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sexta-feira, 14 de junho de 2013

O CALEIDOSCÓPIO SEMÂNTICO DOS PROTESTOS CONTRA O AUMENTO DAS PASSAGENS DE ÔNIBUS.



O CALEIDOSCÓPIO SEMÂNTICO DOS PROTESTOS CONTRA O AUMENTO DAS PASSAGENS DE ÔNIBUS.


Vou dar uma de Foucault (do livro Eu, Pierre Rivière), abrir mão da interpretação, e mostrar a explosão discursiva em torno dos acontecimentos. Pensem num caleidoscópio como metáfora das possibilidades prismáticas. Foucault não estava em cima do muro. Estava engajado num grupo de informações sobre as prisões, que propunha dar voz aos presos. Denunciava-se o silenciamento a que os presos eram submetidos. 

Eu ando de ônibus. Pago caro. Espero nas paradas. Nem sempre viajo sentado e acho que os donos das empresas choram de barriga cheia. Mas desta vez vou ceder a palavra e trazer nove pontos de vista sobre os protestos. Meu objetivo? Digamos que eu gosto muito da ideia do livro do Foucault sobre Pierre Rivière...

NOVE OLHARES.

1.MOVIMENTO ESTUDANTIL POPULAR REVOLUCIONÁRIO (Lideranças estudantis).
O Enunciado:
Estudantes e trabalhadores na luta contra o aumento das passagens de Ônibus.

Na página do MEPR lemos um “manifesto” intitulado “Só a Luta Combativa e Radicalizada Irá Barrar o Aumento das passagens”.

Trecho do manifesto:
“Em diversas capitais do Brasil, a rebelião contra o aumento das passagens já está nas ruas. Apesar da repressão brutal por parte da polícia e da campanha de difamação movida pela imprensa reacionária, a juventude e os trabalhadores tem se somado de forma crescente às mobilizações. O aumento do susto de vida, somado /á situação calamitosa dos serviços públicos oferecidos por este estado podre, e ainda o escárnio contra o povo que é a realização desses megaeventos e os diversos crimes cometidos em sua decorrência,l chegaram a uma situação insuportável. No caso das empresas de ônibus, merecem o ódio da população, por anos de serviços maus e caros”.


2.FERNANDO HADDAD (O Prefeito)
O Enunciado:
O aumento das passagens é justo e será mantido, apesar dos protestos.

Fernando Haddad comentou na noite do dia 13 os protestos contra o aumentos das passagens de ônibus. Disse respeitar os manifestantes, mas que não vai mudar o percentual de aumento nas passagens em São Paulo. Leiam trechos da declaração.

O aumento estava previsto e foi abaixo da inflação...

“Havíamos nos comprometido a dar um reajuste muito abaixo da inflação. Se fosse dada a inflação, o valor da tarifa seria muito maior do que foi dado no momento. Então, o valor será mantido porque já está muito abaixo da inflação acumulada”.

Da recusa do diálogo...

“No primeiro dia abrimos as portas, e o diálogo foi recusado por parte dos manifestantes. E, depois, todos conhecem a história”.  “Não vejo coordenação nesse movimento. Eles próprios dizem: eles não se coordenam, não há lideranças, não há responsáveis. Ninguém se apresenta como responsável pelo que está acontecendo”.


3.MARCO ANTONIO VILLA (O historiador)
O Enunciado:
“Fascismo e Oportunismo Político”.

O historiador Marco Antonio Villa escreveu um texto breve  acusando a inconsistência e o oportunismo que cerca o movimento.

Destaco algumas frases:

- não é o que pode ser chamado de movimento social, sociologicamente falando;
- tem uma prática típica de grupos fascistas, são eleitoralmente inexpressivos;
- como a eterna crítica ao capitalismo – que vive uma “crise terminal”, falam isso desde o final do século XIX – não se materializa na “revolução”, necessitam construir um móvel de luta para não perder o apoio das “suas bases”;
- a passagem de ônibus virou um eficaz instrumento para as lideranças desses grupelhos dar satisfação às suas inquietas “bases”, cansadas de ouvir discursos revolucionários, negadores da democracia (chamada depreciativamente de “burguesa”), sem que tivessem o que chamam de prática revolucionária;
- o desemprego e a crise econômica – presentes na Europa – aqui são irrelevantes, portanto a “mobilização” tem de buscar outro móvel de luta;
- O “movimento” está desesperadamente procurando um cadáver;
- E como bem disse um comentário, este movimento não vale vinte centavos.


