Pin it

sábado, 13 de abril de 2013

QUANDO OS ÍDOLOS SÃO DE BARRO E OS INIMIGOS DE “FERRO”.



QUANDO OS ÍDOLOS SÃO DE BARRO E OS INIMIGOS DE “FERRO”.



Gostei muito do texto do Morrissey sobre Margaret Thatcher. Texto pesado, ressentido, violento, mas verdadeiro, visceral, com alma. Thatcher mereceu cada uma daquelas duras palavras. Muito diferente dos textos viciados e cifrados dos oráculos da esquerda latino-americana que tenho lido. Os caras insultam a memória da “dama de ferro” e demonizam seu legado, enquanto os esqueletos de Stálin e Che decoram seus armários. Vossos ídolos guardam vossos segredos, camaradas. 

Nem uma palavra a favor de Thatcher. Apenas recomendo aos “humanistas” educados por Lênin que façam uma faxina nos seus armários antes de se pronunciar sobre a desumanidade dos seus adversários. Perto das atrocidades cometidas pelos bolcheviques, em Taganrog, por exemplo, (o terror em nome da “justiça revolucionária de classe”), e do sadismo do “paredón” cubano, a era Thatcher fica parecendo bem menos dura do que realmente foi. Ganha contornos mais suaves! 

Os críticos de Thatcher usaram a frase abaixo para ilustrar sua frieza e desumanidade:

“Não existe essa coisa de sociedade. Existem indivíduos, homens e mulheres, e existem as famílias.”

A frase é de uma infelicidade brutal. Mas ela tem outras bem piores.

Mas quero lembrar que a “arte” de construir frases medonhas não é uma particularidade exclusiva de Thatcher. O ídolo maior dos “humanistas”, que se horrorizam com as patadas ultra-realistas da “dama de ferro”, também foi um campeão das frases estúpidas. Vou relembrar apenas duas:

"Não posso ser amigo de quem não compartilha das mesmas ideias que eu". (Che Guevara).

"Adoro o ódio eficaz que faz do homem uma violenta, seletiva e fria máquina de matar". (Che Guevara).

Ah, mas é preciso contextualizar estas frases. Concordo. Mas só se o mesmo valer também para a frase de Thatcher.

Mas como disse, nem uma palavra a favor de Thatcher. Sinto-me representado pelas palavras de Morrissey.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

UM FAREJADOR DE DEMÔNIOS NA COMISSÃO DOS DIREITOS HUMANOS.



UM FAREJADOR DE DEMÔNIOS NA COMISSÃO DOS DIREITOS HUMANOS.



A Comissão dos Direitos Humanos, antes de sua chegada, era dominada por satanás, afirma o pastor e deputado Marco Feliciano (Vejam o vídeo e a matéria no estadão.com.br). O sujeito é realmente incorrigível. Está numa cruzada contra o diabo, mas no lugar errado. Se ele quer combater satanás, que o faça no lugar adequado para isso: na sua igreja. Lá ele vai encontrar pessoas que, como ele, acreditam na realidade do diabo. A velha “arte” medieval de farejar demônios não combina com o espírito que atribuímos ao parlamento. Levar satanás para a Comissão dos Direitos Humanos e das Minorias é a demonstração cabal de que o sujeito não quer debater os temas da Comissão, mas exorcizar o espírito maligno que ele julgar ter se apossado daquele espaço. Já não se trata mais apenas de preconceito, de racismo e de homofobia (como se isso fosse pouca coisa). Estamos testemunhando uma escalada do obscurantismo evangélico militante (ou de certas lideranças evangélicas, já que Feliciano NÃO É unanimidade entre os evangélicos) e de um movimento, com enorme poder de voto e de barganha política, que pretende colocar a política sobre a tutela da fé. Feliciano quer transformar a Comissão num púlpito para doutrinar e evangelizar as minorias desgarradas de deus. Quer transformar a Constituição num manual de demonologia.
Feliciano fala em nome de Jesus e se considera “cheio do espírito santo”. Deveria ler melhor as parábolas de Jesus, especialmente João 8:7 (“Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra”), verdadeiro monumento contra a intolerância, e recolher delas alguma sabedoria para lidar com o mundo que ele crê girar em torno do seu umbigo (igreja). Exercitando livremente o anacronismo, a ocasião exige, eu diria que o pastor Feliciano estaria entre aqueles que carregavam pedras para atacar a mulher adúltera. Foi intimidado por Jesus, recolheu-se à sua miséria moral, guardou as pedras e agora as atira contra negros, gays e quem mais contrariar suas verdades. Feliciano é a manifestação circunstancial deste espírito de intolerância que atravessa os tempos apedrejando a vida que teima em existir fora dos muros da cidadela dos eleitos.

