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segunda-feira, 20 de maio de 2013

REVOLUÇÃO E ESCATOLOGIA: A REVOLUÇÃO BOLIVARIANA E A ESCASSEZ DE PAPEL HIGIÊNICO.



REVOLUÇÃO E ESCATOLOGIA: A REVOLUÇÃO BOLIVARIANA E A ESCASSEZ DE PAPEL HIGIÊNICO. 




Como já era de se esperar, o governo de Nicolás Maduro não vai ter vida fácil. A política do governo de controle dos preços de produtos básicos, praticada desde 2003, tem provocado escassez de alimentos. O desabastecimento sazonal de alguns produtos como laticínios, café, açúcar, azeite, manteiga, leite e farinha de milho, para preparar as arepas, espécie de pão dos venezuelanos, vem causando transtornos e complicações para a revolução. “Revolução” sem pão, não dá.

O que já estava ruim, piorou. A crise de abastecimento alcançou agora a higiene dos venezuelanos. O papel higiênico sumiu das prateleiras. Virou artigo de luxo, dizem alguns. Sem pão até que vai, dá para improvisar, mas sem papel higiênico. A guerra de informações e acusações é ensurdecedora. O governo culpa os empresários, os grupos de oposição e uma "campaña mediática" que estaria promovendo uma demanda excessiva do produto pra desestabilizar o país. Alguns denunciam uma sabotagem da direita. Os empresários e representantes dos consumidores, por sua vez, culpam o governo. Alguns economistas afirmam que a escassez de produtos decorre dos controles de preços para tornar produtos básicos acessíveis para os mais pobres, e também dos controles cambiais impostos pelo governo. Roberto Léon, presidente da Associação Nacional de Usuários e Consumidores (Anauco) diz que é uma questão de matemática simples: não é possível pedir a um empresário que importe ou produza e saia perdendo. Segundo Léon, por conta da falta de variedade, há muitos anos os venezuelanos deixaram de poder optar sobre a qualidade dos produtos que entram na sua despensa. "É preciso que o vizinho avise que chegou azeite ao supermercado. Aí você vai correndo comprar, enfrenta fila e descobre que não vai ser possível pegar o melhor". William Sayago, subgerente de um centro comercial em Caracas, garantiu que: "Não tem papel porque aqui o papel é vendido muito barato, não no preço real. Ninguém quer produzir nem importar” (Informações retiradas de sites e agências internacionais). 

Quer dizer, o estado, que tem o controle de tudo, não consegue sequer garantir o papel higiênico. Quem sabe a “revolução”, como interprete da vontade do povo, não baixa uma norma proibindo os venezuelanos de evacuar sem necessidade. Ou declara de vez que o uso de papel higiênico é um capricho burguês ou uma imposição do imperialismo. Cagada por cagada...

O ministro do comércio, Alejandro Fleming, vanguarda da “revolução”, reagiu ao desconforto da escassez do produto e, na semana passada, anunciou que vai importar 50 milhões de rolos de papel. A ideia é "saturar" o mercado local e acabar com a "campaña mediática" que promove uma excessiva demando do produto. "Vamos a traer 50 millones para demostrarle a esos grupos que no lograran doblegarnos". "La revolución traerá al país el equivalente a 50 millones de rollos de papel higiénico (...) para que nuestro pueblo se tranquilice y comprenda que no debe dejarse manipular por la campaña mediática de que hay escasez".

Fleming nega que exista escassez. No banheiro dele certamente não. Num típico delírio bolivariano, evoca a poderosa imagem da “revolução” como entidade protetora da higiene popular.  “La revolución” trará 50 milhões de rolos de papel. A “revolução” não vai deixar o povo na mão. 

Triste sina a da revolução: garantir o papel higiênico.  Será esta a contribuição bolivariana à história das revoluções?  Escatologia por escatologia eu ainda preferia aquela que anunciava o derradeiro e luminoso porvir. Nunca imaginei que um dia a “revolução” acabaria encurralada num vaso sanitário!

terça-feira, 7 de maio de 2013

O QUE A REVISTA FORBES NÃO SABIA. OU: A Fortuna de Fidel Castro Segundo Emir Sader.