4.ÉLIO GASPARI (O Jornalista)
O Enunciado:
A PM iniciou a violência.

“Quem acompanhou a manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus ao longo dos dois quilômetros que vão do Teatro Municipal à esquina da Consolação com a rua Maria Antônia pode assegurar: os distúrbios desta quinta-feira começaram às 19h10m, pela ação da polícia, mais precisamente por um grupo de uns vinte homens da tropa de choque, com suas fardas cinzentas, que, a olho nu, chegaram com esse propósito”


5.LUISCARLOS AZENHA (O Jornalista II)
Enunciado:
Foi Brutal, mas foi didático para a Classe Média. E o PT em cima do muro.

“A classe média paulistana — inclusive aquela formada por repórteres da Folha e do Estadão — experimentou na própria pele o comportamento autoritário, brutal e descontrolado da Polícia Militar de Geraldo Alckmin, com a conivência do PT, de Fernando Haddad e do ministro da Justiça, que ofereceu o reforço da Força Nacional”.
“Incitado, ironicamente, pela própria mídia fã da ditabranda. A PM paulista demonstrou o zeitgeist de sua existência: bater, em nome da segurança nacional, nos mais frágeis. Suprimir a democracia. Barbarizar jornalistas e manifestantes. Usar as armas de que dispõe graças ao financiamento público para atacar o público que a financia”.
“O mais repugnante é ver gente supostamente ligada ao PT e à esquerda posicionada sobre o muro, aguardando um piscar de olhos das “lideranças” para lamentar ou aplaudir o comportamento dos manifestantes”.
“Como na ditadura militar. Vimos, também, o oportunismo de petistas, tomados por uma amnésia profunda sobre os primórdios do próprio partido, nos anos de chumbo em que a mesma PM atuou para abortar o PT e os movimentos sociais”.


6.REINALDO AZEVEDO (O Cronista)
Enunciado:
A Metafísica Petista e a Revolta dos Remelentos e dos Almofadinhas.

“Mas e os nossos “revolucionários”, saídos dos setores mais abastados da sociedade? O que quer essa gente? O Brasil passa, por acaso, por algum déficit democrático? A resposta até pode ser afirmativa, mas não é isso que está a levar os baderneiros para as ruas. O Brasil passa por alguma crise econômica grave? Há sinais importantes de deterioração da economia, mas também não é isso que mobiliza os incendiários. Tenho uma desconfiança: estamos assistindo ao desdobramento mais perverso deste misto que temos visto de estado-babá com estado prevaricador”.
“Não há mal-estar secreto nenhum  na “civilização brasileira” que explique o vandalismo. Há, isto sim, o casamento de dois atrasos: o estado-dependentismo e a impunidade. Grupos radicais resolveram adotar os métodos do MST, na certeza de que nada vai lhes acontecer. É MSNV: o Movimento dos Sem-Noção e Sem-Vergonha”.

7. ADÃO CLÓVIS MARTINS DOS SANTOS (O Sociólogo).
Enunciado:
Uma Nova Cultura de manifestações.

“Existe um caldo de uma nova cultura e prática de mobilização se formando. É claro que existem partidos, diretórios estudantis e sindicatos que também organizam e convocam, mas quem pauta esses protestos são os diferentes indivíduos, não as instituições”.
“Um dos grandes movimentos de Porto Alegre hoje é a luta pelo espaço público democrático e pelo direito de ir e vir. A palavra de ordem desses grupos é contra a apropriação privada de espaços públicos. Questionam uma cultura que deseja que os jovens sejam segregados e confinados em espaços fechados, sem fazer ruído.
“É uma reação a políticas que restringem o uso .do espaço urbano e a capacidade do cidadão em se locomover por ele”.


