Pin it

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A FILHA DO DITADOR VOTOU NÃO: MARIELA CASTRO QUEBROU A UNANIMIDADE HISTÓRICA DA ASSEMBLEIA CUBANA (SÓ QUE NÃO).

A FILHA DO DITADOR VOTOU NÃO: MARIELA CASTRO QUEBROU A UNANIMIDADE HISTÓRICA DA ASSEMBLEIA CUBANA (SÓ QUE NÃO).



A notícia de que pela primeira vez em 40 anos um deputado discordou de uma lei em Cuba chegou ao Brasil com seis meses de atraso. O caso ocorreu em dezembro passado. A deputada Mariela Castro, filha de Raúl Castro, sobrinha de Fidel, e diretora do CENESEX, o Centro Nacional de Educação Sexual, posicionou-se contra a novo código trabalhista que proibia a discriminação no trabalho com base em gênero, etnia e orientação sexual.  A deputada considerou que a lei não evitava a discriminação contra pessoas com HIV e com identidades de gênero não convencionais. "Eu não poderia votar a favor, sem a certeza de que os direitos trabalhistas das pessoas com identidade de gênero diferente seria explicitamente reconhecido", disse Mariela numa entrevista no blog de Francisco Rodriguez, ativista gay e pró-regime. A intervenção da deputada foi, do meu ponto de vista, corretíssima. Apoiado! Mas cá entre nós, o tema apreciado pela Assembleia estava longe de ser um daqueles “calcanhares de Aquiles” políticos do regime. E todos sabem em Cuba que a deputada CASTRO é a maestra que comanda o show quando o assunto é gênero, orientação sexual e temas a fins. Ousadia política de verdade seria um deputado de fora do clã se levantar e questionar a posição da sobrinha do comandante.

A Assembleia Nacional cubana, composta por 612 deputados, reúne-se duas vezes por ano para aprovar leis. Nas últimas décadas as votações foram sempre unânimes (Daqui a pouco aparece alguém dizendo que a unanimidade é sinal de que o povo cubano, através da Assembleia Nacional, manifesta apoio incondicional ao regime). Mariela Castro, a filha do homem que herdou o comando da ilha por linhagem familiar, foi a primeira a quebrar a unanimidade histórica. A notícia correu o mundo e a atitude da deputada foi, por muitos, considerada revolucionária. Será? Se o voto contrário tivesse partido de um deputado qualquer, sem laços sanguíneos com o comando do regime, eu concordaria que alguma coisa está acontecendo por lá. Mas Mariela? Ela é a voz oficial do regime na área da sexualidade. Viaja com regularidade aos Estados Unidos e ninguém a acusa de simpatizar com os ianques. Declarou numa entrevista que votaria em Obama, elogiou o posicionamento do presidente americano a favor do casamento gay, e nenhum órgão oficial a censurou. A deputada CASTRO goza de privilégios, organiza passeatas oficias pelas ruas de Havana em defesa da causa LGTB e não é perturbada pela vigilância política. Sua atuação e militância conferem uma falsa ideia de participação e liberdade de expressão (O regime agradece). No entanto, a deputada, que luta pelo direito dos gays, não se manifesta em relação à discriminação política e a posição oficial de Cuba no plano internacional sobre orientação sexual. Em 2013 a delegação cubana nas Nações Unidas votou junto com outras 77 delegações que consideram a homossexualidade um “delito” em suas legislações, sendo que em cinco delas o “crime” é punido com pena de morte. A posição de Cuba da ONU contraria a decisão do partido comunista de 2012 que, num congresso extraordinário, concordou em acabar com qualquer tipo e discriminação na ilha. A CENESEX silenciou diante da postura oficial de Cuba. Nenhuma nota, nenhum pronunciamento do Centro, nem de sua presidente.

O não de Mariela na Assembleia Nacional soa quase como um capricho da filha do ditador. Ao invés de celebrar o primeiro voto de desacordo, prefiro lembrar os silêncios e as omissões da deputada CASTRO. Acredito que a “luta” de Mariela contra a discriminação sexual é importante, mas não podemos esquecer que ela fala de dentro do regime, da varanda da mansão dos Castro.

Observadas todas as ressalvas, Mariela Castro lembra Marina Silva: fala do “novo”, anuncia a “nova política”, e anda de braços com o que de mais velho e viciado existe na política nacional.  

Na foto, lá em cima, Mariela desfila a causa contra a homofobia pelas ruas de Havana. Ao fundo, a imagem do herói nacional que foi, em vida, um dos mais agressivos perseguidores dos gays no processo de construção do socialismo em Cuba.




segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A UNIÃO DO SOCIALISMO COM O SETOR FINANCEIRO NA CHAPA MESSIÂNICA DE MARINA SILVA.

A UNIÃO DO SOCIALISMO COM O SETOR FINANCEIRO NA CHAPA MESSIÂNICA DE MARINA SILVA.


Não deveríamos nos surpreender com arranjos e alianças políticas insólitas no Brasil. Depois que o Amin se aliou ao Lula em Santa Catarina, o PT se juntou a Maluf em São Paulo e os Bornhausen, pai e filho, se filiaram ao Partido Socialista Brasileiro, o que mais poderia nos causar espanto? A fusão do socialismo com o setor bancário para eleger uma candidata eco-evangélica? Pois então!

Não deveríamos nos surpreender, mas como não estranhar a composição política inaudita e os enormes contrastes entre as figuras que comandam a candidatura de Marina Silva?

Duas mulheres divergentes estão por trás da singular candidatura. De um lado, Luiza Erundina, o lado socialista do PSB, comandando a campanha de Marina desde quinta feira (21), de outro, a bilionária Maria Alice Setubal, sócia herdeira do Itaú. Que carisma é este o da Marina, capaz de promover a união da socialista com a bilionária? Erundina, em entrevista em 2013, disse que Marina deseduca politicamente a sociedade. Na entrevista, afirmou que o boato de que ela migraria para a Rede era falso, pois sua opção era pelo socialismo e a Rede apontava para outra direção. Agora Erundina é a coordenadora da campanha. Maria Alice é a fada madrinha, que capta recursos para a Rede Sustentabilidade e, das entranhas do setor financeiro, fala, por Marina, na autonomia do Banco Central. Como equacionar, num eventual governo, incompatibilidades tão acentuadas? Isso sem falar na difícil conciliação da vertente socialista do PSB com a visão liberal de Eduardo Giannetti e o ideal político dos “sonháticos” da Rede. Marina, que nega a política e os partidos (não lembra Collor e Jânio?), fundou a Rede. Mas parece que na rede de Marina, caiu, é peixe. Banqueiras, socialistas, evangélicos, ecologistas e peixes de outras águas (águas oligárquicas catarinenses) se acotovelam na Rede de Marina. Antes de se constituir como alternativa aos partidos e à política (o senso comum de Marina Silva), o significado mais profundo da Rede é exatamente este. Tubarões do sistema financeiro, peixes graúdos da velha política, peixes pequenos desgarrados dos cardumes históricos da esquerda, oportunistas em geral, a Rede abriga a todos.

