Dando sequência aquele
textinho sobre “estômago de urubu”, da semana passada, aí vai um arremate.
Um amigo comentou, num papo
sobre o julgamento do mensalão: “...mas Paulo, o dito mensalão não parece ser
fruto de uma manipulação midiática?” A pergunta era retórica, e a resposta foi
mais ou menos a seguinte:
Em parte, é sim. Claro. A superexposição do caso e a
exploração que a TV (Globo), certas revistas (Veja) e jornais (O Globo, Folha
de São Paulo) fazem do esquema político denunciado pelo gângster Roberto
Jeferson, não deixam dúvidas. Pretendem fazer do mensalão – expressão cunhada
na Folha de São Paulo - o caso mais emblemático da corrupção brasileira e
transformar o julgamento no “julgamento do século”, uma espécie de inquisição
política para desmoralizar o PT. As forças políticas e sociais de oposição ao
governo Lula/Dilma fazem do mensalão um oásis no meio do deserto político em
que se encontram. Incapazes de mobilizar demandas sociais em torno de um
projeto alternativo, incapazes de unificar minimamente uma frente de oposição e
de forjar uma liderança nacional que faça frente ao Lulismo, se apegam ao caso
do mensalão como último recurso para quebrar o poder político petista.
Espera-se que a condenação de alguns dos nomes mais importantes da história do
partido abale a reputação e a estrutura política construída na última década.
Existe uma mistificação do caso promovida por setores da imprensa. Mas
isso não quer dizer que o dito mensalão não tenha ocorrido. Vamos em frente.
O discurso da vitimização não
pode ser levado a sério. PRIMEIRO, o PT fez isso a vida toda. Quando na
oposição, empunhou o bastião da moralidade e se especializou na “arte” da
desmoralização público dos inimigos políticos. Agora, O PARTIDO está na posição
vulnerável em que antes se encontravam seus adversários. Não porque é vítima de
uma conspiração conservadora, mas porque cometeu os mesmos “pecados” que
outrora denunciava. SEGUNDO, a exploração sensacionalista que as forças de
oposição fazem do mensalão não pode nos tornar surdos para o que está gritando
diante de nós. As evidências de um poderoso esquema de compra de votos, comandado
por José Dirceu e Marcos Valério, o operador do esquema, são avassaladoras, e
os envolvidos nunca apresentaram nada que pudesse por em dúvida as denúncias de
Jeferson e as provas da existência do esquema apresentadas no relatório final
da Polícia Federal. O máximo que fizeram foi negar as denúncias e acusar uma
conspiração midiática. Mas isso todos eles fazem ou fizeram, não é. Demóstenes
se declara vítima de uma perseguição. Marconi Perillo, cada vez mais enredado,
se declara vítima do PT, por ter desafiado Lula. A tática é sempre a mesma, o
que muda é o enredo e a legenda. Os “companheiros” se revelaram tão
indiferentes à democracia e a coisa pública quanto seus adversários históricos.
Então porque tratá-los de maneira diferenciada? Merecem um julgamento e, caso a
culpa se confirme, cadeia. Ou os “pecados” da esquerda tem outro peso, outra
medida? Será que os “companheiros” erram tentando acertar? Será que o fazem em
nome do bem comum? Não creio. Fazem pelo partido, por si próprios, pelo desejo
de permanência do poder e pelo desprezo que cultivam pela democracia
representativa (burguesa demais para o igualitarismo – que rima com
totalitarismo - da esquerda). Consideram-se iluminados e portadores da chave da
história. Os instrumentos e o modus
faciendi da democracia se apresentam como obstáculos às suas certezas
históricas. Herança imaterial e autoritária do leninismo combinado à arrogância
quase fascista da cultura sindical. Descobri lá nos remotos anos 80 que era
impossível argumentar com Eles. Nenhuma novidade. Historicamente a esquerda
nunca foi democrática (Os anarquistas da Ucrania, liderados por Nestor Makhno entre 1917 e 1921, que o digam).