8.RENATO ROVAI (O Blogueiro)
Enunciado:
O AI-5 contra as Lutas Sociais.

“Os momentos históricos são diferentes, mas o que está acontecendo em São Paulo precisa ser discutido do tamanho que merece. Manifestantes não podem ser presos sob acusação de formação de quadrilha, crime inafiançável. Se isso vier a prevalecer, estaremos entrando num cenário de ditadura contra a luta social. Será um novo AI-5, o instrumento que faltava para a tão sonhada criminalização dos movimentos sociais que vem sendo arquitetada há tanto tempo pelas forças conservadoras do país. E que ganhou hoje o apoio, em editorial, da Folha e do Estado de S. Paulo.
Na última terça-feira foram 20 presos. Hoje, fala-se em mais de 60. Muitos deles jovens que carregavam apenas vinagre para se defender do já previsto ataque de bombas da Polícia Militar. Entre esses que carregavam vinagre, um fotógrafo da Carta Capital.
O jornalista da Carta Capital já foi solto, mas a grande maioria dos jovens ainda está amargando o gosto da cela. Quem não está sendo acusado de formação de quadrilha, pode obter a liberdade pagando 20 mil reais.
Ou seja, a partir de agora quem for para a rua lutar é bandido de alta periculosidade. E o pior disso tudo é que tem gente que se diz de esquerda que está aplaudindo essa ação nefasta”.


9. BRASIL DE FATO (O Jornal).
O Enunciado:
“Ação comandada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) reprimiu violentamente o quarto protesto contra o aumento da tarifa de ônibus, metrô e trens”.

“Pessoas desmaiando, gritaria, centenas de homens e mulheres presos e feridos gravemente, inclusive idosos e crianças. Essas foram algumas das marcas deixadas nesta quinta-feira (13) pela Polícia Militar durante o quarto protesto pacífico pela redução das tarifas do transporte público em São Paulo (SP)”.
“Se a ação da Polícia Militar, a mando de Geraldo Alckmin, pretendia abafar de vez o movimento naquele momento, não houve sucesso. Uma parte dos manifestantes atirou pedras em defesa legítima contra os PMs, e outra se dividiu em vários grupos pelo centro da cidade, entoando palavras de ordem e de forma pacífica”.



domingo, 2 de junho de 2013

A DESCOBERTA ARQUEOLÓGICA NA ANTIGA JAMESTOWN E A EXUMAÇÃO PREMATURA E TENDENCIOSA DOS “OSSOS DO SOCIALISMO”. Tem um esqueleto barulhento no armário da revista Veja.



A DESCOBERTA ARQUEOLÓGICA NA ANTIGA JAMESTOWN E A EXUMAÇÃO PREMATURA E TENDENCIOSA DOS “OSSOS DO SOCIALISMO”. Tem um esqueleto barulhento no armário da revista Veja.




Uma descoberta arqueológica recente nos Estados Unidos lança novas luzes sobre os primeiros anos da colonização inglesa na América do Norte. Arqueólogos encontraram no sitio histórico da antiga Jamestown os ossos de uma menina de aproximadamente 14 anos. As evidências revelam que a jovem inglesa, batizada pelos pesquisadores de Jane, foi desmembrada para ser devorada por colonos famintos. Havia dúvidas até então entre os historiadores se de fato a prática do canibalismo realmente ocorreu na colônia. Os arqueólogos responsáveis pela descoberta garantem que esta é a primeira evidência direta de canibalismo na Virgínia. Os avanços no campo da arqueologia e da antropologia física forense têm muito a acrescentar à reconstrução do passado colonial. A ossada de Jane foi descoberta pelos arqueólogos e estudada por Douglas Owsley, antropólogo forense do Instituto Smithsonian. A antropologia forense é uma área da antropologia especializada na identificação de ossadas humanas. Com o auxílio de criminalistas e médicos forenses os antropólogos conseguem, em certos casos, reconstruir a causa da morte examinando as lesões nos ossos. Por meio desta técnica bastante apurada Owsley conseguiu determinar que o esqueleto pertencia a uma mulher de ascendência inglesa, de aproximadamente 14 anos. Os cortes no queixo, no rosto, na testa e na tíbia são, para o antropólogo, sinais claros de canibalismo. A intenção era remover a pele do rosto e o cérebro para comer. Quem fez os cortes não era exatamente um especialista. A investigação demonstrou que o “açougueiro” de Jamestown agiu com hesitação e absoluta falta de experiência.  Foi movido pelo desespero.