Marilena Chauí fez malabarismos teóricos para justificar a aproximação do PT com Maluf em São Paulo para a eleição de Haddad (Erundina recusou ser vice de Haddad por não aceitar a aliança com Maluf). Marina Silva tem na sua base de apoio alguém com a estatura teórica de Chauí para encontrar uma boa explicação para reunir o socialismo convicto de Erundina com a veia financeira de Maria Alice em defesa de sua candidatura? Talvez a carismática Marina, do alto do seu senso comum, diga que o casamento “providencial” entre o socialismo e o setor bancário signifique que todos, em comunhão, devem estar juntos pelo Brasil.

Os correligionários da Rede chamam Marina de “a missionária”. Será que a missão da presidenciável é justamente harmonizar misticamente os ideais do socialismo com a economia de mercado, costurada pela sustentabilidade, como via para a utopia pós-partidária?

E quem não acredita na “providência divina”? A realpolitik mais cedo ou mais tarde vai cobrar a conta.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

“GUERRA MUNDIAL Z”: O COLAPSO DO SISTEMA INTERNACIONAL E O ELOGIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.

“GUERRA MUNDIAL Z”: O COLAPSO DO SISTEMA INTERNACIONAL E O ELOGIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.


Que tipo de ameaça poderia provocar uma catástrofe global capaz de derrubar os alicerces do sistema internacional e mergulhar o mundo no mais completo caos social? Sistema internacional, conceito fundamental para compreender o funcionamento e a dinâmica das relações internacionais, traduz um conjunto de relações e interações entre os atores que o compõe – estados, organizações internacionais, corporações, etc. - e supõe que as ações destes atores repercutem e definem os contornos do ambiente em que atuam. Pressupõe, no meu entendimento, um arranjo histórico, sempre provisório e dinâmico, diferentemente da abordagem tradicional, de linhagem positivista, que supõe o sistema internacional como uma entidade plana e a-histórica, que desde Vestefália, o mito de origem, manteria suas estruturas intactas e imóveis. O arranjo é provisório, o que não quer dizer frágil ou instável, e assume distintas formas históricas. As guerras, mesmo as mais devastadoras, não foram capazes de abalar as bases deste arranjo. A implosão do sistema internacional implicaria, hipoteticamente, na destruição dos seus atores, sobretudo os estados. Haveria um fenômeno capaz de tamanha façanha?

O denominado cinema-catástrofe já explorou este tema e sugeriu, no plano da ficção, diferentes formas possíveis de destruição do mundo. De meteoritos desgarrados a mudanças climáticas extremas, de invasões extraterrestres a epidemias devastadoras, o fim do mundo inspira a imaginação cinematográfica desde a criação do cinema. O gênero cinema-catástrofe se consolidou como estética do cinema americano na década de 1950, na aurora da guerra fria. Susan Sontag, num ensaio inspirado chamado “A imaginação do desastre”, identificou a emergência deste gênero nos filmes B, que exploravam o tema da destruição do mundo pela ação de alienígenas, monstros, animais gigantescos, etc. “Guerra dos Mundos”, dirigido por Byron Haskin em 1953, é um dos melhores exemplos desta safra cinematográfica. Quase sempre, e “Guerra dos Mundos” não é uma exceção, o caos apocalíptico que ameaça tomar o mundo de assalto é evitado por algum tipo de redenção ou manobra astuta de algum(s) indivíduo(s), que também se redime. A mensagem é sempre a mesma: cuidem do mundo que temos, cuidem das pessoas, um dia o mundo que construímos pode desmoronar.

 Guerra Mundial Z, blockbuster inspirado no romance homônimo de Max Brooks, é a mais recente investida cinematográfica na poderosa e lucrativa indústria da catástrofe. O filme, dirigido por Marc Forster, retoma o tema do apocalipse zumbi, de George Romero, e consagrado em filmes como The Walking Dead e Resident Evil, e o explora em escala planetária. Uma pandemia de zumbis, de origem desconhecida, se espalha velozmente pelo mundo dizimando populações inteiras. A humanidade aterrorizada, atomizada e lutando contra o que desconhece, trava uma “guerra mundial” pela própria sobrevivência.

Embora as guerras sejam diferentes quanto às motivações e as técnicas empregadas para dar combate ao inimigo, elas eram, até então, situações de beligerância entre estados. Mesmo a “guerra ao terror”, declarada contra um inimigo opaco, sem base territorial definida e que atua em rede no mundo, foi declarada por um estado, e resultou na invasão territorial de um país. Nas piores guerras, o mundo manteve-se de pé e o sistema internacional, mesmo abalado, conservou suas estruturas e instituições. A “Guerra Mundial Z” traz um novo conceito de guerra. Não é uma guerra convencional, entre estados, ou uma guerra entre grupos humanos. Não é uma guerra econômica, estratégica ou uma disputa por territórios. É uma guerra pela civilização, pela sobrevivência da humanidade. O mundo como nós o conhecemos veio abaixo e os vivos lutam contra os mortos.

No filme, o sistema internacional ruiu na velocidade do avanço da pandemia. No plano interno, as instituições desabaram, as famílias foram dizimadas, os governos sucumbiram, a polícia desapareceu. O caos tomou conta das cidades e as pessoas correm desesperadas em busca de um refúgio. No plano externo, os estados, as instituições e as organizações desapareceram e, com eles, as relações internacionais. O que restou da ordem anterior sobrevive apenas nas intenções e valores internalizados pelos indivíduos.

Em meio ao caos e a falência do sistema internacional, algumas organizações – ONU e OMS - e parte da Marinha dos Estados Unidos, conseguiram manter uma estrutura mínima de funcionamento que permite mobilizar recursos (porta-aviões, aviões, helicópteros, laboratórios e algum prestígio) para encontrar um meio de deter a zumbificação do mundo.  A ONU, ou o que restou dela, organiza uma missão para localizar o lugar onde o surto supostamente começou para tentar encontrar respostas. O ex-agente Gerry Lane (Brad Pitt), especialista em trabalhos perigosos em regiões de conflito, é incumbido da missão. Mesmo com o mundo desabando Gerry, que se apresenta como funcionário da ONU, ainda consegue se valer do prestígio da instituição para realizar as investigações. A autoridade das Nações Unidas é reconhecida em três momentos chaves no filme. Logo na chegada a Corei do Norte, onde possivelmente tudo teria começado, Gerry diz quem é e a que veio e, apesar da zombaria de alguns militares, consegue o apoio que precisa para iniciar os trabalhos de reconhecimento das vítimas. Mais tarde, ao sair às pressas de Israel num voo com outro destino, consegue mudar a trajetória do avião ao colocar o piloto em contato com o vice-presidente da ONU, Thierry Umotoni (Fana Mokoena). Por fim, ao chegar à Escócia, em busca de um laboratório da OMS (Organização Mundial da Saúde, agência especializada em saúde e subordinada às Nações Unidas), obtém a colaboração da equipe de cientistas para testar uma hipótese.

