A REVOLUÇÃO
JESUÍTICA NA ILHA SOCIALISTA. Ou: Frei Betto esta tirando Fidel Castro para
Santo Inácio.
Frei
Betto é incorrigível. Perdi as esperanças. Cheguei a pensar que a idade lha
traria algum equilíbrio. Ledo engano. Depois de sugerir levianamente que Yoani Sánchez tinha ligações com a Cia
e era financiada pelos EUA para desestabilizar o regime castrista, o dominicano
nos brinda com outra pérola do seu vasto repertório apologético sobre a Cuba de
Fidel. O que mais ele poderia dizer em favor/louvor do regime cubano e do seu
líder? Em visita a Havana, em fevereiro deste ano, fez um discurso laudatório
da revolução (novidade?), comemorou a boa saúde do Comandante e disse que a
revolução, além de social e ideológica, é uma “obra evangélica” (que “significa
dar comida a quem tem fome; saúde a quem está enfermo; amparo a quem está
desamparado; trabalho a quem está desempregado”.). Sua fé na revolução cubana
situa-se em algum lugar nebuloso entre a cegueira e a inocência. Estou
esforçando-me para não entrar com adjetivos menos benevolentes. Quanto à saúde
de Fidel, tomará que o Frei esteja certo.
Já em relação a tal “obra evangélica”, o que suponho ser o resultado “das núpcias de Teresa de
Ávila com Ernesto Che Guevara” (segundo palavras de Frei), o que dizer? Um
típico delírio bettiano? No mesmo discurso, Frei Betto, o bajulador mor do
Comandante, sugeriu que Fidel era a encarnação do ideal pedagógico jesuítico.
Hummm..., é notável o esforço deste homem para emprestar um ideal cristão à
revolução cubana. Creio que Fidel se sente um tanto desconfortável com isso,
mas todo tirano gosta de adulação. Além disso, Betto é o elogiador oficial do
regime e embaixador não oficial de Cuba no mundo. Vamos examinar mais de perto
este novo e inusitado elogio. A revolução é uma obra evangélica e o seu eterno
comandante um pedagogo dos povos no melhor estilo jesuítico.
O mais próximo que Fidel chegou dos jesuítas foi na juventude, quando estudou no colégio Belém, em Havana, sob orientação jesuítica. Estudou também no colégio Dolores, em Santiago de Cuba, onde chegou a praticar os exercícios espirituais. E foi só. Mas se levarmos em conta o autoritarismo dos jesuítas e a pedagogia corretiva, que por vezes sugeria o chicote para apontar os desvios dos fieis, e sua concepção, digamos pastoral, de poder, existe alguma chance do Frei ter dado uma bola dentro. Troca-se o chicote pelo açoite da propaganda oficial e estamos certos. Mas não foi isso que o Frei quis expressar. Betto vê na pedagogia jesuítica uma obra edificante e construtora de consciências. Em Cuba, por obra da revolução, se pratica, embora com outros nomes, um dos exercícios espirituais mais importantes da ordem jesuítica: o exame de consciência. Aplicado à realidade cubana, este exame diz respeito ao autoconhecimento e a autocrítica. O Frei dominicano sugere, portanto, que em Cuba, onde a revolução foi “bem sucedida”, existe um trabalho diário de reflexão sobre a revolução. E Fidel seria o inspirador deste “exame de consciência”, o comandante pedagogo que possibilita o autoconhecimento da revolução. Para Frei Betto Fidel é um campeão da democracia e das liberdades. Um pastor educado por Marx (o que Marx pensaria disso?) e inspirado, mesmo sem saber, pelos evangelhos, que conduz seu povo no rumo de uma nova Canaã socialista.
O mais próximo que Fidel chegou dos jesuítas foi na juventude, quando estudou no colégio Belém, em Havana, sob orientação jesuítica. Estudou também no colégio Dolores, em Santiago de Cuba, onde chegou a praticar os exercícios espirituais. E foi só. Mas se levarmos em conta o autoritarismo dos jesuítas e a pedagogia corretiva, que por vezes sugeria o chicote para apontar os desvios dos fieis, e sua concepção, digamos pastoral, de poder, existe alguma chance do Frei ter dado uma bola dentro. Troca-se o chicote pelo açoite da propaganda oficial e estamos certos. Mas não foi isso que o Frei quis expressar. Betto vê na pedagogia jesuítica uma obra edificante e construtora de consciências. Em Cuba, por obra da revolução, se pratica, embora com outros nomes, um dos exercícios espirituais mais importantes da ordem jesuítica: o exame de consciência. Aplicado à realidade cubana, este exame diz respeito ao autoconhecimento e a autocrítica. O Frei dominicano sugere, portanto, que em Cuba, onde a revolução foi “bem sucedida”, existe um trabalho diário de reflexão sobre a revolução. E Fidel seria o inspirador deste “exame de consciência”, o comandante pedagogo que possibilita o autoconhecimento da revolução. Para Frei Betto Fidel é um campeão da democracia e das liberdades. Um pastor educado por Marx (o que Marx pensaria disso?) e inspirado, mesmo sem saber, pelos evangelhos, que conduz seu povo no rumo de uma nova Canaã socialista.