Enquanto nos Estados Unidos a antropologia forense cada vez mais especializada e precisa ajuda na reconstrução de parte do passado, por aqui certos jornalistas descaradamente tendenciosos parecem cada vez mais especializados na “arte” da mutilação do passado para canibalizar o presente. São movidos pelo desespero?

O jornalista Duda Teixeira publicou na última edição da revista Veja um artigo sobre a descoberta da ossada da jovem inglesa. O que poderia ser um bom texto informativo sobre a descoberta arqueológica e as possibilidades de um reposicionamento dos estudos históricos descambou para um discurso anticomunista vulgar e panfletário. O jornalista usou o tema para sugerir que o socialismo tem uma história de fracassos que antecede as experiências do século XX. O sujeito tira conclusões apressadas, mal intencionadas, desvia da discussão principal da descoberta e estabelece relações improváveis entre o “modelo de produção” implantado pelos colonos (supostamente coletivista) e a ocorrência do canibalismo. Deixemos que ele mesmo nos diga: “Jane foi devorada por seus pares como consequência do fracasso do modelo de produção coletiva implantado nos primeiros anos da colonização dos Estados Unidos. A propriedade era comunitária, e o fruto do trabalho era dividido igualmente entre todos. Era, portanto, uma experiência que antecipava os princípios básicos do comunismo. Deu no que deu.” 

Com base no que Duda afirma isso? Quem conhece um pouco a experiência de Jamestown sabe que não foi bem assim. Os arqueólogos que fizeram a descoberta e os antropólogos que estudaram o corpo e o contexto são tremendamente cuidadosos nas afirmações.  Existem relatos das primeiras experiências da colonização, que nos oferecem um rico panorama da realidade enfrentada pelos colonos. A primeira carta da Virgínia, a História Geral da Virgínia, escrita por Smith, a carta de Massachusetts e a carta de Maryland, são alguns exemplos. As narrativas históricas amplamente documentadas também descrevem detalhadamente a vida dura dos primeiros colonos e interpretam de diferentes maneiras a colonização (lembro-me da ótima descrição de Leo Huberman, escritor e jornalista marxista norte-americano, sobre a dificuldade de sobrevivência dos colonos nos primeiros meses e anos após a chegada– ver História da Riqueza dos Estados Unidos) Os documentos e as narrativas dos historiadores mostram que o fracasso e as tragédias das primeiras tentativas de estabelecimento de colônias na Virginia, no começo do século XVII, estão associados a diversos fatores. Jamestown localizava-se numa península pantanosa no Rio James. Ao mesmo tempo em que era um local fácil de defender, por ser uma península, era também uma armadilha em termos de doenças, como disse um historiador. A água salobra não era boa de beber. Os desentendimentos entre os colonos por conta das frustrações – por não encontrarem os rubis e os diamantes que acreditavam existir ali – dificultavam a cooperação. As doenças, os ataques dos índios e a fome se encarregavam do resto. O duro inverno de 1609, que levou os colonos a fazer o impensável, foi marcado por uma seca extrema. O que já estava difícil piorou ainda mais com os confrontos com a Confederação Powhatan e o desespero provocado pelo navio de mantimentos que se perdeu no mar. Mas nada disso é considerado pelo jornalista Duda Teixeira. 

Em 1625, George Percy, que fora presidente de Jamestown naqueles tempos difíceis, escreveu uma carta contando como os colonos sobreviveram ao terrível inverno de 1609, e o que tiveram que comer:
Haveinge fedd upon our horses and other beastes as longe as they Lasted, we weare gladd to make shifte with vermin as doggs Catts, Ratts and myce…as to eate Bootes shoes or any other leather,” (…) “And now famin beginneinge to Looke gastely and pale in every face, thatt notheinge was Spared to mainteyne Lyfe and to doe  those things which seame incredible, as to digge upp deade corpes outt of graves and to eate them. And some have Licked upp the Bloode which hathe fallen from their weake fellowes.”