A trama toda gira em torno da odisseia de Gerry em busca de respostas. Da Filadélfia, onde vive com a família, o herói voa para a Coréia do Norte, para Israel e Escócia, sob a bandeira das Nações Unidas. A odisseia global do herói da ONU, que luta contra o tempo, alimenta duas expectativas: encontrar a cura para a praga zumbi e o reencontro com a família. Hollywoodianamente, o filme não frustra as expectativas.


Em “Guerra Mundial Z” a defesa da humanidade contra o apocalipse e a barbárie não está nas mãos dos militares, nem no poder das armas.  Embora a Marinha dos Estados Unidos ofereça toda a logística para a missão da ONU, a esperança do mundo está nas organizações internacionais que, neste momento em que os estados desmoronaram e as forças armadas perderam a articulação e a capacidade de mobilizar recursos de poder, assumem o papel de atores principais.  ONU e OMS, no filme, aparecem como pontos de luz na tenebrosa noite que se abate sobre o mundo. São signos de estabilidade no mundo que desmorona. As organizações, representadas pelas personagens principias, assumem o protagonismo. Às forças armadas é reservado um papel secundário, de apoio à ação do ator central.

Do ponto de vista das Relações Internacionais, o filme, que parece fazer uma aposta nas organizações internacionais e na cooperação para resolver catástrofes mundiais, poderia ser lido como um elogio à ação das organizações e da sua capacidade de articulação de interesses em prol de uma causa global. O apocalipse zumbi, neste caso, é uma metáfora sobre o valor das organizações internacionais, e o triunfo da cooperação, para evitar o colapso do sistema internacional. O funcionário da ONU, valendo-se de toda experiência adquirida em regiões de conflito, e de uma peculiar capacidade de observação, descobriu um tipo de camuflagem, inoculando o vírus de uma doença, para passar despercebido pelos zumbis. A descoberta resultou numa possibilidade de vacina. Sintetizada a vacina, a ONU encarregou-se da missão de distribuí-la mundo afora. O mundo foi salvo de ser devorado num banquete global de zumbis (poderosa metáfora) e pode sonhar com um recomeço graças aos esforços das Nações Unidas e a ação extraordinária do herói não-estatal (piada interna).


A Metáfora Zumbi à Serviço da ONU?

A metáfora zumbi, que já foi empregada para denunciar o consumismo, a violência racial e a concentração de poder das grandes corporações internacionais, desta vez foi acionada para fazer um elogio rasgado à ONU e o panegírico do herói solitário que corre o mundo em busca de uma resposta/cura para a pandemia de zumbis. Brad Pitt, na pele de um ex-funcionário das Nações Unidas, apoiado pelo vice-presidente da organização e pelo que restou da marinha americana, combinam esforços para salvar o mundo do apocalipse. As organizações internacionais são a gota de esperança da humanidade.

É difícil assistir ao filme e não associá-lo as escolhas políticas e a militância internacional em causas humanitárias de Brad Pitt junto as Nações Unidas nos últimos anos. Brad Pitt, um dos produtores do filme, é também, ao lado de sua mulher (Angelina Jolie é Embaixadora da Boa Vontade), um ativista internacional ligado a ONU. Juntos, visitam campos de refugiados em vários países e atuam em diversas missões humanitárias ao redor do mundo.
 “Guerra Mundial Z” traduziria cinematograficamente as opções políticas recentes do ator Brad Pitt?


A Estética Zumbi Higienizada.

“Guerra Mundial Z” esta longe de ser, ou de vir a ser, um filme clássico de zumbis, mas trouxe algumas novidades para dar novo fôlego ao gênero. É um filme de zumbi turbinado, acelerado. Cinematograficamente, Marc Forster abusa das tomadas aéreas a dos grandes planos, para demonstrar a dimensão colossal da catástrofe. E funciona muito bem. Os planos gigantes se alternam com uma montagem vertiginosa, com cortes rápidos e precisos, fechados, que imprimem velocidade ao filme.  A câmera rápida e ágil nos leva junto na correria e no ritmo frenético da narrativa. A excelente sequência inicial é de prender a respiração e se segurar na cadeira. Os zumbis de Marc Forster, diferentemente dos mortos lentos e cambaleantes, correm alucinadamente e realizam acrobacias coletivas extraordinárias, como escalar um gigantesco muro em Jerusalém.


Esqueçam as sequências de mortos-vivos esfomeados devorando restos humanos. Esqueçam as cenas sanguinolentas e o terror explícito. Em “Guerra Mundial Z” o gore e o splatter não tem vez. O terror característico, as mordidas dilacerantes e as cenas fortes dos filmes do (sub)gênero foram suprimidas. Fica tudo subentendido no extracampo. O motivo: aliviar na mordida e no excesso de sangue para atrair os menos afeitos ao terror e atingir faixas etárias mais susceptíveis a cenas chocantes? O resultado é um filme clean, esteticamente asséptico e higienizado, que investe num terror bem comportado – um thriller de suspense na verdade - e suaviza nas mordidas. Mesmo assim, os zumbis de Forster são assustadores, especialmente quando filmados de perto, como nas sequências no laboratório da OMS.






sexta-feira, 1 de agosto de 2014

MIKHAIL BAKUNIN É PROCURADO PELA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO.

MIKHAIL BAKUNIN É PROCURADO PELA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO.


Algumas figuras, mesmo mortas, continuam a perturbar a harmonia comtiana da ordem e a sagrada paz social.  

138 anos depois de sua morte, o anarquista russo Mikhail Bakunin é indiciado pela polícia civil do Rio de Janeiro por suspeita de atividades criminosas durante a Copa do Mundo. Bakunin foi citado numa conversa telefônica por um manifestante, interceptada pela polícia, e imediatamente passou a figurar como “potencial suspeito” no inquérito que responsabiliza 23 ativistas por atos violentos (Folha de São Paulo: 18/07/2014). A polícia espera prendê-lo nas próximas horas.

Bakunin passa a compor agora a seleta e curiosa lista de “filósofos” fichados depois de mortos pela polícia brasileira. Nos tempos da ditadura o temido Departamento de Ordem Política e Social (Dops) tinha entre os fichados, acreditem!, o filósofo Sócrates e Karl Marx. A brutalidade dos órgãos repressores da ditadura só rivalizava mesmo com a ignorância que também os distinguia. O Departamento chefiado pelo famigerado Fleury perseguia obstinadamente os grupos de esquerda, mas era incapaz de reconhecer os autores que inspiravam a luta do “inimigo”. Combatiam nas trevas da ignorância (uso invertido da expressão de Jacob Gorender). Parece que a polícia carioca sofre do mesmo problema. O Dops foi extinto em 1983, mas as práticas de repressão, espionagem, infiltração nos movimentos sociais, o monitoramento de suspeitos e a prisão das lideranças ficaram como tristes legados para a cultura policial brasileira. Continuamos a tratar as questões sociais, mesmo sob a batuta de um governo de esquerda, como casos de polícia.

