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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A REVOLUÇÃO JESUÍTICA NA ILHA SOCIALISTA. Ou: Frei Betto esta tirando Fidel Castro para Santo Inácio.



A REVOLUÇÃO JESUÍTICA NA ILHA SOCIALISTA. Ou: Frei Betto esta tirando Fidel Castro para Santo Inácio.



Frei Betto é incorrigível. Perdi as esperanças. Cheguei a pensar que a idade lha traria algum equilíbrio. Ledo engano. Depois de sugerir levianamente que Yoani Sánchez tinha ligações com a Cia e era financiada pelos EUA para desestabilizar o regime castrista, o dominicano nos brinda com outra pérola do seu vasto repertório apologético sobre a Cuba de Fidel. O que mais ele poderia dizer em favor/louvor do regime cubano e do seu líder? Em visita a Havana, em fevereiro deste ano, fez um discurso laudatório da revolução (novidade?), comemorou a boa saúde do Comandante e disse que a revolução, além de social e ideológica, é uma “obra evangélica” (que “significa dar comida a quem tem fome; saúde a quem está enfermo; amparo a quem está desamparado; trabalho a quem está desempregado”.). Sua fé na revolução cubana situa-se em algum lugar nebuloso entre a cegueira e a inocência. Estou esforçando-me para não entrar com adjetivos menos benevolentes. Quanto à saúde de Fidel, tomará que o Frei esteja certo.  Já em relação a tal “obra evangélica”, o que suponho ser o resultado “das núpcias de Teresa de Ávila com Ernesto Che Guevara” (segundo palavras de Frei), o que dizer? Um típico delírio bettiano? No mesmo discurso, Frei Betto, o bajulador mor do Comandante, sugeriu que Fidel era a encarnação do ideal pedagógico jesuítico. Hummm..., é notável o esforço deste homem para emprestar um ideal cristão à revolução cubana. Creio que Fidel se sente um tanto desconfortável com isso, mas todo tirano gosta de adulação. Além disso, Betto é o elogiador oficial do regime e embaixador não oficial de Cuba no mundo. Vamos examinar mais de perto este novo e inusitado elogio. A revolução é uma obra evangélica e o seu eterno comandante um pedagogo dos povos no melhor estilo jesuítico. 

O mais próximo que Fidel chegou dos jesuítas foi na juventude, quando estudou no colégio Belém, em Havana, sob orientação jesuítica. Estudou também no colégio Dolores, em Santiago de Cuba, onde chegou a praticar os exercícios espirituais. E foi só. Mas se levarmos em conta o autoritarismo dos jesuítas e a pedagogia corretiva, que por vezes sugeria o chicote para apontar os desvios dos fieis, e sua concepção, digamos pastoral, de poder, existe alguma chance do Frei ter dado uma bola dentro. Troca-se o chicote pelo açoite da propaganda oficial e estamos certos. Mas não foi isso que o Frei quis expressar. Betto vê na pedagogia jesuítica uma obra edificante e construtora de consciências. Em Cuba, por obra da revolução, se pratica, embora com outros nomes, um dos exercícios espirituais mais importantes da ordem jesuítica: o exame de consciência. Aplicado à realidade cubana, este exame diz respeito ao autoconhecimento e a autocrítica. O Frei dominicano sugere, portanto, que em Cuba, onde a revolução foi “bem sucedida”, existe um trabalho diário de reflexão sobre a revolução. E Fidel seria o inspirador deste “exame de consciência”, o comandante pedagogo que possibilita o autoconhecimento da revolução. Para Frei Betto Fidel é um campeão da democracia e das liberdades.  Um pastor educado por Marx (o que Marx pensaria disso?) e inspirado, mesmo sem saber, pelos evangelhos, que conduz seu povo no rumo de uma nova Canaã socialista.

Fica a nítida impressão de que o fracasso material do socialismo cubano, que precisa manter o povo trancado na ilha com o mínimo de contado com o exterior, encontrou na espiritualidade uma nova forma de legitimidade. Fome, saúde, amparo e emprego são, na releitura bettiana dos evangelhos, os pilares da “obra evangélica”. Eu diria que Frei Betto propõe um evangélico quadrangular específico para a revolução cubana. Nesta releitura, o Estado seria o espírito santo, o demiurgo do milagre social que multiplicou os pães (e as filas) e fez da educação (o materialismo histórico) o “exame de consciência” diário do “novo homem” cubano.