Nesta carta Percy conta que ele próprio, com a autoridade que lhe competia, torturou e queimou vivo um homem que confessou ter matado, salgado e comido a mulher grávida. A descrição de Percy é contundente e não deixa dúvidas, mas até agora, dizem os antropólogos, nenhuma evidência física fora encontrada para afirmar com certeza que a prática do canibalismo de fato ocorrera. A ossada de Jane, estudada paralelamente aos documentos históricos, ao que tudo indica, vai oferecer provas mais consistentes.

Duda Teixeira poderia ter consultado os historiadores e alguns documentos antes de escrever o artigo para a Veja. Se tivesse feito isso não teria dito as bobagens que disse. Mas não é de hoje que este rapaz comete estas molecadas históricas e usa o passado ao seu bel prazer para atacar levianamente a esquerda. Basta ler o Guia Politicamente Incorreto da América Latina. As criticas as esquerdas são mais do que necessárias, mas não essas bobagens anacrônicas e descabidas que estes jornalistas neoconservadores ilustrados andam escrevendo. O título do artigo do Duda Teixeira, “Os ossos do socialismo”, é absolutamente lamentável. Não existe a mais remota relação entre o fracasso da colonização de Jamestown e o que viria a ser chamado de socialismo no século XIX. Não havia um modelo coletivista de produção nas primeiras colônias da Virgínia. Havia um esforço coletivo de sobrevivência em terras desconhecidas e hostis. Os colonos trabalhavam juntos nas lavouras e montavam guarda nas paliçadas para construir alguma coisa. Mas para Duda Teixeira, que conseguiu ver no esqueleto muito mais do que os estudiosos norte americanos, a ossada de Jane é a evidência cabal da “ineficiência do sistema coletivista”. De onde este rapaz tirou isso? Ele deve estar assistindo demais as séries americanas sobre detetives forenses que conversam com os corpos. Os restos mortais de Jane devem ter dito ao jornalista o que não disseram aos antropólogos forenses. Os corpos falam, sabemos disso, mas parece que Duda ouviu demais. Gostaria de saber o que os cuidadosos pesquisadores americanos envolvidos com o sítio histórico de Jamestown diriam sobre as conclusões do jornalista.

Ao invés de informar aos leitores, como compete ao jornalista, sobre a importante descoberta e as técnicas de investigação da antropologia forense, Duda Teixeira viu na descoberta arqueológica uma oportunidade para atacar o socialismo.  Mas esse é o Duda, ele vê fantasmas e vestígios do socialismo em toda parte. Até onde eles não existem. 

Identificar nas origens de Jamestown uma “experiência que antecipava os princípios básicos do comunismo” é no mínimo desonesto. É de fazer jus à expressão “esqueletos no armário”, comumente usada na Inglaterra e nos Estados Unidos para se referir as ações pouco dignificantes que se fez no passado. O anticomunismo histórico da revista, e o que se fez em nome dele no passado, volta a assombrar o presente. Tem um esqueleto no armário da revista Veja.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

MADURO VESTE FARDA: A Nova Roupa do Presidente e a Aliança Operário-Militar na Venezuela.



MADURO VESTE FARDA: A Nova Roupa do Presidente e a Aliança Operário-Militar na Venezuela.






A notícia da criação de milícias operárias pelo presidente Nicolás Maduro, de roupa nova, não me surpreendeu. Não mesmo. Era esperado. Será que surpreendeu àqueles que até ontem sustentavam que havia democracia e respeito à liberdade de opinião na Venezuela? Pois bem, a peculiar democracia chavista desfila agora orgulhosa pelas ruas a política da intimidação, da força, das armas e das fardas. Ela, enfim, mostra a sua cara. Devidamente fardada a “revolução” marcha. Ela não anda nem progride, ela marcha. Marcha na (de)cadência previsível e no som uníssono das botas que martelam o chão e esmagam a espontaneidade. A “revolução” marcha com cara amarrada e olhos de fúria. A terrível classe média (que Marilena Chauí odeia) e as oligarquias venezuelanas não podem interromper a marcha vitoriosa da “revolução”. As milícias vão cuidar para que isso não aconteça. Tem um “santo” olhando por elas. Elas marcham vigilantes. Escutem as botas pisando o chão.....  é a música da “revolução”. Escutem o ruído das armas.... é o som do reino da justiça que se aproxima. Escutem... escutem...