A polícia civil do Rio de Janeiro não herdou apenas o antigo prédio do Dops. Atuando à moda Dops, repressora e comicamente despreparada, escancara continuidades obscuras que atentam contra a democracia e revelam a impressionante desinformação, ou má formação, dos agentes. Os policiais são obrigados a conhecer Bakunin? Claro que não. Mas se a polícia esta investigando grupos que se declaram anarquistas, não caberia a Coordenadoria de Informação e Inteligência Policial (CINPOL), oferecer aos investigadores informações sobre o movimento e a cultura geral que informa os manifestantes? Não quero com isso sugerir que a polícia deva se especializar na repressão aos movimentos sociais, às manifestações políticas e na caça aos ativistas. Estou questionando a capacidade da polícia de lidar com manifestações de caráter político.

Não custa informar à desavisada polícia carioca que Bakunin, perseguido pelas polícias saxônica, prussiana, russa e austríaca, foi preso em 1849 pela destacada participação nos levantes de Leipzig e Dresden em 1848. Ficou atrás das grades treze meses antes de ser condenado à prisão perpétua. Depois de alguns anos foi enviado para a Rússia, que reclamava sua deportação. Não custa também lembrar à polícia civil que Bakunin escreveu na prisão uma espirituosa “confissão”, e enviou ao imperador. Dizia assim: “Você quer a minha confissão; mas você precisa saber que um criminoso penitente não é obrigado a implicar ou revelar as ações de outrem. Guardo apenas a honra e a consciência de que jamais traí quem quer que tivesse confiado em mim, e é por esse motivo que não lhe entregarei nenhum nome.” Se a intenção da polícia é prender Bakunin para ele revelar os nomes das pessoas que financiaram ou estimularam os protestos, é bom ler com atenção a “confissão”.

Em 1857 o Czar decidiu banir Bakunin e mandá-lo para os distantes campos de trabalho forçado da Sibéria. Não por muito tempo. Bakunin fugiu da prisão e se lançou numa viagem de contornos épicos, embalada por genuíno espírito revolucionário, pelo Japão, Estados Unidos, até chegar a Londres, onde retomou as lutas. Daí até a sua morte, em 1876, dedicou-se as causas libertárias na Itália, Inglaterra, França e Suíça, e ainda teve disposição, apesar do cansaço e da pobreza que o rondava, para enfrentar os marxistas na Primeira Internacional (Bakunin foi expulso da AIT em 1872, no Congresso de Haia, pelos marxistas). Quatro anos mais tarde, ano de sua morte, a AIT foi dissolvida.



Depois de perseguido em vida pelas polícias europeias, de passar anos duríssimos na prisão, nos campos de trabalho forçado na Sibéria e de ser expulso da AIT pelas manobras autoritárias dos marxistas, Bakunin é agora perseguido pela polícia carioca e citado em conversas de ativistas mimados (e autoritários). A memória do anarquista russo não merecia tamanhos maus-tratos.

Depois dessa, o que mais podemos esperar? A contratação de um médium para interrogar o anarquista no céu? O médium, quem sabe, faria um contato com o espírito de Fleury que, na sua melhor especialidade, torturaria a alma de Bakunin até ela confessar que esteve nas manifestações contra a Copa do Mundo.  De Fleury e da polícia eu não duvido nada. A dificuldade seria encontrar a alma do anarquista. Adianta explicar para a polícia que Bakunin era ateu?

Sugestão para a polícia carioca: criar o Departamento de Investigação de Assuntos do Além, comandado por agentes mediúnicos e auxiliado por tecnologias ectoplasmáticas. Seria mais uma, entre tantas fantasmagorias, que povoam o universo policial brasileiro.


sexta-feira, 18 de julho de 2014

NOLLYWOOD CONTRA-ATACA: A Invasão Extraterrestre do Mundo Não Vai Começar Nos Estados Unidos.

NOLLYWOOD CONTRA-ATACA: A Invasão Extraterrestre do Mundo Não Vai Começar Nos Estados Unidos.



“Renascimento africano”, expressão cunhada pelo historiador e antropólogo senegalês Cheikh Anta Diop e popularizada nos últimos anos por Thabo Mbeki, é um conceito que nos ajuda a compreender o caminho do desenvolvimento tecnológico, científico e econômico que algumas nações africanas vêm trilhando nas duas últimas décadas. A noção de “renascimento” indica a superação das enormes dificuldades que se apresentam ao continente e a busca de alternativas próprias, para além dos modelos ocidentais, fundadas na riqueza étnica e na valorização das culturas locais. Se prestarmos atenção ao cinema produzido na Nigéria e em Gana, os dois polos mais expressivos do cinema africano atual, a ideia de um “renascimento” cultural baseado na cultura local salta aos olhos. O cinema nigeriano, o caso mais bem sucedido, é visto hoje como o setor mais dinâmico da economia e um dos pilares do desenvolvimento nacional. Emprega milhares de nigerianos, gera lucros excepcionais e alcança o mercado dos países vizinhos.

País mais populoso da África, a Nigéria é para nós um continente ainda desconhecido. O que sabemos sobre a Nigéria e os nigerianos para além do que nos dizem as pautas seletivas dos sites e noticiários internacionais? Ou mais especificamente, o que sabemos sobre a produção cinematográfica nigeriana, uma das maiores do mundo? Quase nada. Excetuando os raros ciclos de filmes africanos organizados no Brasil, os filmes nigerianos estão fora do alcance, e do gosto (?), do mercado de consumo de cinema dos brasileiros e da maioria dos “cinéfilos”.

A Nigéria é um dos trinta países mais pobres do mundo e um dos mais intolerantes em relação à religião e a sexualidade. É a contraface obscura do “renascimento”. Desde a redemocratização em 1999 o país vive as voltas com a intolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos. Os massacres se sucedem com inacreditável brutalidade, com cenas de espancamentos, chacinas, decapitações e cristãos queimados dentro das igrejas. Quase sempre as justificativas apontam para supostas blasfêmias contra o corão e o profeta Maomé. A perseguição aos gays também tem marcado o país e projetado uma imagem internacional assustadora. O amor entre pessoas do mesmo sexo é ilegal no país desde os tempos da colonização inglesa, mas no começo deste ano uma nova lei, aprovada pelo presidente Goodluck Jonathan, e apoiada pela maioria da população, piorou o que já estava ruim. A lei proíbe uniões civis do mesmo sexo e determina quatorze anos de prisão para quem casar ou viver em união de fato. A lei também atinge quem estiver ligado a clubes ou associações homossexuais. Nestes casos prevê-se dez anos de cadeia. Recentemente o país tornou-se o centro da atenção mundial por conta do sequestro de mais de duzentas meninas de uma escola em Chibok, pelo grupo extremista islâmico Boko Haram.