O QUE A REVISTA FORBES NÃO SABIA. OU: A Fortuna de Fidel Castro Segundo Emir Sader.



Estava prevendo isso. Emir Sader, como era de se esperar, saiu em defesa de Fidel Castro contestando a revista Forbes que calculou a fortuna do ditador e o colocou na lista dos homens mais ricos do mundo. Num artigo publicado no portal Carta Maior, intitulado “A Fortuna de Fidel”, o articulista saiu com esta: 

“Forbes tem razão: Fidel possui uma fortuna incalculável. Não é propriedade dele, mas o verdadeiro proprietário – o povo cubano – associa essa riqueza diretamente a ele, porque foi sob sua direção que ela foi construída.”  


O que o povo cubano, não este idealizado pelo sociólogo, diria sobre ser proprietário de tamanha fortuna? 

A capacidade laudatória deste sujeito, em se tratando de Cuba e de Fidel, não tem limites (Emir só fica atrás de Salim Lamrani, o apologista mor do regime cubano). Leiam a sequência do texto: 

“É a maior riqueza do mundo, porque nenhum outro país a possui. E é incalculável, porque ela não pode ser contada em números, não pode ser fixada em preço, não pode ser vendida, nem comprada. Trata-se dos direitos econômicos, sociais e culturais conquistados nestas já quase cinco décadas. Trata-se dos valores humanos associados estreitamente a eles.” 

Fidel não tem fortuna pessoal. É um homem desapegado de bens materiais. Deve ter feito voto de pobreza quando se converteu ao comunismo. É um sacerdote da política, um “pedagogo dos povos”, diria Frei Betto. A fortuna é do povo. Do abençoado e afortunado povo cubano que teve a sorte, ou o destino histórico, de ter um Fidel como comandante. Ou como escreveu um amigo meu: “a fortuna não é dele. ele é só fiel depositário do povo. Esta forbes não sabe nada.” As mansões e as Mercedes de Fidel não são dele, são do povo. Fidel é um verdadeiro franciscano, que gosta de presentear amigos com bens de luxo. Gabriel Garcia Márquez foi um deles. Ganhou de presente do ditador franciscano que veste “Adidas” uma mansão no bairro Siboney, em Havana, e um automóvel Mercedes Benz, para melhor desfrutar de suas temporadas na ilha. Querem detalhes desta amizade e da circunstância em que o presente foi dado? (Ver “Gabriel García Márquez e Fidel Castro - Os Segredos de uma Amizade”, de Ángel Esteben e Stéphanie Panichelli). Uma curiosidade: Fidel ter trocado os monocromáticos uniformes militares por abrigos da Adidas não caiu muito bem, não é? Não combina com o anti-imperialismo dos seus discursos. O “Fórum Internacional sobre Direitos Trabalhistas” denunciou que a Adidas explora o trabalho infantil no Paquistão, na China, na Índia e na Tailândia, nas fábricas de bolas de futebol. Será que Fidel fez, em nome do povo, um contrato com a multinacional para ampliar ainda mais a fortuna do “povo cubano”? Acho que não. Acho que o discurso anti-imperialista do comandante é apenas uma defesa, como diria Nelson Rodrigues: “O tal ódio aos americanos não chega a ser um sentimento, não chega a ser uma paixão. É uma defesa. (...) O imperialismo é culpado de tudo e nós, de nada.” Pensando bem, Fidel fica melhor de Adidas do que de uniforme militar! Vestir a marca multinacional realça mais as contradições do comandante.



O próprio Emir Sader, critico virulento do imperialismo, já usou os dados da revista Forbes como fonte num artigo intitulado “A economia política das drogas”: "Um dos seus chefões, Joaquin Guzman, entrou para a lista mundial dos bilionários da Forbes". Neste caso, a lista é séria e a indicação da revista é válida? Emir, o senhor também ficaria bem de uniformes Adidas! Aproveita e dá um de presente para Salim Lamrani.

