que o conhecimento histórico é “invenção de uma cultura particular, num
determinado momento, que, embora se mantenha colado aos monumentos deixados
pelo passado, à sua textualidade e à sua visibilidade, tem que lançar da
imaginação para imprimir um novo significado a estes fragmentos. Não discordo
de Durval, pelo contrário, reforço o seu ponto de vista. Apenas, como mostro
mais adiante, procuro pesar a participação do passado, por meio dos monumentos
que deixou, na arte de sua invenção. Se o presente inventa o passado
“imprimindo novos significados” aos fragmentos deixados, não seria um exercício
oportuno, apenas para balancear as forças, imaginar o contrário? Deixo esse
exercício para uma outra oportunidade).
Essas
transformações na percepção do tempo e dos sentidos do passado, do presente e
do futuro exigem que explicitemos os nossos procedimentos e os caminhos de
retorno ao passado. À volta ao passado, neste caso a América do sul do século
XVII, não é um acontecimento místico, nem se realiza por passe de mágica. É uma
operação técnica guiada por escolhas teóricas e metodológicas do presente. A
expressão “volta ao passado” é, na verdade, um exercício de imaginação poética
para compensar o drama epistemológico do historiador: a distância insuperável
que nos separa do nosso objeto de investigação. O passado passou, não tem
volta. Escrever sobre o passado, sobre pessoas que viveram no passado, é um
gesto unidimensional em direção ao que já não existe mais. Mas não é um
movimento em direção ao vazio, ao nada. O passado não está morto. Ele está e
não está lá. Mesmo não existindo mais, pode ser sentido, lembrado, visto e, em
alguns casos, tocado. Os vestígios do passado, de um mundo que não existe mais,
invadem o presente e se projetam num tempo que lhes é estranho. Este passado
residual tem uma existência paradoxal no presente. As ruínas de São Miguel das
Missões, observadas à maneira de Heidegger, são um gigante solitário e
melancólico preso a um lugar que não é mais o seu. Silenciosas e majestosas,
elas carregam as marcas de um tempo que já não é. As ruínas, fragmentos do
passado que alcançaram o presente, são relíquias intratemporais que escaparam à
fúria devoradora de Crono. Situam-se numa região intersticial do tempo. São
elos entre o que foi e o que é. Por isso são mediadoras da historicidade,
nossas pontes de acesso a um mundo que não é mais (HEIDEGGER. O ser e o tempo).
Escrever
sobre o que já não existe mais é recriar o que um dia foi. É trazer de volta o
que estava perdido para sempre. Mas o que o historiador traz de volta não é
aquilo que um dia foi. Porque aquilo que um dia foi não pode mais ser. A
“ressurreição” do passado não é um acontecimento místico. É um truque literário
e um gesto científico. Não o truque do mágico ou do ilusionista, mas o do
escritor, que traduz e organiza as experiências do passado em uma narrativa
escrita e é capaz de condensar vários séculos em um punhado de páginas.
Escrever sobre o passado é, pois, um exercício poético e uma arbitrariedade
científica.
A história,
de acordo com a voz corrente, promove um diálogo entre os tempos. Antes de
endossar este ponto de vista, é necessário precisar os termos deste diálogo. A
ideia do diálogo é, por assim dizer, “imprópria”. O dito diálogo com o passado
é uma conversa sem interlocutor, na qual nós fazemos as perguntas, definimos os
temas e oferecemos as respostas. É aquela situação meditativa e interrogativa
em que nos encontramos quando estamos diante das ruínas de São Miguel, a
conversar com as pedras. Somos nós que estabelecemos as relações, fazemos as
escolhas, os recortes e as conjecturas sobre vestígios pétreos e silenciosos. É
uma prática unilateral, uma escolha arbitrária, uma decisão de um lado só. E
isso porque o passado não existe mais. E não há diálogo entre termos que não
coexistem. Santo Agostinho, na obra Confissões, meditou sobre o tempo, no
famoso capítulo XI de suas Confissões, e constatou memoravelmente a dificuldade
de explicá-lo. Numa bela passagem, argumentou que “só de maneira imprópria se
fala de passado, presente e futuro”:
“Agora está
claro e evidente para mim que o futuro e o passado não existem, e que não é
exato falar de três tempos – passado, presente e futuro. Seria talvez mais
justo dizer que os tempos são três, isto é, o presente dos fatos passados, o
presente dos fatos presentes, o presente dos fatos futuros. E estes três tempos
estão na mente e não os vejo em outro lugar. O presente do passado é a memória.