Mas a Nigéria não é só isso. A pobreza e a intolerância são humanamente devastadoras, mas não podem ser definidoras exclusivas da identidade internacional do país.  Um fenômeno desconhecido por nós brasileiros, e pelo ocidente de um modo geral, tem chamado cada vez mais atenção para a Nigéria. A produção cinematográfica é a segunda maior do mundo, ficando atrás apenas de Bollywood, na Índia. Hollywood ficou recentemente com o terceiro lugar. Um relatório da UNESCO de 2009 já apontava que a indústria de cinema da Nigéria ultrapassara Hollywood. Nos últimos anos o polo cinematográfico nigeriano cresceu vertiginosamente. Em 2006, Nollywood, como é chamado o conjunto da produção cinematográfica, superou a poderosa indústria norte-americana. Enquanto Hollywood rodou 485 filmes, Nollywood rodou 872. Bollywood produziu 1.091 filmes. (Uma matéria na Le Monde Diplomatique, de 2009, apontava que a produção de filmes na Nigéria era a maior do mundo, alcançando uma produção de até 1500 filmes por ano). Vale lembrar que em Gana a produção de filmes também atingiu um patamar formidável, e já vem sendo, há alguns anos, chamada de Gollywood.

A trajetória do cinema nigeriano recente é dividida em três momentos:
- de 1992 a 1998, período que pode ser identificado como a gênese, é denominado “The Beggining” ou “Classiscs VHS”;
- de 1999 a 2007 temos o “Boom”;
- o período que vai de 2008 até hoje é chamado de “Nollywood Now” ou “New Nollywood”. 

De acordo com o mito de origem de Nollywood, tudo começou em 1992 com as primeiras cópias caseiras realizadas em formato VHS. Um sujeito chamado Kenneth Nnebue tinha um grande estoque de fitas VHS em branco, vindas de Taiwan, para vender. Para alavancar as vendas, decidiu gravar alguma coisa nas fitas para torna-las mais atraentes. O filme escolhido foi "Living in Bondage", um clássico do cinema nigeriano, de 1992, sobre um homem que mata ritualisticamente a mulher por dinheiro, mas passa a ser assombrado pelo espírito da falecida. O negócio deu certo. O filme foi um sucesso popular. Nnebue vendeu mais de 750,000 cópias e despertou uma legião de imitadores, que lhe seguiram os passos. Do mercado informal e improvisado de VHS, recheado com filmes voltados para o gosto local, nascia Nollywood. Em poucos anos o negócio se transformou num fenômeno de vendas e de produção, alcançando até as áreas rurais mais pobres do país.
Link para assistir “Living in Bondage”:
https://www.youtube.com/watch?v=pu_8a_OLiBg

O curioso é que este fenômeno cinematográfico está acontecendo num pais que praticamente extinguiu as salas de cinema há mais de vinte anos. A explicação é simples: na década de 1980 a violência e a crise econômica que assolavam o país afastaram o público das salas de cinema. Era mais seguro ver filmes em casa. O meio encontrado para driblar as dificuldades foi a produção de home vídeos. Toda produção cinematográfica nigeriana é de home vídeos e 90% da produção não é oficial ou legalizada. O fenômeno acontece no mercado informal sem qualquer tipo de incentivo do governo. Segundo dados de 2006, o cinema nigeriano empregava, entre produção e distribuição, cerca de um milhão de pessoas. Era, depois da agricultura, o setor que mais gerava emprego no país.

Os filmes são produções artesanais, com equipamentos baratos, a custos muito baixos, voltados para o gosto local. Custam em média entre 10 e 20 mil dólares e os atores, quase sempre amadores, faturam algo em torno de 300 dólares por filme. Os filmes são rodados e comercializados, em média, em uma semana. Custam alguns dólares (três dólares, segundo algumas fontes) e vendem algo em torne de 20 mil cópias (os grandes sucessos ultrapassam esta marca). Portanto, não esperem dos filmes de Nollywood superproduções com acabamento técnico apurado, narrativas sofisticadas, montagens de cair o queixo e roteiros fodões.


Apesar dos baixos custos de produção e do amadorismo, os lucros alcançados pelo cinema nigeriano são impressionantes. Em 2011 foram movimentados cerca 250 milhões de dólares. Sucessos caseiros, os filmes nigerianos começam também a conquistar os mercados dos países vizinhos (Gana, Quênia, Uganda, Gâmbia, Níger, Camarões, Benin, Zâmbia, Togo o Sudão). Na África do Sul, a MultiChoice, uma empresa de televisão via satélite, oferece um canal exclusivo para os filmes nigerianos, que também são transmitidos para Botsuana, Zimbábue, Suazilândia, Namíbia. E a coisa não para por aí. Nollywood vem despertando o interesse fora da África. A Zenithfilms, uma empresa britânica que distribui a programação da Nigéria para as companhias aéreas, anunciou que vai lançar um novo canal, chamado de Nollywood filmes, na British Sky Broadcasting Group (BSkyB) a famosa operadora de televisão britânica controlada por Rupert Murdoch (dados de 2006, da The Economist).



O sucesso e a ascensão relampado de Nollywood se devem a uma conjunção de fatores. De um lado, o empreendedorismo local associado à tecnologia digital, de outro, a sacada de fazer filmes em vídeo visando o gosto local, numa época de escassez de salas de cinemas (Em 2013 havia apenas 12 salas de cinema no país).

The Day They Came.

A mais recente e curiosa produção do cinema nigeriano é o filme de ficção científica “The day they came”. O enredo é simples, manjado, mas... Um homem abre a porta da casa e sai para fumar um cigarro na rua. Parece ser um dia como outro qualquer. Sons familiares e cotidianos como o canto de um galo e o latido de cachorros ao longe sugerem tranquilidade. A normalidade de súbito é rompida por ruídos estranhos que inesperadamente rasgam o véu plácido da manhã de domingo. Em segundos o homem se vê em meio a uma invasão de gigantescos robôs alienígenas e naves espaciais que disparam com poderosas armas de laser pulverizando o mundo a sua volta. O homem não é Tom Cruise nem Will Smith, e a ação não se passa em New York ou em alguma cidade norte-americana. A invasão alienígena começou na periferia de Lagos, na Nigéria. É este o argumento do curta-metragem “The day they came”, produzido em 2014 pela “Ficsion film”, uma promissora produtora de filmes nigeriana. O curta, de 3 minutos, que brinca com o enredo de “Guerra dos Mundos”, é o primeiro de uma série de episódios que ainda estão por vir. Aguardemos. A ficção científica nigeriana esta só começando. Os efeitos especiais são soluções caseiras precárias, quase risíveis, se comparados com a tecnologia dos efeitos de Hollywood, mas alguma coisa está acontecendo por lá.
(Link para quem quiser conferir: http://www.youtube.com/watch?v=SSKwKJtezU0).

O filme, em parte, é uma reação, ou uma resposta cinematográfica, às imagens degradantes dos nigerianos apresentadas no filme “District 9”. O filme, de 2009, dirigido pelo sul-africano Neill Blomkamp, é uma coprodução Estados Unidos-África do Sul, Canadá e Nova Zelândia, que custou 30 milhões de dólares. Foi filmado como um pseudo documentário que narra a história de alienígenas que por problemas técnicos ficaram presos no nosso planeta. A nave enguiçada paira sobre Johanesburgo. Os alienígenas, resgatados com vida do interior da nave, foram instalados numa espécie de campo de refugiados. O lugar, cercado com muros altos e apartado da cidade, logo adquiriu aspecto de favala. Os Ets, ilhados e discriminados, vivem em conflitos com a populaçõa local, que não aceita a presença das criaturas com desgradável aspecto de camarão. O filme é uma alegoria do apartheid. Os Ets vivem isolados, cercados, são vistos com preconceito e comem comida de animais. Na favela vivem também os imigrantes nigerianos, que formam uma gang criminosa que atua no submundo de Johanesburgo traficando armas, explorando a prostituição e a feitiçaria. São eles que fornecem comida de gato, apreciada pelos alienígenas, em troca das poderosas armas extraterrestres. O líder dos nigerianos é um sujeito de aspecto amedrontador chamado Obesandjo que busca obstinadamente, por meio da feitiçaria, se apossar da tecnologia dos Ets.