No portal Carta Maior, onde Emir publica seus textos, a revista Forbes já foi citada como referência algumas vezes. No artigo “Os Ultramilionários”, por exemplo, aparece a seguinte citação: “A relação de ultramilionários do mundo voltou a alcançar máximas históricas, informa a 'Forbes': agora essa lista é formada por 1426 nomes com um valor patrimonial líquido de aproximadamente 5,4 trilhões de dólares. É algo inquietante.” A revista, portanto, goza de alguma credibilidade no portal, não é mesmo? Ou isto vale apenas para medir as fortunas dos “capitalistas”?

Agora, que o centro das atenções é Fidel Castro, Emir resolveu criticar e dizer, em tom de descrédito, que “obsessão pelos números é típica dos norte-americanos”. Tem como levar um sujeito como este a sério? Porque não fez isso antes? Quando os dados numéricos e a quantificação de fortunas da revista lhe interessam ele os usa sem problemas, mas quando seus correligionários estão na linha de fogo ...
Fico imaginando se a revista tivesse publicado sobre a fortuna de FHC ou sobre o patrimônio da Globo! Provavelmente Emir diria: “segundo a prestigiada e imparcial revista Forbes, FHC possui fortuna pessoal avaliada em ...”. 

Forbes no dos outros é refresco.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

“SANTO CHÁVEZ”: O COMANDANTE BOLIVARIANO E A PIEDADE POPULAR.



“SANTO CHÁVEZ”: O COMANDANTE BOLIVARIANO E A PIEDADE POPULAR.





Desdobramento do post anterior sobre o futuro do chavismo.

Se depender da devoção popular venezuelana o Comandante já é “santo”. As demonstrações públicas de veneração, a comercialização de imagens e a capela construída num bairro em Caracas para dar sede ao novo culto não deixam dúvidas. Chávez saiu da vida para alcançar os altares. Não falo isso em tom de deboche. Nunca acreditei no chavismo, nunca simpatizei com Chávez, mas aprendi a respeitar a devoção popular. Refiro-me à autêntica devoção popular, que não precisa da autorização do vaticano nem da aquiescência das paróquias para existir. O culto a Chávez contraria a igreja católica venezuelana e, certamente, perturba os socialistas bolivarianos espalhados pelas Américas. O “povo” venezuelano que venera Chávez, ouso dizer, nunca foi politicamente bolivariano nem doutrinariamente católico.

A santificação de Chávez tem duas dimensões distintas. De um lado, a dimensão político-eleitoral que procura obter vantagens e explorar politicamente a comoção popular provocada pela morte do líder. O conveniente apoio de um “santo” deixa qualquer oponente em desvantagem. Ter um cristo bolivariano como cabo eleitoral então, é covardia. Este é o lado perverso da santificação. É a exploração política da piedade popular. A campanha eleitoral de Maduro usou e abusou deste expediente. Na outra ponta, temos a dimensão popular do culto ao “santo”. Pelo que podemos ler nas imagens, embora seja cedo ainda para afirmar, a adoração religiosa em torno de Chávez é um fenômeno espontâneo entre as pessoas de origem mais humilde (reluto em usar a expressão “classes populares”). Algumas declarações colhidas entre os “adoradores” do “santo” nos dizem muito sobre as razões da santificação: “É o nosso santo dos pobres”, nos diz Eva Gárcia, de 45 anos, que visita o local todos os dias depois do trabalho. “Decidimos venir para ver la tumba de este hombre que hizo tanto por el pueblo, sobre todo por los más olvidados”, diz Lesbia Torres, que veio do norte da Colômbia para homenagear o Comandante. Outra devota afirma que “nosotros vivimos y trabajamos en Caracas gracias a Chávez”. Marina Flores, residente em Caracas, explica que “Chavecito para mí es todo. Nos dio independencia, nos devolvió lo que otros gobiernos nos habían quitado y nos hizo entender que todos tenemos los mismos derechos” (As falas foram extraídas de artigos de cronistas e jornalistas venezuelanos e correspondentes internacionais). As declarações se multiplicam e apontam numa mesma direção: Chávez intercedeu pelos pobres, lutou pelos seus direitos e criou trabalho para todos.