Primeira digressão: Evitei usar as palavras “elite” e
“burguesia” para designar os grupos que fazem oposição ao PT, como geralmente
se faz, por dos motivos: O termo elite é tão genérico que define tudo e não
define nada. O termo é generalizante e homogeneíza falsamente setores
diferentes que, por diferentes motivos, fazem oposição ao PT. Elite por elite,
se formos nos ater nos significados e na etimologia, a esquerda também se
configura como uma elite, intelectual e política. Em alguns casos, os companheiros
passaram a fazer parte de uma elite fundiária e econômica. Burguesia é um termo
ainda mais complicado, e que sobrevive apenas na sintaxe binária e retrógrada de
grupos e de intelectuais de certa esquerda. Burgueses todos nós somos. E se
quiserem insistir na guerra das classes, e na falsa dicotomia burguesia X
trabalhadores, eu poderia identificar, inspirado no repertório ocidental das
classes, uma verdadeira aristocracia de esquerda, sobretudo partidária, que
parasita o lombo de uma classe operária por eles imaginada e idealizada. Sim, o
trabalhador, o operário, é um tipo idealizado, um herói romanesco que habita os
delírios teóricos da esquerda e confere legitimidade as suas ações. Os trabalhadores
reais, de carne e osso, são aqueles que pagam, contra a sua vontade, a
contribuição sindical obrigatória. Esta aristocracia não nobiliárquica tomou
gosto por belos ternos, vinhos caros, motoristas particulares, uma corte de
bajuladores, constituiu patrimônios fabulosos e, embora mantendo a retórica
socialista e um apelo quase mítico às classes trabalhadoras, se comporta como
verdadeira aristocracia operária.
Pois bem, os autodenominados “representantes
dos trabalhadores” acusam a mídia, “representante dos interesses das elites”, de
manipulação da opinião pública. O mensalão nunca existiu. Foi uma criação
midiática, um lance de marketing das grandes corporações que dominam a
comunicação no Brasil, para conspirar contra os governos de Lula e de Dilma. A
designação genérica “mídia” é identificada com uma sigla que define sua
natureza: PIG (Partido da Imprensa Golpista).
A mídia liberal no Brasil é
acusada também de encobrir os casos de desvio da conduta pública dos seus
aliados e de dar ampla cobertura jornalística aos casos envolvendo a esquerda.
O caso Demóstenes é um bom exemplo. A Veja foi cobrada e acusada de silenciar
sobre o caso. Em parte isto é verdade. Em parte. Mas a esquerda não faz o mesmo?
O PT silencia quando se trata dos seus, como faz o PSDB. Esquerda e direita (ou o que restou delas) protegem
os seus e demonizam os adversários. Alguém já leu na Carta Maior algum artigo
crítico sobre escândalos de corrupção envolvendo nomes da esquerda? Não. Ao
contrário. José Dirceu recebeu várias vezes espaço no Portal para se defender
das acusações. Os articulistas de Carta Maior ou silenciam ou defendem os
companheiros envolvidos nos escândalos políticos. Com exceção da autocrítica da
esquerda, no que diz respeito à corrupção, realizada de tempos em tempos por
Tarso Genro, o que predomina é o silêncio. Neste ponto, acredito que Veja seja
menos parcial que Carta Maior. O caso Demóstenes e o caso Arruda, por exemplo,
receberam cobertura jornalística da Veja, os casos envolvendo petistas foram e
continuam sendo ignorados por Carta Maior. Gostaria de ouvir uma boa explicação
para isso.
Culpar a mídia, e acusar algum
tipo de manipulação conservadora para desestabilizar o governo, tornou-se uma
fórmula manjada, mas muito usada, para NÃO explicar os escândalos envolvendo
personalidades da esquerda. A “mídia neoliberal”, de acordo com esta versão dos
acontecimentos, cria fatos políticos artificialmente, forja escândalos e usa de
expedientes condenáveis, para manter privilégios de uma “classe” (ou para manter
o povo na ignorância, gritam os mais exaltados) e frear as mudanças idealizadas
pelo governo progressista em foco, a exemplo do que aconteceu em 1964. Esta é,
por exemplo, a tese de Emir Sader sobre o mensalão, publicada no portal Carta
Maior. Ele não discute as evidências. Se esquiva. Apenas nega a existência do
esquema, com um jogo retórico manjado, e denuncia um golpe de marketing
orquestrado contra o governo de esquerda de Lula. No auge do delírio militante
aponta os governos de Jango e Getúlio como de esquerda. Porque faz isso? Para
poder sustentar que na história do Brasil sempre se tentou impedir que governos
de esquerda concluíssem seus mandatos. “O que é isso Companheiro?”