As núpcias de Teresa com o Che me inquieta! Seriam as núpcias entre o céu e manifesto comunista?  O que poderia nascer deste cruzamento improvável? Um espírito santo guerrilheiro e demiurgo? O dedo vermelho de deus? O encontro perfeito das teleologias marxista e cristã? Isto esta definitivamente fora do meu alcance. Porém, embora por outros caminhos, devo dizer que Che encontrou a santidade. Por certo, quem esta lendo este texto deve saber que o ícone da revolução cubana foi tomado por santo na localidade boliviana de La Higuera, onde foi morto. O curioso é que Frei Betto nunca comentou o fato. A população local adora Che como santo e o tem como milagreiro. Se Betto realmente pretende armar um encontro entre Che e Teresa, isto seria um prato cheio. Mas não. Mais do que celebrar núpcias divinas, as intenções do Frei são mais mundanas e propagandísticas. Ele é o porta-voz internacional do regime dos Castro, e Teresa de Avila uma eficiente arma de propaganda para dar um toque transcendental ao regime. Minha suspeita: como bom intelectual de esquerda, Betto desconfia da espontaneidade e da religiosidade popular. O “povo” deve sempre ser conduzido, quer pelos jesuítas quer pelos revolucionários. O Che de Betto é o guia revolucionário e interprete do desejo popular, não o santo que intercede pelo “povo” e cura suas desgraças.  

Na ilha socialista erigida sob os auspícios do evangelho, os dissidentes, na visão do Frei, seriam exatamente o que? Infiéis mercenários que desacreditam a boa nova das núpcias do cordeiro socialista? Familiares do demônio que habita nas terras mais ao norte? Demônios capitalistas que aterrorizam o rebanho castrista com abomináveis sonhos de consumo? Frei Betto, Frei Betto, você não precisa ir a Miami para confrontar o inimigo do “povo” cubano. Os demônios não são externos. Nossos principais tiranos são domésticos, adotam retóricas antiamericanas e se apresentam como salvadores. E esse messianismo ideológico não vem de Washington. Vem das entranhas da América Latina.  

Essa mania de pensar que a ameaça vem sempre de fora é coisa de intelectual latino americano. Todas as nossas tragédias e desgraças sempre foram atribuídas aos espanhóis, aos portugueses, aos ingleses, aos norte-americanos. De Cortez à Bush, de acordo com teologia da vitimização, a América sempre foi alvo dos saques e exploração estrangeira. Não vamos negar isso, mas também não vamos absolutizar esta maneira de encarar os fatos. Não esta na hora de olharmos para nós mesmos e assumirmos algumas coisas, Frei? Não seria esse o nosso “exame de consciência”, para nos responsabilizarmos também pela nossa incompetência? Vamos ficar a vida toda nos vitimizando e culpando um inimigo externo? Pare de usar o bloqueio como desculpa. Fidel ainda existe graças ao bloqueio. Aliás, essa mania de culpar um inimigo externo seria essa uma herança jesuítica? (isso não passa de uma especulação despretensiosa). A Companhia de Jesus sempre se declarou vítima de complôs e da injustiça de inimigos externos à ordem. Por essa razão transformou seus membros que estiveram nas frentes de batalha travadas nos quatro cantos do mundo em heróis e santos. A autocrítica inaciana nunca foi o ponto forte da Companhia. Nas entranhas da latino-américa, se procurarmos um pouco, vamos encontrar a mão dos jesuítas por toda parte.  As veias da América Latina, caro Frei, foram abertas, em parte, de dentro para fora. 

Se a revolução é autocrítica, como quer Frei Betto, porque os dissidentes, que apontam as fragilidades do regime e discordam dos métodos do governo, são presos e morrem em greves de fome nas prisões de Havana? É mais fácil denunciá-los como traidores e mercenários do que encarar as críticas que desferem contra a “obra evangélica” comandada por Fidel. Os dominicanos, não é Frei Betto, sabem bem como isso funciona desde os tempos em que comandavam a inquisição. Será que o venerável Frei esta com saudades dos tempos de Torquemada? Só esta faltando Frei Betto acusar os dissidentes cubanos de hereges. Não duvidem. Depois de declarar a revolução como “evangélica”, identificar na dissidência traços das antigas heresias é um passo. Mas não é bom brincar com isso. Os cubanófilos podem levar a sério e reeditar os velhos autos de fé. Dissidentes heréticos, que discordam da ortodoxia, desfilariam pelas ruas de Havana em carroças, envolvidos por bandeiras dos EUA e com inscrições pintadas no corpo: “lacaios de Washington”, “mercenários capitalistas”, “traidores da revolução”.

O certo nisso tudo é que agora o evangelho, segundo Fidel Castro, tem um anunciador: Frei Betto, o exegeta oficial do socialismo evangélico. 

O que os jesuítas pensariam sobre isso? Na boa, essa eu acho que nem o Clovis Lugon engoliria.

Paulo.

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