Fica a nítida impressão de que o fracasso
material do socialismo cubano, que precisa manter o povo trancado na ilha com o
mínimo de contado com o exterior, encontrou na espiritualidade uma nova forma
de legitimidade. Fome, saúde, amparo e emprego são, na releitura bettiana dos
evangelhos, os pilares da “obra evangélica”. Eu diria que Frei Betto propõe um
evangélico quadrangular específico para a revolução cubana. Nesta releitura, o
Estado seria o espírito santo, o demiurgo do milagre social que multiplicou os
pães (e as filas) e fez da educação (o materialismo histórico) o “exame de
consciência” diário do “novo homem” cubano.
As núpcias de Teresa com o Che me inquieta!
Seriam as núpcias entre o céu e manifesto comunista? O que poderia nascer deste cruzamento
improvável? Um espírito santo guerrilheiro e demiurgo? O dedo vermelho de deus?
O encontro perfeito das teleologias marxista e cristã? Isto esta
definitivamente fora do meu alcance. Porém, embora por outros caminhos, devo
dizer que Che encontrou a santidade. Por certo, quem esta lendo este texto deve
saber que o ícone da revolução cubana foi tomado por santo na localidade
boliviana de La Higuera, onde foi morto. O curioso é que Frei Betto nunca
comentou o fato. A população local adora Che como santo e o tem como
milagreiro. Se Betto realmente pretende armar um encontro entre Che e Teresa,
isto seria um prato cheio. Mas não. Mais do que celebrar núpcias divinas, as
intenções do Frei são mais mundanas e propagandísticas. Ele é o porta-voz
internacional do regime dos Castro, e Teresa de Avila uma eficiente arma de
propaganda para dar um toque transcendental ao regime. Minha suspeita: como bom
intelectual de esquerda, Betto desconfia da espontaneidade e da religiosidade
popular. O “povo” deve sempre ser conduzido, quer pelos jesuítas quer pelos
revolucionários. O Che de Betto é o guia revolucionário e interprete do desejo
popular, não o santo que intercede pelo “povo” e cura suas desgraças.
Na ilha socialista erigida sob os auspícios
do evangelho, os dissidentes, na visão do Frei, seriam exatamente o que?
Infiéis mercenários que desacreditam a boa nova das núpcias do cordeiro
socialista? Familiares do demônio que habita nas terras mais ao norte? Demônios
capitalistas que aterrorizam o rebanho castrista com abomináveis sonhos de
consumo? Frei Betto, Frei Betto, você não precisa ir a Miami para confrontar o
inimigo do “povo” cubano. Os demônios não são externos. Nossos principais
tiranos são domésticos, adotam retóricas antiamericanas e se apresentam como
salvadores. E esse messianismo ideológico não vem de Washington. Vem das
entranhas da América Latina.
Essa mania de pensar que a ameaça vem sempre
de fora é coisa de intelectual latino americano. Todas as nossas tragédias e
desgraças sempre foram atribuídas aos espanhóis, aos portugueses, aos ingleses,
aos norte-americanos. De Cortez à Bush, de acordo com teologia da vitimização,
a América sempre foi alvo dos saques e exploração estrangeira. Não vamos negar
isso, mas também não vamos absolutizar esta maneira de encarar os fatos. Não
esta na hora de olharmos para nós mesmos e assumirmos algumas coisas, Frei? Não
seria esse o nosso “exame de consciência”, para nos responsabilizarmos também
pela nossa incompetência? Vamos ficar a vida toda nos vitimizando e culpando um
inimigo externo? Pare de usar o bloqueio como desculpa. Fidel ainda existe
graças ao bloqueio. Aliás, essa mania de culpar um inimigo externo seria essa
uma herança jesuítica? (isso não passa de uma especulação despretensiosa). A Companhia
de Jesus sempre se declarou vítima de complôs e da injustiça de inimigos
externos à ordem. Por essa razão transformou seus membros que estiveram nas
frentes de batalha travadas nos quatro cantos do mundo em heróis e santos. A
autocrítica inaciana nunca foi o ponto forte da Companhia. Nas entranhas da
latino-américa, se procurarmos um pouco, vamos encontrar a mão dos jesuítas por
toda parte. As veias da América Latina,
caro Frei, foram abertas, em parte, de dentro para fora.
Se a revolução é autocrítica, como quer Frei
Betto, porque os dissidentes, que apontam as fragilidades do regime e discordam
dos métodos do governo, são presos e morrem em greves de fome nas prisões de
Havana? É mais fácil denunciá-los como traidores e mercenários do que encarar
as críticas que desferem contra a “obra evangélica” comandada por Fidel. Os
dominicanos, não é Frei Betto, sabem bem como isso funciona desde os tempos em
que comandavam a inquisição. Será que o venerável Frei esta com saudades dos
tempos de Torquemada? Só esta faltando Frei Betto acusar
os dissidentes cubanos de hereges. Não duvidem. Depois de declarar a revolução
como “evangélica”, identificar na dissidência traços das antigas heresias é um
passo. Mas não é bom brincar com isso. Os cubanófilos podem levar a sério e
reeditar os velhos autos de fé. Dissidentes heréticos, que discordam da
ortodoxia, desfilariam pelas ruas de Havana em carroças, envolvidos por
bandeiras dos EUA e com inscrições pintadas no corpo: “lacaios de Washington”,
“mercenários capitalistas”, “traidores da revolução”.
O certo nisso tudo é que agora o evangelho,
segundo Fidel Castro, tem um anunciador: Frei Betto, o exegeta oficial do
socialismo evangélico.
O que os jesuítas pensariam sobre isso? Na
boa, essa eu acho que nem o Clovis Lugon engoliria.
Paulo.
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