O modo como os nigerianos foram retratados provocou uma onda de indignação e revoltas (Uma página no facebook, chamada “Distrito 9 odeia a nigéria”, foi criada para canalisar os protestos). A reação oficial do governo nigeriano foi contundente. As autoridades consideraram que o filme ofendia e denegria o país. A Silverbird Cinemas, maior distribuidora de filmes da Nigéria, teve que suspender a circulação do filme, obedecendo à decisão do governo (No entanto, a decisão de proibir o longa só fez aumentar o interesse do público. Milhares de cópias da produção foram baixadas da internet). Já a ministra de Informação e Comunicação, Dora Akunyli, exigiu da Sony Pictures um pedido oficil de desculpas por apresentar os nigerianos como “canibais, criminosos e prostitutas”. Dora indignou-se também pela referência ao sobrenome do ex-presidente nigeriano – Obasanjo – ser usado como apelido do chefe dos criminosos nigerianos no filme e convocou a população a “resistir a qualquer tentativa de apresentar os nigerianos como crimonosos”. “O filme, afirmou a ministra, mostra mulheres nigerianas mantendo relações sexuais com não humanos.”

O escritor nigeriano-americano Nnedi Okorafor assistiu ao filme a irritou-se com o que considerou um estereótipo abismal dos nigerianos. Em resposta começou a escrever um romance de ficção intitulado “Lagos”, que narra uma invasão alienígena na cidade de Lagos. Nas palavras do escritor: “Trata-se de uma invasão alienígena na cidade de Lagos e como os Lagosians de todas as esferas da vida lidam com isso. I started writing it as a screenplay for Nollywood director Tchidi Chikere.Eu comecei a escrevê-lo como um roteiro para o diretor de Nollywood Tchidi Chikere. He and I were both deeply irritated with the South African science fiction film District 9′s abysmal stereotyping of Nigerians. Ele e eu estávamos profundamente irritados com o filme Sul Africano de ficção científica District 9, de estereótipo abismal dos nigerianos. Once I started writing it, it quickly became something other than a response to District 9; Quando comecei a escrevê-lo, rapidamente se tornou algo diferente de uma resposta ao Distrito 9; it became its own story with its own soul. tornou-se a sua própria história com a sua própria alma.”

“The day they came”, inspirado no romance de Okorafor, é, portanto, parte de uma reação nacional a “Distrito 9”. Mas não é só isso. É a primeira produção nigeriana relevante no campo da ficção científica que, a sua maneira, e a partir de sua deficiência técnica, retira dos Estados Unidos o protagonismo exclusivo nesta área. Claro, “The day they came” não tem como competir com o vertiginoso “Independence Day”, e não é esta a ideia. O que conta é a iniciativa e a ousadia de narrar uma invasão alienígena da perspectiva africana.


O cinema nigeriano, quase desconhecido fora da África, não é um cinema para satisfazer as exigências de quem foi educado pelo padrão hollywoodiano e se contenta com o que vem da terra do Tio Sam. Os Estados Unidos fazem o pior e o melhor cinema do mundo, mas o mundo dos filmes não se esgota nos Estados Unidos. Para compreendermos o cinema nigeriano, e o cinema africano de um modo geral, não podemos compará-lo com o cinema hollywoodiano. É preciso conhecer as particularidades do fazer cinematográfico na África. Os filmes norte-americanos servem de inspiração para parte das produções nigerianas, que os adaptam ao gosto popular, a estética e as condições técnicas locais. Filmes de zumbis (Witchdoctor of the Living Dead), de terror (House of Horror), de ficção científica (The day they came), super-heróis (Oya: Rise of the Orisha) e thriller policial (October 1), são alguns exemplos dos empréstimos fílmicos tomados de Hollywood. Nestes casos, pratica-se verdadeira antropofagia cinematográfica. Temas e gêneros característicos do cinema norte-americano, consumidos globalmente, são retrabalhados pelos cineastas nigerianos, com atores, idiomas e cores locais, e adaptados ao paladar e a sensibilidade do público. Na releitura nollywoodiana das temáticas hollywoodianas os super-heróis são os orixás, os zumbis estão associados às práticas mágicas e a invasão extraterrestre não vai começar nos Estados Unidos.


Mas na maior parte, os filmes narram histórias sobre situações comuns da vida e do imaginário popular, como a prostituição, a corrupção, os amores mal resolvidos, a feitiçaria, a ganância, os medos. São temas nos quais o público se reconhece. Parece-me que vem desta identificação a explicação para a gigantesca expansão da indústria do home vídeo nigeriana.  As situações dramáticas, cômicas e assustadoras interpretadas por atores nigerianos, carregam mensagens que levam o expectador à reflexão. Na fórmula nollywoodiana o conteúdo é mais importante que a forma. Isso explica em parte o descuido com os aspectos técnicos, a simplicidade dos enredos, o apelo ao dramalhão e a falta de sutilezas estéticas. Mas foi assim, com interpretações bastante amadoras, com efeitos especiais precários e enredos considerados pobres que os filmes conquistaram o público, abriram espaço e consolidaram um mercado muito lucrativo. Os críticos, com alguma razão, dizem que tudo não passa de um fenômeno comercial, visando apenas o lucro fácil, sem nenhuma preocupação com a qualidade, com a estética e com a tradição autoral do cinema africano. Por esta razão, os filmes nigerianos não teriam condições de participar de festivais e mostras africanas e internacionais de cinema. Por outro lado, sustentam os defensores do home vídeo, os filmes são voltados não para o gosto internacional e refinado de cinema, mas para o gosto popular, e são amplamente consumidos no mercado local e regional.

O governo nigeriano, interessado na projeção do país, resolveu apostar no cinema e aprovou em 2010 uma linha de crédito de 200 milhões de dólares. O primeiro cineasta a receber o incentivo foi Abulu, um nigeriano que vive no Harlem e está empenhado na produção de filmes com mais qualidade. Abulo recebeu 250 mil dólares para rodar um filme chamado “Dr Bello”, que narra a história de um oncologista afro-americano que tenta salvar um paciente com a ajuda de um médico nigeriano. O apoio do governo representa um esforço para produzir filmes com mais qualidade técnica, capazes de serem exibidos em salas de cinema no mundo todo, e derrubar o estigma da precariedade, do improviso e da baixa qualidade que acompanha o cinema nigeriano. Abulu contou com astros renomados em Nolywood, como Genevieve Nnaji e Stephanie Okereke e convidou os atores hollywoodianos Isaiah Washington (da série "Grey's Anatomy") e Vivica A. Fox (de "Independence Day"). (Folha de São Paulo, 8 de outubro de 2012). O filme pode ser visto no canal YouTube. Assistam e tirem suas próprias conclusões.