 O opressivo som das botas silencia a salsa e o merengue. O jogo dos quadris endurece e a cintura perde toda flexibilidade. O tom marcial se impõe. A dança vira marcha. As milícias entram em cena. O uniforme encobre e esconde o ser humano, o trabalhador, e faz nascer o soldado bolivariano. Mulheres e homens metidos provisória e improvisadamente em roupas de soldados e marchando pelas ruas para silenciar as vozes dissonantes: o que de bom pode resultar disso? Existem outros caminhos, outros meios, outras escolhas. Já vimos algo semelhante acontecer em outros lugares e contextos, tanto a direita quanto a esquerda. E o balanço sempre foi trágico.



Eu aproveito para citar novamente um grande filme: O Ovo da Serpente. Só não vê quem não quer. As milícias existem na Venezuela desde 2005. Chávez deixou um efetivo de cerca de 130 mil milicianos. Maduro apenas vai reforçar e ampliar o poder de intimidação daquilo que já existia. Como podem existir a reflexão crítica, o livre pensamento e a liberdade de expressão num ambiente vigiado e monitorado por milícias armadas? As milícias bolivarianas marchando enfileiradas pelas ruas com suas cores e símbolos, empinando bandeiras e entoando hinos de guerra é um verdadeiro espetáculo fascista. A organização dos “trabalhadores” em milícias – a Milícia Nacional Bolivariana – ligadas ao exército e controladas pelo estado é do tipo fascista. Desconfio que a sacada de Benjamin sobre a “estetização da vida política” nos regimes fascistas, adaptada com cuidado à Venezuela bolivariana, daria ótimos insights. 











O objetivo das “milícias operárias”, segundo Maduro, "é fortalecer a aliança operário-militar". Num discurso na Universidade Bolivariana de Trabalhadores Jesús Rivero o presidente afirmou que com as milícias a classe trabalhadora vai ser mais respeitada: “Serão ainda mais respeitados se as milícias tiverem trezentos mil, um milhão, dois milhões de trabalhadores e trabalhadoras uniformizados e armados, preparados para a defesa da soberania e da revolução.” 


As armas impõe respeito ou intimidam? Respeito e medo são coisas bem diferentes, presidente. Não se conquista respeito com armas. Os traficantes não impõe respeito nos lugares dominados pelo tráfico, se me permitem oferecer uma analogia. Eles metem medo nas pessoas. Será que o passo seguinte da “revolução bolivariana” é “vencer” pelo medo? Quem vai discordar de centenas de milhares de “trabalhadores” armados? Fico imaginando os abusos que as tais milícias armadas, soltas pelas ruas, com o apoio do presidente, defendendo a “soberania” e a “revolução”, não vão praticar. É assustador.




Mas o que mais me chamou a atenção nisso tudo foi a repentina mudança de visual de Maduro.  O presidente apareceu vestindo discreto traje militar. Discreto porque não exibe medalhas nem distinções. Não tinham percebido? É preciso ficar atento aos detalhes, amigos. Um crítico de arte italiano chamado Giovanni Morelli já dizia que o segredo está nos detalhes mais negligenciáveis. Vamos explorar o método, ainda que rapidamente, e interrogar o detalhe que passou despercebido? Chávez era militar, a farda fazia sentido. Mas Maduro era maquinista. Nunca foi militar. O que ele está fazendo de uniforme militar?  A mudança de roupa deve estar sinalizando para os novos rumos da “revolução”. Fidel trocou as fardas pelos uniformes adidas. Maduro, no caminho inverso, trocou os uniformes pela farda. Metamorfoses revolucionárias! Uma roupa para cada estação. Os uniformes adidas de Fidel combinam com as mudanças que lentamente estão acontecendo em Cuba. Seria o outono da revolução? O comandante relaxou, guardou as fardas, despiu-se da estética da guerra fria e assumiu um ar menos guerrilheiro. Maduro parece que abandonou os ternos alinhados e os abrigos esportivos e optou por um estilo mais combativo, mais afinado com a aliança recém-celebrada. Roupas reforçadas para tempos difíceis. É isso, se as roupas querem dizer alguma coisa, vamos ler Maduro. O uniforme militar traduz a aliança militar-operária que ele pretende consolidar e comandar. Tem que estar vestido a caráter. Traduz também a militarização da sociedade venezuelana. Maduro assumiu a farda e com ela o viés ainda mais autoritário da “revolução”. Não basta ser autoritário, tem que parecer. Tem que vestir a roupa e assumir de vez a estética fascista bolivariana. Falta o quepe, comandante. Botas também cairiam bem. Botas são imponentes. Ajudam na construção de uma imagem mais austera. A boina vermelha, em certas ocasiões, também é aconselhável. Lembraria o ex-comandante. 