Podemos considerar Chávez um populista, um oportunista que estendeu benefícios ao povo para conquistá-lo politicamente, mudar o jogo e ter força eleitoral para enfrentar as velhas elites venezuelanas. É assim que eu interpreto a política chavista. Mas se nos afastarmos um pouco de nossas categorias sociológicas e nos colocarmos na pele de quem nunca teve nada e sempre foi tratado como lixo social pelas elites carcomidas, a coisa muda de figura. Para entendermos a conversão de Chávez em “santo” temos que olhar para aqueles que assim o elegeram, entender os seus motivos, suas crenças e a relação que mantinham com o líder. Mais do que o Comandante de uma revolução, Chávez era o salvador. Oportunista ou não, Chávez olhou para esse “povo” e o trouxe, do seu modo, para o centro da política nacional.  Para estas pessoas pobres e profundamente religiosas o pouco que Chávez fez foi muito se considerarmos a forma como eram tratadas antes. Chávez olhou pelos pobres, como disse alguém. Chávez usou os pobres, diria outro. Que diferença isto faz para os ditos “pobres”? Getúlio Vargas era “pai dos pobres” ou “mãe dos ricos”? Não importa. Para os trabalhadores brasileiros daquela época Vargas fez o que nenhum outro presidente fez. Olhou para eles, falou com eles, lhes deu atenção e importância e instituiu leis trabalhistas. Sabemos das intenções de Vargas e da importância estratégica que a “classe” trabalhadora tinha para os seus planos (projetos). Mas se quisermos entender as razões do culto a Vargas temos que olhar para os “trabalhadores”, para o modo como eles viam o presidente. São conhecidas as cartas, com pedidos, sugestões e elogios, que eram enviadas para o presidente por admiradores de todo o Brasil Numa delas, datada de 1940, Fernando G. da Silva, do Rio de Janeiro, assim se manifesta: “(...) V. ex. que é um presidente justo, honrado e muito querido pelo povo. o que mais tem feito por todas as classes e finalmente que incluirá o Brasil no rol das grandes potências.” Havia o reconhecimento popular de que um presidente finalmente se preocupava como o “povo”. E este “povo” demonstrava gratidão.

Logo, logo vão surgir os Milagres atribuídos ao Comandante. O milagre social e coletivo da revolução, mais anunciado do que realizado, vai dar lugar as curas individuais de doenças e as graças alcançadas pela intervenção do “santo”. Que me perdoem os bolivarianos e os que acham que religião é bobagem, mas a “religião chavista” é o que de mais interessante vai ficar de herança da “era Chávez”. É o “povo”, para o desencanto dos intelectuais, fazendo a sua escolha. A piedade popular manifesta-se num registro pautado pelo mistério e não pelos caminhos da racionalidade que levam a revolução. E foi a piedade popular quem proclamou e esta reivindicando a santidade de Chávez. O culto está nas ruas da Venezuela, contrariando as orientações da igreja. Neste caso, a veneração pública ao santo não depende de um gesto oficial do poder eclesiástico nem da instauração de um processo jurídico-teológico. 

Se a população pobre beneficiada pelas políticas chavistas quer ter Chávez como “santo” e não como líder revolucionário, que seja assim então.  O “povo” não é livre para escolher? O problema é a outra metade do país, que vê na figura de Chávez a encarnação do mal. Santos, normalmente, são figuras que unem. Por terem vivido num tempo distante as figuras santificadas não têm inimigos ou detratores vivos. As imagens que temos dos santos são idealizações cultivadas ao longo de séculos. Suas qualidades e virtudes são ampliadas pelos fieis e elevadas a uma condição heroica. O santo, como um ideal, está muito distante do homem ou da mulher que um dia ele foi. O caso de Chávez é diferente. Era um líder político, e como tal conquistou uma legião de adversários, inimigos, antipatizantes, desafetos e detratores, dentro e fora da Venezuela. A morte recente e a imediata santificação podem tornar a imagem “santa” do Comandante objeto de escárnio, ódio e ridicularização. Guerra santa à vista na Venezuela.