domingo, 31 de março de 2013

O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DIGITAL DOS PÃES NA CORÉIA DO NORTE.



O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DIGITAL DOS PÃES NA CORÉIA DO NORTE.




Em pleno feriado cristão descubro que na Coréia do Norte os pães multiplicam-se milagrosamente. Jesus de Nazaré multiplicou pães e peixes. O líder coreano – que monta unicórnios - foi mais longe e multiplicou o pão, o gado, os soldados, os banhistas e os navios de guerra.


Estamos diante do milagre da multiplicação dos recursos de poder, da força, da produção e da riqueza. A Coréia do Norte quer dar ao mundo ares de potência militar, capaz de mobilizar fabulosos recursos e reunir grande capacidade de ataque para intimidar seus adversários.  As demonstrações de unidade e de força, nas intermináveis paradas militares, e as manifestações de fidelidade ao líder criam a imagem de um país movido por uma só vontade e disposto a se sacrificar em defesa do regime. 






Podemos ler ainda nas imagens, que estrategicamente vazam para o exterior, que o regime esforça-se para mostrar que o país goza de excelente situação interna, com fartura de alimentos e ótimas opções de lazer. 




 Mas o demiurgo, neste caso, não é um deus transcendente, nem o estado totalitário. O fazedor de milagres é uma criação norte-americana, uma divindade digital capaz de alterar a realidade e mostrá-la bem melhor do que realmente é conhecida como photoshop. O software da adobe system é o corretivo milagroso da precária realidade norte coreana. É a arma da propaganda totalitária do regime que se anuncia comunista, criada no mundo capitalista, para enfrentar o mundo, vejam bem!, capitalista.



Ao invés de multiplicar direitos, possibilidades sociais e espaços de liberdade, o regime multiplica mentiras. O photoshop é o “brinquedinho” favorito do regime norte coreano desde Kim Jong-il. O “brinquedinho” passou de pai para filho e esta sendo usado para forjar uma sociedade ideal, que combina a força militar, a unidade política e a felicidade do povo (Esta nem George Orwell conseguiu imaginar). Para que liberdade de expressão e o direito de escolher seus governantes se eles têm o software da maximização digital do poder e da felicidade? Na terra onde ditadores montam unicórnios direitos políticos são fantasmagorias do já superado sistema capitalista.



Mas isso pode ter um efeito indesejado para o ditador. Vai que o feliz povo coreano perceba que a sociedade criada digitalmente funcione melhor que a realidade e decida trocar Kim Jong-un por um avatar da adobe system? Para que governo, diriam os norte coreanos, se podemos ter um software que multiplica a riqueza e a força do país.

Quem diria, Adam Smith e Marx foram superados pelo photoshop. Não é mais o trabalho, nem o sobretralho, mas um software norte americano que produz a riqueza de uma nação. Eis a contribuição do regime norte coreano para a economia política. 




terça-feira, 26 de março de 2013

JORGE MAUTNER DERRAMOU "LÁGRIMAS NEGRAS" NO PARQUE DE COQUEIROS.



Jorge Mautner derramou “Lágrimas Negras” no Parque de Coqueiros.




“A arte, para mim, é para transformar o mundo. Sempre!”
(Jorge Mautner).