As fotos das milícias bolivarianas lembram as mobilizações militares da Coréia do Norte. Não acham? Lá na terra de Kim Jong-un reina a escassez e abundam as armas. É a lógica “inevitável” dos totalitarismos?



O papel higiênico esta em falta na Venezuela, mas armas para serem empunhadas por uma multidão não vão faltar. É esta a solução revolucionária? Falta papel, mas sobram armas? Não tem nada de revolucionário em armar os “trabalhadores” para defender a dita “revolução”. A atitude revela o desespero e a insensatez de um presidente lutando para defender o seu mandato. A “revolução” é o álibi perfeito. Justifica tudo. Mas o que se podia esperar de um presidente que alguns dias antes da criação das milícias operárias tentou amedrontar os beneficiados por um projeto de habitação iniciado por Chávez, declarando que sabia inclusive a identidade dos compatriotas que não haviam votado nele? Se não viu problemas em intimidar a população pobre, imagine o que é capaz de fazer com os seus adversários políticos.




sábado, 25 de maio de 2013

O ÓDIO DE CLASSE: A CLASSE MÉDIA SEGUNDO MARILENA CHAUÍ.



O ÓDIO DE CLASSE: A CLASSE MÉDIA SEGUNDO MARILENA CHAUÍ.

Num discurso proferido no lançamento do livro “10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma”, organizado por Emir Sader, Marilena Chauí arrancou aplausos da plateia ao expressar o “ódio” que sente pela classe média brasileira. Advirto que o que vocês vão ler possui conteúdo simbolicamente violento. É impróprio para não iniciados.

“É porque eu odeio a classe média. A classe média é um atraso de vida. A classe média é a estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma coisa fora do comum a classe média (…) A classe média é a uma abominação política porque ela é fascista. Ela é uma abominação ética porque ela é violenta. E ela é uma abominação cognitiva porque ela é ignorante”.

Prestem atenção nos adjetivos: abominável, fascista, terrorista, ignorante petulante, arrogante, reacionária, atrasada. Vindo de uma filósofa, de quem se espera um cuidado com o uso das palavras, não perece ter sido um descuido. As palavras foram escolhidas a dedo. É realmente um caso de violência simbólica explicita.

De quem ou do que exatamente Marilena esta falando? Se for do SEGMENTO ultraconservador da classe média, responsável pelos movimentos “2.000.000 - Dois Milhões e Brasileiros Unidos pelo Brasil”, “Endireita Brasil”, e outros do mesmo naipe, diria que, deixando o “ódio” e o “abominável” de lado, concordo com ela. Cito um dos posts recentes no facebook de um destes movimentos da ultradiretita:

(O post faz referência a um vídeo gravado em 2009 na Amazônia em que Dilma destaca a importância da “revolução cubana” no contexto americano, durante as celebrações dos 50 anos da revolução. Na abertura do vídeo o lema deles – “FORA PT” – e uma música de suspense que cria a expectativa de algo abominável que vai ser dito. E o que Dilma diz? O que todo mundo já sabe sobre a revolução. É frustrante até mesmo para os seguidores do movimento. Dilma foi muito econômica com as palavras e com os elogios).