Imagens da Devoção.





Capela erguida por devotos no bairro chavista “23 de enero” em homenagem ao “santo”. O lugar converteu-se numa espécie de santuário improvisado para receber peregrinos de todo o país. O lugar oficial de culto à memória do chefe é o “Museo de La Revolución Bolivariana”. Mas o “povo” resolveu improvisar e construiu o seu próprio lugar de celebração, sem os textos explicativos e a frieza racionalista dos Museus. O povo não vai venerar o “santo” num Museu. Não é o lugar adequado. Santo Agostinho já dizia: “Para estes santos lugares (os santuários) é reconduzido, com veneração e honras, qualquer objeto que reconheçam pertencer-lhes”. Como o santuário de La Higuera erguido em homenagem ao Che, é bem provável que o mesmo aconteça com Chávez no “23 de enero”. A capela é só o começo. Será que em março de 2014 teremos romarias ao bairro chavista?





Imagem do interior da Capela (“Dios con nosotros! Quién contra nosotros?”). Ao lado de Chávez a imagem do Nazareno de San Pablo, uma representação de Jesus Cristo carregando a cruz para o calvário, venerado na basílica de Santa Tereza, em Caracas. A imagem tem profunda admiração popular e suas raízes remontam aos tempos coloniais.










Devota no interior da capela acendendo vela e fazendo orações ao “santo”.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

EXISTE VIDA APÓS A MORTE PARA O CHAVISMO?



EXISTE VIDA APÓS A MORTE PARA O CHAVISMO?





Lendo um artigo agora pela manhã sobre “o chavismo além de Chávez”, fiquei me perguntando: será que existe mesmo vida para o chavismo depois da morte do líder bolivariano?

Breves anotações, sem pretender enterrar prematuramente o chavismo.

As eleições na Venezuela confirmaram o que já sabíamos: a importância histórica do carisma na América Latina. Líderes carismáticos, de diferentes tendências, sempre arrastaram multidões ao sul do Rio Grande com promessas de participação social e distribuição de riqueza. Alguns deles foram decisivos e adotaram estratégias de desenvolvimento que resultaram em ganhos importantes. Outros foram desastrosos. Uma coisa é certa, não subestimemos o carisma. Mas saibamos reconhecer os seus limites. O carisma, como fenômeno político, tem vida curta. A morte do líder, geralmente, encerra uma “era política”, e o que sobrevém, como tendência, são períodos turbulentos. E carisma dificilmente se transfere. 

Embora nunca tenha simpatizado nem nutrido algum tipo de expectativa positiva em relação ao chavismo, como observador a distância considerava que, na atual conjuntura, e dada a inexpressividade do opositor, a vitória de Maduro era o melhor para a Venezuela. Mas como quase todo mundo, acreditava que a vitória viria com uma margem mais expressiva de votos. Os Institutos de pesquisa erraram (nenhuma surpresa). O momento exige autocrítica por parte dos adeptos do chavismo. 

O que a voz das urnas nos diz?

1.      O chavismo morreu com Chávez.

Maduro e a revolução bolivariana amargaram uma grande derrota nas urnas (perto de 235 mil votos de diferença), se pensarmos na vantagem de mais ou menos 10% que Chávez sempre teve em relação à oposição. O povo venezuelano, eis a lição, não apoiava a revolução bolivariana, ou o dito socialismo, mas a figura carismática de Chávez. Não nos enganemos. O chavismo era Chávez e Chávez era o chavismo. Não podemos falar de um movimento denominado chavismo que sustentava Chávez no poder. O Comandante era a razão de ser deste movimento. Alguns analistas insistem no “processo bolivariano”, como se o tal processo existisse independente da figura de Chávez. O desejo dos intelectuais, jornalistas e ativistas políticos que vestem a camisa do chavismo não pode ser traduzido, ou confundido, como a expressão do desejo do “povo venezuelano”. Parece-me um erro de interpretação.