Jorge Mautner, o maior de todos os Jorges, o poeta do Kaos e do amor que não sente vergonha e não pede desculpas, desabou em Coqueiros, no início da noite de domingo. Chorou no final da musica Lágrimas Negras, enquanto cantava: “Belezas são coisas acesas por dentro. Tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento. Lágrimas negras saem, caem, dói.” As poucas pessoas que estavam lá, debaixo de chuva, assistiram a um show inesquecível, com as canções clássicas, as declamações, o “ufanismo” singularmente modernista (se o mundo não se abrasileirar, ele vira nazista), e uma homenagem linda ao excelente e originalíssimo violonista (instrumentista) Nelson Jacobina, falecido ano passado. Nelson, disse Mautner, estava com metástase e sobreviveu por inacreditáveis quatro longos anos. No palco aguentava shows de duas horas e meia, e as dores misteriosamente sumiam. Nelson foi parceiro de Mautner por quarenta anos. As lágrimas foram pelo amigo. Lágrimas nossas. Jorge não chorou sozinho. 



Jorge Mautner é único, e incomparável. Embora não cante bem, e o violino, que o acompanha sempre, seja sofrível, ele é um dos artistas mais originas da música brasileira. Composições geniais como Vampiro, Maracatu Atômico, Orquídea Negra, Árvore da Vida, a Bandeira do Meu Partido, entre tantas outras, correm à margem da MPB desde 1958. Alguns discos, como Bomba de Estrela, Para Iluminar a Cidade, O Filho Predileto de Xangô, Antimaldito, O Ser da Tempestade, Estilhaços de Paixão e Árvore da Vida são seminais e estão, em minha opinião, entre os mais importantes da MPB. No entanto, Mautner é desconhecido do grande público. Tom Zé também.

Mautner é um filósofo interrompido, caótico e iluminado. É de uma pureza tocante e um coração que não cabe dentro do peito. Como não gostar desse cara?!! Deste liquidificador que mistura Jesus de Nazaré com Nietzsche, o candomblé com o ateísmo de Hannah Arendt, o existencialismo com Ismael Silva, Maiakovski com marchinha de carnaval e cita José Bonifácio no meio do show (sem parecer pedante ou inconveniente). Só ele consegue isso. Só ele consegue homenagear, como fez em Coqueiros, Pancho Villa, Benito Juarez, Zapata e Hugo Chávez, e isso não soar estranho, forçado. É um apaixonado pela “cultura brasileira”, pelo “amálgama” singular que criamos historicamente (José Bonifácio, diz Mautner, foi o primeiro a reconhecer a grandeza das nossas misturas). Foi uma espécie de prototropicalista, que misturou samba com rock quando ninguém fazia isso, e depois um tropicalista de viés que nunca frequentou a estrada principal da MPB. Mautner é um modernista incorrigível, um socialista carnavalizado, um cavalheiro do kaos a espalhar “estilhaços de paixão”. No palco fala tanto quanto canta, mas fala do seu jeito. Não esperem dele um discurso organizado, centrado, linear. Despreocupadamente, emenda uma frase na outra, mistura temas, fala por atalhos, não termina uma ideia e já apresenta outra. E assim ele nos leva a um precipício de emoções e nos conduz pelos caminhos ambíguos de sua mente labiríntica, com o seu raciocínio quântico e suas elucubrações improváveis. As frases vão saindo de improviso, meio desconexas, com sacadas geniais, e no fim, para quem se dispôs a ouvi-lo, elas fazem sentido.

Mautner era filho de um judeu austríaco e uma católica. A família fugiu no nazismo e veio parar no Brasil, onde Mautner nasceu em 1941 (Daí o título do documentário "Jorge Mautner, o filho do holocausto", dirigido por Pedro Bial e Heitor D´Alincourt). Sua mãe estava grávida de oito meses quando fugiram para o Brasil. “Quase toda a família de minha mãe (e do pai) foi executada. Tudo o que escrevi, compus e senti, diz Mautner, gira e girará em torno disso.” 