O presente do presente é a visão. O presente do futuro é a espera. Se me é
permitido falar assim, direi que vejo e admito três tempos, e três tempos
existem. Diga-se mesmo que há três tempos: passado, presente e futuro, conforme
a expressão abusiva em
uso. Admito que se diga assim. Não me importo, não me oponho nem critico tal
uso, contanto que se entenda: o futuro não existe agora, nem o passado.
Raramente se fala com exatidão. O mais das vezes falamos impropriamente, mas
entende-se o que queremos dizer.”
A ideia de
Agostinho de que passado e futuro não existem como realidades, senão como
memória e expectativa da realidade presente, revelam, sob certo aspecto, uma
notável semelhança com a relação que estabelecemos hoje entre os tempos. O
passado não existe mais e o futuro ainda não existe. Os dois existem como
extensões e expressões do tempo presente. A ideia do diálogo, nestes termos, é
“imprópria”, “mas entende-se o que queremos dizer.”
Ñezú e
Roque González, o feiticeiro e o santo, são as personagens centrais desse
diálogo “impróprio” que tento estabelecer com o passado. Roque González, o
missionário jesuíta “martirizado” em 1628 em Caaró durante conversão dos
guarani, foi declarado santo em 1988 por João Paulo II. Santo Roque conquistou
a imortalidade e goza eterna lembrança. Ñezú, o feiticeiro guarani que tramou a
morte do padre, foi amaldiçoado. O maldito
Ñezú, segundo adjetivo de um dos hagiógrafos do santo Roque, foi condenado
ao esquecimento.
Roque e
Ñezú me chegam pelas cartas jesuíticas. As cartas, como expressão de um poder e
de uma vontade, imprimiram as linhas do que deveria ser lembrado no futuro.
Estamos de volta ao tema da lembrança e do esquecimento. Do passado,
determinadas expressões de poder definem o que deve ser lembrado no futuro. Do
presente, os historiadores, situados num certo ambiente de poder e saber,
decide sobre o que vai ser lembrado do passado. É desta tensão cambiante entre
expressões de poder e saber de épocas distintas que se configura a escrita da
história. A relação com o passado, assim me parece, tem duas pontas. Numa das
pontas, está o historiador. Dessa perspectiva, a do presente, a escrita da
história é sempre o exercício de um poder.
O poder de dizer o passado diante do outro que é só silêncio. E dizer o passado é retirá-lo do
esquecimento, é reintegrá-lo à ordem da memória. O que é lembrado e o que é
esquecido, nesta recriação política do passado, é uma escolha do historiador.
Recriamos experiências de vida de pessoas do passado e as desnudamos aos olhos
de escrutínio do presente. Estabelecemos conjecturas sobre suas vidas, ações e
relações que elas nem sonharam. Muitas das ideias que levanto soariam,
certamente, muito estranhas às minhas personagens. Elas estavam envolvidas numa
teia de acontecimentos que lhes escapava. Séculos depois, esta teia se torna
visível ao historiador em toda sua espessura, alcance e conexões. Mas não é
exatamente isso o que se espera de um “diálogo” entre mundos diferentes? É esta
troca entre as experiências do passado e sua reconstrução histórica no presente
que nos permite confrontarmos nossas próprias experiências. Se falássemos a
mesma língua e vivêssemos os mesmos valores, qual a razão de estudá-los? Se trocarmos signos de vida é pelo desejo de
conhecimento do outro, e de nós mesmos. Aprender com o passado é auscultá-lo em
toda a sua estranheza, e não o acomodar às nossas certezas. Confrontá-lo com o
presente é ressaltar sua singularidade, e a nossa. É apreender a mudança, e
aprender a conviver com ela.
Presente e
passado, então, encontram-se pela mão do historiador. Do lado de cá, fazemos
nossas escolhas, mas o acesso que temos ao passado só nos é possível por meio
daquilo que o lado de lá nos permitiu ler. O poder de transmitir ao futuro
aquilo que será lembrado é o poder que o passado tem de impor uma imagem de si
ao presente. Esta angulação nos permite relativizar a ideia de que o passado é
simplesmente uma invenção do presente. Em certo sentido o é, mas esta invenção
é limitada por aquilo que determinadas relações de força e poder de outras
épocas autorizaram chegasse até o presente. O presente inventa o passado até
onde o passado o autoriza.
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