1.      A oposição saiu fortalecida das eleições.

Desaparecido o líder, o regime mantido pelo personalismo encolhe e a oposição volta a crescer. A questão é: Maduro não é Chávez, não tem o carisma, nem a liderança e muito menos o talento para a polêmica (e a poderosa oratória), que o chefe bolivariano sabia usar como poucos. Vai conseguir governar com uma vantagem tão pequena e com o evidente fortalecimento da oposição? O crescimento da oposição não foi uma surpresa de última hora. Desde as eleições de outubro de 2012 quando Capriles venceu o candidato chavista Elías Jaua, no estado de Miranda, a oposição vem ganhando força. E a questão a ser respondida pelos chavistas é: a que se deve este crescimento se o governo tem a radiodifusão e a televisão estatal a seu favor? Como a candidatura de Capriles conseguiu a metade dos votos do país contra a pesada máquina eleitoral oficial, o marketing político que explorou até a última gota a imagem de Chávez e os apelos sobrenaturas à figura do líder? Talvez tenhamos que examinar, para além do discurso oficial, o que de fato acontece na Venezuela. Já não se pode dizer que a oposição e os descontentes representam uma minoria privilegiada. E não. Desta vez não venham acusar a tal da “mídia golpista” e os Estados Unidos pelo crescimento da candidatura de Capriles.

2.      Crise de legitimidade.

Chávez morreu, o chavismo enfraqueceu e a Venezuela pós Chávez dá sinais de que tempos difíceis virão. O governo Maduro já nasce perturbado por uma crise de legitimidade. A estratégia de Capriles de apontar milhares de irregularidades ocorridas durante a votação e exigir a recontagem total dos votos cria um novo fato político que vai surtir dois efeitos correlatos: atacar a legitimidade do novo governo e munir a oposição de combustível político inflamável. Não podemos levar a sério o discurso de Lula na Assembleia Legislativa de Minas Gerais usando o exemplo de Kennedy, que foi eleito contra Nixon com apenas 0,01% de vantagem, para minorar o mal estar provocado pela apertada vantagem de Maduro. A comparação foi infeliz. Entendo as razões de Lula, mas o desejo do ex-presidente não tem força política, por mais influente que ele seja, para mudar a realidade.

3.      Carisma não é revolução.

Apostar no carisma, e revesti-lo com ideais sociais que lhe são estranhos, sempre me pareceu um jogo muito perigoso. Especialmente para quem conhece o fenômeno. Confundir carisma com revolução social pode ter um alto custo. E sabemos quem vai pagar o preço. O carisma, como bem disse Francisco Carlos Teixeira, se esgota em si mesmo. O chavismo morreu com Chávez. Metade da Venezuela está vivendo um sentimento de orfandade política e Maduro carece de luz própria para dar nome a um movimento. O chavismo, na minha avaliação, não deixa herança política e social em termos de organização popular da sociedade civil. Ao invés de possibilitar o fortalecimento da sociedade e a organização popular com autonomia, Chávez impôs-se com sua personalidade política e dirigiu o “povo”, como um rebanho político, com promessas e, reconheçamos, algumas conquistas sociais. Mas estas conquistas, sem o chefe que as sustentava, podem se perder.