Gostem ou não, Nollywood esta aí. É uma nova maneira de fazer cinema. Num mundo cada vez mais marcado pelo gosto padronizado por filmes, e pelo confinamento do cinema nas hiper-salas de shopping centers, a novidade que vem da Nigéria é, no mínimo, provocante.



quarta-feira, 16 de julho de 2014

PETRALHA, NEOLIBERAL, ESQUERDOPATA E REAÇA: Os Nomes da Intolerância no Léxico Simplificador dos Patrulheiros Virtuais.

PETRALHA, NEOLIBERAL, ESQUERDOPATA E REAÇA: Os Nomes da Intolerância no Léxico Simplificador dos Patrulheiros Virtuais.



Em agosto 1978, depois do lançamento de Chuvas de Verão, Cacá Diegues deu uma entrevista, publicado no Jornal O Estado de São Paulo, comentando a recepção do filme e a perseguição sistemática sofrida pelas produções culturais brasileiras não alinhadas às orientações políticas ditadas pelo partido comunista e pelos jornalistas engajados (segundo Diegues, a maioria dos críticos de cinema estava ligada ao PCB). O filme - uma crônica de costumes sobre a amizade, o sexo e o amor na terceira idade – não agradou aos vigilantes, que exigiam um cinema politizado (uma arte politicamente correta) de acordo com os cânones estéticos da época. Foi nesta entrevista que apareceu pela primeira vez a expressão “patrulhas ideológicas”, para definir a depreciação e desqualificação sistemática que as obras dos artistas não engajados sofriam. Dois anos depois era publicado o livro “Patrulhas Ideológicas” (escrito por Heloísa Buarque de Holanda e Carlos Alberto Pereira). No livro, Cacá Diegues pode definir melhor, numa nova entrevista, o modo de agir das patrulhas: “O que existe é um sistema de pressão, abstrato, um sistema de cobrança. É uma tentativa de codificar toda manifestação cultural brasileira. Tudo o que escapa a esta codificação será necessariamente patrulhado.” O cineasta exagerou, foi dramático? Não lidou bem com a frieza da crítica que já o havia detonado em 1976, com Xica da Silva, seu primeiro filme de grande sucesso de público? Pode ser. Mas nada disso diminui ou invalida o achado da expressão. “Patrulhas ideológicas” define um modo vigilante de agir politicamente que, em nome de uma ortodoxia, desautoriza sistematicamente as vozes que desafiam ou estão em desacordo com o cânon.

 Nos dias de hoje a expressão achada por Cacá Diegues faz algum sentido? Deixando para trás o que era específico daquela época (a ditadura, o conceito de ideologia corrente e as particularidades do marxismo dos anos 70), eu diria que a noção de “patrulhas ideológicas”, infelizmente, ainda não perdeu o “prazo de validade”. Os tempos são outros, os cânones não são mais os mesmos, o partido comunista virou um fóssil político, mas o “sistema de pressão” e de cobrança e a “tentativa de codificar”, realinhados no ambiente digital e democrático, estão aí, mais vivos do que nunca. Grupos de pressão, que agem em bloco, ou indivíduos dotados de certezas inabaláveis e investidos do poder de julgar implacavelmente a opinião alheia, pagos ou não, ligados a partidos ou avulso, fazem vigília, farejam as manifestações discordantes e vasculham o ambiente virtual como cães policiais. Os patrulheiros, ontem e hoje, estão sempre certos, andam de mãos dadas com a verdade e sequer cogitam a possibilidade do engano. São portadores de verdades históricas (ou de um historicismo das conveniências), praticam uma sociologia das certezas, detém o monopólio das virtudes e navegam conformados no mar imutável das essências. Quando se enganam jamais se desculpam, afinal, o inimigo – seja ele de classe ou de fé - se define pela vilania e torpeza de caráter. A fórmula é mais ou menos a seguinte: a causa é justa, e o inimigo, opaco e equívoco, induz ao erro. O engano, portanto, é justificável.  

O ambiente virtual e as redes sociais, como territórios da intolerância política, deram novo sentido ao patrulhamento. Tudo o que se diz, tudo o que se escreve, todo pensamento tornado público é monitorado e instantaneamente julgado, patrolado e desqualificado. Não parece um tribunal online? (Tom Zé chamou de “Tribunal do Feicebuqui”) Vivemos numa espécie de juízo final virtual: os avatares, em eterna vigília, não dormem, não piscam, sabem de tudo, sabem de todos. Os formadores de opinião, verdadeiras entidades digitais divinizadas, destilam ressentimentos, exercitam-se em duelos sofísticos semanticamente acrobáticos, apedrejam impiedosamente os adversários, vomitam mandamentos políticos, e seus acólitos os divulgam nas redes sociais. (Um tanto dramático, eu sei. Mas me deem um desconto. Deve ser algum alinhamento planetário mexendo com a minha Lua). 

Vamos ao ponto.
Meu blog é um armazém virtual para os meus escritos. Nada mais que isso. Embora não muito lido, se comparado aos blogs mais famosos, recebe uma média diária considerável de leitores de várias tendências políticas, a julgar pelos comentários, de várias partes do mundo - o que muito me surpreende - e com interesses bastante diversos. Não sei exatamente quem são meus leitores. Não faço questão de saber. Uma parcela deles, no entanto, me deixa bastante intrigado. São patrulheiros virtuais que frequentam meu armazém para monitorar o que escrevo e, ocasionalmente, demarcar território e deixar uma ofensa qualquer. Coleciono xingamentos e tentativas de desqualificação. Às vezes tenho a impressão que meus textos são mais lidos por pessoas que não gostam do que escrevo. Não gostam, mas estão sempre ali, anonimamente, policiando, monitorando, patrulhando. São os fiscais do pensamento alheio.

No meu armazém, sou o escritor e o faxineiro. Lido com a palavra e com o lixo. Nas faxinas regulares que faço, para manter a coisa com alguma decência, me deparo com a palavra-lixo deixada por alguns visitantes. Aí, não tem jeito. Desinfeto mesmo. Invariavelmente, excluo os xingamentos e os comentários pilantras. Não vou deixar essa gente fincar suas bandeiras/prisões na minha Lua.

 Abaixo, uma pequena amostra do que os inspetores do pensamento escrevem no blog.
Na semana passada um rapaz furioso, que se declarou em defesa “do que é certo” e contra o “conservadorismo espúrio que infesta o Brasil”, deixou um comentário no post sobre o filme “Juan de los Muertos”. Um comentário a meu respeito, não sobre o filme. O rapaz não me conhece, e não viu o filme, mas afirmou em caixa alta, gritando, que eu sou um “fascista direitoso” e um “reaça a serviço do capital e das elites conservadoras”. No final do comentário, a cereja do bolo progressista: “Acho que você deveria ir morar em Miami”. Repararam que está na moda mandar os indesejáveis embora. A turma que se auto define como “de direita” manda o povo “da esquerda” ir morar em Cuba. Parece que na democracia dessa gente a melhor saída para resolver as diferenças políticas é uma passagem só de ida para o opositor. Cuba e Miami são lugares preferenciais, simbolicamente carregados. Em Miami um “fascista direitoso” como eu se sentiria à vontade ao lado da “burguesia cubana” expatriada que, em conluio com a CIA, tenta desestabilizar a “democracia cubana”.