O qualificativo “udenista”, na
novilíngua governista, traduz bem a visão predominante nos círculos de esquerda
sobre a mídia. Supõe-se que a tal mídia representa antigos interesses de classe
arraigados em nossa sociedade (Não discordo totalmente disso, mas também não
generalizo). Com base neste axioma, traçam uma linha de continuidade que
atravessa obstinadamente os tempos, alheia as mudanças: a mídia é a mesma
ontem, hoje e sempre, e representa os mesmos interesses que dominavam no
passado. “Udenismo” não é apenas força de expressão, ou algum tipo de analogia
histórica. Não. É uma percepção histórica mesmo (a-histórica, eu diria). É uma
associação direta, quase metafísica, do passado com o presente, que assinala uma
marca indisfarçável da continuidade dos interesses conservadores brasileiros
(Emir Sader faz isso muito bem). O udenismo golpista dos dias de hoje foi
consagrado com a sigla PIG. Pretende-se com isto sustentar a ideia de que
existe de fato uma conspiração de direita, articulada pela mídia, para
enfraquecer o governo. Logo, quaisquer formas de crítica e de oposição aos
governos de esquerda são vistos como conspiração. Quem não sabe lidar com
oposição vê conspiração em tudo. Será que por trás disso existe um fundo
psicanalítico ligado a figura do pai? Deixa pra lá: se entrar nesta vereda
serei obrigado a sustentar que a teoria virou esquizofrenia. Voltando. É bom lembrar que o “mito da
conspiração” tem um enorme poder de mobilização. Foi usado em diferentes
momentos, pela esquerda e pela direita, para legitimar expurgos e livrar-se de
inimigos indesejáveis. Na Venezuela,
recentemente, foi agenciado pelo chavismo para atacar e fechar canais de
televisão. De acordo com o “mito”, forças adversas tramam nas sombras intermináveis
complôs. A “mídia”, na América Latina, é este vale de sombras onde se refugiam
os seres esquivos que lançam toda sorte de injúrias contra “governos progressistas”
(eu diria messiânicos). É claro que os meios de comunicação, particularmente na
América Latina, se comportam como verdadeiros partidos políticos. Mas daí a ver
nisso uma eterna conspiração conservadora, ou é paranoia ou é uma tática de
mobilização dos espíritos voluntariosos. O efeito imediato do apelo à
“conspiração” é inocentar a priori as personalidades ou partidos de esquerda,
alvo destas críticas e denúncias (O caso do ministro da cultura, do PCdoB, é um
bom exemplo disso). A sigla PIG foi criada por Paulo Henrique Amorin. Este
sujeito é um prodígio moral e um exemplo de oportunismo político. Nos primeiros
anos da ditadura militar, trabalhava na Veja, ao lado de Mino Carta, que era
redator chefe. A Veja, na época, apoiava o regime militar e dedicava textos
elogiosos à intervenção política dos militares. Os editoriais da revista
falavam da legitimidade da “revolução”, que livraria o Brasil da ameaça
comunista (Tenho os exemplares da revista, daqueles anos, e acabei de
consultá-los para escrever este texto). Amorin, que também trabalhou na Globo,
era Tucano confesso, ao longo dos dois mandatos de FHC, e notório anti-petista.
Hoje, ele ataca FHC e vestiu de vez a camisa do Lulismo (É um daqueles
recém-conversos). Pois é, foi este prodígio do jornalismo governista que
inventou a sigla PIG, largamente usada na blogosfera governista e por
simpatizantes da esquerda. PHA, valendo-me da economia das siglas, é um
daqueles recém-conversos. O negócio deste sujeito é estar com quem governa. É
um governista nato. Para não me estender demais, não vou tratar das siglas JEG
e BESTA, igualmente infelizes. Uma coisa é certa. Nesta guerra das siglas – letras isoladas que
identificam palavras - quem sai perdendo são as palavras, ou a capacidade de
com elas expressar ideias. Opera-se uma abreviatura das ideias para leitores
interrompidos.