4.      O culto sincrético político - religioso.




O chavismo, como movimento político, dificilmente sobrevive. Mas o culto à Chávez tende a crescer em duas direções: como mito político e como fenômeno popular de adoração religiosa. O recém-criado “Museo de La Revolución Bolivariana”, no bairro “23 de enero”, reduto do chavismo, e as romarias de visitações, apontam nesta direção. O “Museo” é um espaço de culto cívico à figura do líder, que pretende imortalizar a sua herança e narrar a história da América, e da Venezuela, sob a perspectiva bolivariana. Mas o que acontece espontaneamente pelas ruas é o que mais chama a atenção. Desde sua morte, mas, sobretudo, desde a semana santa, Chávez vem se transformando num ícone religioso. Nas tendas esotéricas ao longo da Avenida Baralt, em Caracas, os admiradores procuram por imagens santificadas. No país inteiro multiplicam-se as estampas mesclando a imagem de Chávez com a de Cristo. Nas proximidades das igrejas, vendedores ambulantes vendem imagens e postais associando as duas figuras. Maduro explorou esta associação nas eleições ao declarar que Chávez era o “Cristo dos pobres”. Chávez não foi o primeiro (aconteceu o mesmo com Che Guevara), e a associação de personalidades políticas com o sagrado, com Jesus, não é exclusiva da esquerda (ver, por exemplo, o caso de Tiradentes).




Um culto mágico-religioso combinado com patriotismo heroico, fundindo política com religião, parece ser o futuro do chavismo. A “revolução bolivariana”, com a morte do líder, tende a se converter, na sua versão popular, num altar cívico-religioso em homenagem ao salvador. A mestiçagem religiosa na Venezuela, o fervor popular e o culto dos bolivarianos em torno de um só deus (perdão, homem), criam um ambiente bastante propício para a emergência de uma “religião chavista”. O arcebispo de Caracas, cardeal Jorge Urosa Savino, preocupado com a santificação em curso, fez um pronunciamento sobre as pessoas que improvisaram uma capela na paróquia do bairro “23 de enero” para adorar o “santo Hugo Chávez del 23”. De nada vai adiantar os apelos do arcebispo. A santificação popular do Comandante, com o consentimento tácito das lideranças políticas afinadas com o chavismo, não tem mais volta.



Torço para que Maduro se desprenda da figura de Chávez, não se torne refém do jogo desestabilizador de Capriles e encontre um caminho próprio para construir uma possibilidade de governo. Tarefa hercúlea. Sei não. Ele me parece um tanto “Verde” para tamanho desafio. As primeiras manifestações públicas do novo presidente revelam, na minha avaliação, um homem despreparado, impulsivo e inseguro para governar a Venezuela até 2019. Tomara que eu esteja enganado, pois Maduro ainda me perece a melhor saída. Não dá para levar Capriles a sério.


Deixo com vocês um trecho do livro “God is Not Great”, de Cristopher Hitchens. Tirem suas próprias conclusões.

“En unas sociedades que ellos consideran saturadas de fe y superstición, los absolutistas comunistas no negaban tanto la religión cuanto pretendían sustituirla. Esta elevación de líderes infalibles que eran una fuente de infinita munificencia y bendición; la búsqueda permanente de individuos herejes y cismáticos; la momificación de dirigentes fallecidos como iconos y reliquias; los morbosos juicios públicos que provocaban confesiones increíbles sirviéndose de la tortura... nada de esto era muy difícil de interpretar en términos tradicionales. Ni tampoco la histera durante las épocas de epidemias y hambrunas en las que las autoridades desplegaban una búsqueda enloquecida de cualquier culpable menos el verdadero (...) Ni tampoco la incesante evocación de un «Futuro Luminoso», cuya llegada justificaría algún día todos los delitos y disolvería todas las pequeñas dudas. «Extra ecclesiam,nulla salus», como solía decir la antigua fe. «Dentro de la revolución, todo. Fuera de la revolución, nada», como le gustaba subrayar a Fidel Castro. De hecho, en las proximidades de Castro apareció una singular mutación conocida como «teología de la liberación», un oxímoron, según la cual los sacerdotes e incluso algunos obispos adoptaron liturgias «alternativas»; que consagraban la absurda idea de que Jesús de Nazaret era en realidad un socialista al corriente del pago de sus cuotas”.