Jorge Mautner gosta de contar episódios de sua vida, de sua mitologia particular, e transformá-los em motivos para os seus voos filosóficos. Reza a lenda que entrou de furão no festival de Woodstock, quando a entrada ainda era cobrada. Conta-nos, por exemplo, que teve uma babá negra, chamada Lúcia, filha de santo no candomblé, até os sete anos. Com ela aprendeu as primeiras lições de vida. “Um dia, nos conta Mautner, Lúcia disse para mim: ‘meu filho, seus pais vieram de um país onde tem muita gente má. Mas pode ficar tranquilo que aqui a gente gosta de você e nós vamos lhe tratar bem, viu?’” Um dia, passeando com Lúcia nos jardins do Palácio do Catete, o presidente Getúlio Vargas se aproximou dele e puxou conversa. Perguntou de onde ele era. Jorge Mautner respondeu: “Eu sou brasileiro, mas meus pais, coitadinhos, eles são estrangeiros.” O Brasil, generoso, como ele gosta de dizer, o recebeu e ele passou a fazer parte desse amálgama de culturas e povos. Tornar-se-ia, prematuramente, a expressão artístico-filosófica dessa “mistura”.



Em 1962 entrou para o Partido Comunista, foi preso durante a ditadura e aconselhado a moderar o tom. Foi para os Estados Unidos, depois para Londres onde encontrou Caetano Veloso e iniciaram uma parceria que dura até hoje. Uma das últimas músicas composta pelos dois foi Tarado. Procurem. Vale a pena ouvir. Mautner escreveu vários livros e dirigiu um filme (Demiurgo, de 1970).  Aos quinze anos publicou seu primeiro livro – Deus da Chuva e da Morte – que ainda pode ser encontrado a net para compra. Transcrevo um fragmento:

"Ouvir rock, ver a chuva, beijar uns lábios, deitar com uma ou outra carne na cama e sentir o sexo. Depois de horas e horas de pensamento e desistência e ridículo e paradoxos e uma vontade louca de viver! Mas o sono me puxando poderosamente. Então eu ouço Rock e olho a chuva e penso no sexo. Depois tudo se mistura porque na verdade tudo existe misturado: o sexo, o Rock, a chuva e então eu durmo. Eu durmo e durmo e sonho em ritmo de rock e vejo a chuva no sonho e o sexo se sobressaindo em todos os lugares. Sonhos agitados nos quais existe algo que eu esqueci de citar. Algo que balança que nem uma bandeirinha vermelha em meio à chuva, ao sexo e ao Rock. É a infância. Será que o Rock, a chuva e o sexo não passam de infância e que só a infância presente existia? Só a infância presente existe! Lembre-se disto: só a infância presente existe!"

Está com 72 anos, completados no último 17 de janeiro, e sobe no palco com uma disposição admirável.  Eu acompanho a trajetória de Mautner nos palcos desde os anos 80. No show de domingo ela demonstrou o mesmo vigor, e a mesma paixão, de trinta anos atrás. O público, como sempre, era reduzido, mas, como sempre, cantou do começo ao fim todas as canções: “Atrás do arranha-céu tem o céu, tem o céu. E depois tem outro céu sem estrelas. Em cima do guarda-chuva tem a chuva, tem a chuva. Que tem gotas tão lindas que até dá vontade de comê-las” (Maracatu Atômico).


Se tem alguém que vive verdadeiramente de acordo com a máxima de Paulo Leminski (“distraídos venceremos”), esse alguém é Jorge Mautner. Um artista sem artifícios, sem máscaras. Um vampiro tropical, romântico “tardio” e generoso, que canta o amor com sangue e flor: “Você é uma loucura em minha vida. Você é uma navalha para os meus olhos. Você é o estandarte da agonia. Que tem a lua e o sol do meio-dia” (Vampiro).
Eu adoro esse cara. 

Só mesmo Jorge Mautner, o profeta do absurdo, para me fazer sair de casa num domingo chuvoso, com capa e guarda chuva, atravessar a ponte e ficar a céu aberto assistindo um show!

"Nos demais todo mundo sabe o coração tem moradia certa, fica bem aqui, no meio do peito... mas comigo a anatomia ficou louca. Sou todo coração...” (Poema de Maiakovski citado na música Perspectiva).



“Vejam a chuva e o Sol
Um são raios a outra são águas
Uma é samba o outro é rock n roll
Mas ambos tem as mesmas mágoas”

Jorge Mautner