Por um lado, culpar a mídia de
oposição por todos os infortúnios do governo e da esquerda é não querer
enfrentar os problemas de frente e reconhecer os deslizes dos “companheiros”. Por
outro, negar as tentativas de manipulação por parte de setores da mídia ou
negar o caráter político do julgamento do mensalão, é ingenuidade. O negócio é
manter uma distância segura disso tudo para que o comprometimento demasiado com
um dos lados não altere nossa percepção ética e moral das coisas. Não é porque
os governos do PT elevaram o Brasil a um novo patamar internacional (um global
player) e alcançaram índices sociais importantes (para dizer o mínimo), que
vamos fazer vistas grossas aos abusos cometidos. Os bons resultados políticos,
econômicos e sociais dos governos petistas não tiveram correspondência no plano
moral. Devemos silenciar decorosamente em nome dos acertos do governo? Postura
semelhante transformou a ilha de Fidel num paraíso social. As pessoas não tem
liberdade para sair de lá e só podem ler o Granma, o jornal oficial do Comitê
Central do Partido Comunista Cubano, fundado em 1965. A liberdade de expressão e
de ir e vir são limitadíssimas, mas a saúde e a educação são de graça e de boa
qualidade, embora só seja permitido ensinar com base no materialismo histórico
nas universidades. Se o povo cubano tem acesso à educação e saúde de graça, de
que importa o totalitarismo do Estado e a vontade quase absoluta do ditador?
Mas tem uma coisa sobre a qual o partido não tem muito controle em Cuba: a
internet. Ela é precária, mas faz um estrago!!! Os blogs cubanos são os canais preferenciais
de denúncia das arbitrariedades do governo e da falta de liberdade. A
blogosfera é a nova Sierra Maestra cubana. É de deste espaço incorpóreo – e por
isso quase inalcançável pela ditadura – que parte dos cubanos diz ao mundo o
que pensa da prisão caribenha.
Segunda digressão: o uso corrente e ideologizado do conceito
de mídia acabou por vulgarizá-lo. Mídia, no vocabulário governista, é uma entidade
genérica que materializa forças atávicas de um passado elitista, subserviente e
entreguista, deixadas para trás na última década. Daí a necessidade de
regulamentar e de domesticar estas forças para que não voltem a fazer do Brasil
um banquete neocolonial. Uau! Acreditem, eu escuto esse blá blá blá, este
marxismo a la Marta Harnecker, há mais de 30 anos. E me pergunto: não aprenderam nada com o
fascismo??? Perdeu-se toda criticidade? A reflexão foi substituída por slogans
e palavras de ordem domesticadas. Este conceito vazio de mídia só serve para mistificadores
e populistas aventureiros que querem fazer do mundo – ou da América latina – o
seu laboratório de experimentos sociais redentores. Isso sempre acaba em algum
tipo precário e previsível de autoritarismo esculhambado, à custa do povo que
se pretendia “libertar”.
Este texto não é um manifesto
anti-esquerdista. Não acho que a esquerda valha hoje um manifesto. É um ponto
de vista, apenas. E se escrevo contrariando algum ponto de vista da esquerda é
porque considero que a direita realmente não vale a pena. Nunca valeu. A
esquerda também, faz tempo, não tem valido a pena. Quer saber, não do à mínima
para nenhum dos lados. Escrevo tão somente pelo gosto do debate (não da
polêmica), contra o conformismo, contra o consenso, e pela defesa de certos
princípios. Frei Beto diria que estou sendo financiado pela CIA. (como fez com
Yoani Sanchez) ou que sou leitor inocente da Veja. Calma. Não me considero tão
importante assim a ponto do Frei Beto prestar atenção em mim. Mas eu presto
atenção no que ele escreve. E confesso não gostar dos escritos do guia
espiritual dos companheiros materialistas. Foi este bravo defensor dos diretos
humanos quem escreveu que em Cuba não existiam presos políticos, mesmo eles
estando em greve de fome, e que José Rainha, líder do MST, era preso político
no Brasil. Foi visitar Rainha na prisão e levou um caloroso abraço do
presidente Lula. Ué, mas ele não era preso político?
Esse é Frei Beto. E querem
saber o que ele pensa do mensalão? Adivinhem.
Tchau.
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