Tentei imaginar o que se passa na cabeça da criatura. Ele deve acreditar piamente que o meu blog é um blog de fachada mantido por uma espécie obscura de maçonaria anti-progressista e anti-cubana, sediada quem sabe em Miami, e financiado por dragões ultra liberais, como o Instituto Milenium, a Editora Abril e o Instituto von Mises. Deve crer também que recebo incentivos de “burgueses” e banqueiros inescrupulosos para atacar as forças progressistas. Deve ser isso. A versão patrulheira do “santo guerreiro”, que percorre as redes sociais e vasculhas os blogs em busca do “dragão da maldade” – para brincar com as metáforas glauberianas -, encontrou na minha Lua terreno fértil para exercitar seu ciber-heroísmo-progressista.

 Já estou acostumado com este tipo de coisa. Já fui xingado, anonimamente, de coisa pior. Já insinuaram, por exemplo, que eu deveria “escrever na Veja”, que sou “um neoliberal desumano” e, acreditem, que estou “contra o Brasil”. Mas o mais curioso nisso tudo é que tem outra turma, igualmente exaltada, que diz o contrário. Várias vezes deixaram comentários no blog me chamando de “petralha”, de “comunista disfarçado” e de “fascista esquerdopata” (Essa tendência de “patologizar” as orientações políticas dos outros, como bem disse Cristian Dunker numa polêmica recente, carrega alguma coisa de “fóbico” e de “francamente não resolvido”). Uma moça bastante irritada com o post que escrevi sobre “Os esqueletos no armário da Revista Veja” perguntou se eu era “a favor da ditadura comunista” e me chamou de “esquerdista intolerante”. No post “A Ressurreição do Tenentismo”, um rapaz, que declarou ódio ao PT e se disse “honestamente a favor de uma intervenção militar”, me chamou de “comuna” e de “PeTezinho de merda”. Os anti-petistas se imaginam numa cruzada moralizadora e redentora pela “salvação do Brasil”. Enxergam comunismo em tudo e não economizam adjetivos ofensivos para desqualificar o suposto inimigo. Exibem nas redes sociais um anticomunismo anacônico e esquizofrênico, de causar vergonha.

Desde que o PT virou governo, a patrulha não é mais exclusividade das esquerdas. Os vigilantes “de direita” se espalharam no mundo virtual e, cada vez mais agressivos, agem como verdadeira polícia do pensamento. Esta turma vê o meu blog, imagino, como um robô de opinião orientado pelo partido ou como um agente da MAV (Militância em Ambientes Virtuais) criado para rebater as críticas ao governo (Neste caso, o destino certo para um “comuna” como eu seria Cuba). Os neopatrulheiros - macarthistas de ocasião e iletrados barulhentos – manejam um vocabulário assustadoramente pobre e praticam nas redes sociais um conservadorismo azedo, burro, que empobrece o cristianismo, que dizem professar, e envergonha o liberalismo, que julgam seguir. Recomendaria aos vigilantes a leitura de José Guilherme Merquior (De Praga à paris, quem sabe), de Hayek (O Caminho da Servidão), de Stuart Mill (Ensaio sobre a Liberdade), mas suspeito que estaria jogando pérolas aos porcos.

Atribuo a ambivalência dos comentários à polarização política dos últimos anos no Brasil e a incapacidade crônica de ler de algumas pessoas. Num ambiente de polarização ideológica se você não se define clara e inequivocamente em favor de um dos lados (levantar bandeira mesmo), você vira alvo dos dois lados. O rapaz que me chamou de “fascista direitoso” terminou o comentário perguntando: “e aí fascista tá torcendo contra o Brasil na Copa?” (risos). Olhei para bandeirinha que pendurei em casa, do lado de dentro, e lembrei-me da Copa de 82.  Se este rapaz vivesse naqueles dias, certamente estaria torcendo contra o Brasil, seguindo a tendência de boa parte da esquerda da época, que torcia pela URSS, do grande Dasayev, porque uma vitória do Brasil favoreceria a ditadura militar. A vitória da URSS significava a vitória do socialismo. As criaturas estabelecem uma relação mecânica e reducionista entre futebol e política, como se o esporte fosse um mero reflexo dos interesses políticos. Vem daí o uso deslocado do conceito romano da “política do pão e circo” (panis et circenses), para caracterizar o futebol como um instrumento de “manipulação das massas” e, por tabelinha, imbecilizar os apreciadores do esporte. Os usos do futebol como estratégia política e as relações/interações entre futebol e política, bastante conhecidas e estudadas, não fazem do esporte um acessório de luxo dos arranjos políticos. No senso comum, este tipo de associação é responsável por aberrações do tipo: “a copa foi comprada”. Na cabeça ilumi(nada) do sujeito que me chamou de “fascista”, eu torceria contra o Brasil porque, segundo sua ótica, sou anti-petista. Para ti, camarada, nada de pão e circo. Teu metabolismo não seria capaz de digerir tal combinação. Recomendo grama, em grandes quantidades, e um daqueles manuais de doutrinação escrito por V. Kachine e N. Tcherkassov.

 Na semana passada alguém deixou um comentário no post que escrevi sobre Eduardo Campos. O “leitor” não gostou do texto (eu também não gostei muito) e esbravejou: “só pode que tu também é contra o Brasil e a favor da canalha petista”. A grosseira polarização resume-se a estar contra ou a favor do PT. Para a turma que serrou fileira nas hostes petistas, quem se manifesta contra o governo ou o partido está contra o Brasil. Para a turma que odeia o PT, quem apoia o partido também está inapelavelmente contra o Brasil. De um lado a crença de que o PT é o único caminho, de que não existe alternativa para o país fora do universo político dito “progressista”. Quem não está de acordo ou ousa fazer críticas à ortodoxia governista é atropelado pela vigilância política, desacreditado e lançado no pântano nebuloso do conservadorismo e da entidade fantasmagórica e perversa que eles chamam de “neoliberalismo”. De outro, a certeza de que com o PT o Brasil caminha rumo a cubanização ou a venezualização, o que, na linguagem desta gente, quer dizer uma forma decadente e anacrônica de (acreditem!) comunismo. Os mais exaltados e delirantes falam em “ditadura comunista”!

 As rotulações seguem a risca o esquema toscamente binário que rege o universo mental dessas pessoas. Entrar no blog e deixar um comentário acusando o blogueiro de “petralha” ou de “reaça” é um ato heroico, um gozo purificador, verdadeiro descarrego de consciência cívica das milícias virtuais. É a masturbação ideológica deles(as).