Leiam o post:

“Dilma declarando seu amor pela revolução cubana em 1959, seu amor pelo comunismo de Cuba”: 

“Ela foi membro ativo das organizações terroristas comunistas que pegaram em armas para combater o regime militar, e impor uma ditadura comunista no Brasil, esses grupos terroristas assassinaram 119 brasileiros pela causa da ditadura comunista, além de sequestrar autoridades, sequestrar aviões, assaltar bancos e lojas comerciais e até roubaram o cofre de Adhemar de Barros, então governador de SP onde haviam milhões de dólares... tudo pela causa da ditadura comunista. Os militares à pedido do povo na Marcha da Família com Deus pela Liberdade em 19/03/1964, deram contra golpe na implantação da ditadura comunista no Brasil que estava sendo concretizado com João Goulart, vice presidente que assumiu com a renúncia do então presidente Jânio Quadros.” (“
2.000.000 Milhões e Brasileiros Unidos pelo Brasil”).

Leram? É isso mesmo. Eles pretendem ser hoje o que a TFP foi na década de 1960. Dilma é o Jango deles. Além de atentarem contra a língua portuguesa, atentam contra a democracia. O movimento, criado aparentemente para protestar contra a corrupção no Brasil, é, na verdade, um movimento contra o PT e contra o que chamam de “golpe comunista”, que estaria em curso no Brasil. Num outro post, que não vou reproduzir, um sujeito afirma que os médicos cubanos que viriam para o Brasil são na verdade guerrilheiros disfarçados. O movimento é patético e pratica um tipo previsível e rasteiro de terrorismo psicológico. Mas o que me interesse neste momento não é o movimento. O “ódio” de classe da filósofa de classe média Marilena Chauí chama mais a minha atenção. O movimento “2.000.000” é bobo e irrelevante, é uma manifestação estúpida de uma pequena parte da classe média (mas é bom ficarmos atentos). O ódio da filósofa, cultivado, teoricamente sofisticado e agora publicamente conhecido, deve ser observado com mais cuidado.  Ela elevou o ódio a um patamar perigoso e explosivo. O ódio é o caminho que leva à intolerância e ao obscurantismo político, não ao esclarecimento. Bobear daqui a pouco eles criam o Ministério do Ódio, para canalizar o nobre sentimento e instrumentalizá-lo politicamente, e para fazer dobradinha com o Ministério da Verdade (Não sou contra o Ministério nem contra o que ele está fazendo, só não gosto do nome).

Não é preciso ser filósofo nem sociólogo para saber que a classe média não é um bloco homogêneo que pensa, age e se comporta da mesma forma e que se movimenta na mesma direção. Marilena generaliza, presta um desserviço sociológico e confunde mais do que esclarece. Sabemos que segmentos da classe média paulistana, gaúcha, catarinense, etc, votam no PT. Sabemos que Marilena se refere principalmente à classe média paulistana, que essa briga vem de longe e blá blá blá. Ainda assim a generalização é grosseira. O que poderíamos denominar como classe média é uma coisa tão grande, diversa e heterogênea que exige abordagem mais cautelosa e informada e menos palanqueira.

Parece mesmo que Chauí abdicou da filosofia e da reflexão para se entregar sem pudores à militância político-partidária. A filosofia lamenta. A militância partidária não perde nem ganha. Marilena não está fazendo a diferença. 

A oposição fundamental de classes, da filosofia da história clássica marxista, adquiriu, no Brasil, um arranjo inédito e um novo e inesperado motor: o ódio. O ódio de classes. Os intelectuais “progressistas” de classe média, como Marilena, odeiam a classe média não intelectual e conservadora. 

A filósofa elitista e autoritária, que entrega generosamente seus dotes intelectuais à causa popular, não sem antes reabilitar Paulo Maluf, declarou seu ódio e nomeou o abominável. A plateia aplaudiu, as redes sociais “curtiram” e o ódio subiu mais um degrau na escalada da intolerância no Brasil. Bravo, Marilena.

♪♫ “...mas o ódio cega e você não percebe....mas o ódio cegaaa” ♪♫