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sexta-feira, 18 de março de 2016

A ERA DAS CERTEZAS: sobre um “diálogo” na sala dos professores.

A ERA DAS CERTEZAS: sobre um “diálogo” na sala dos professores.



O professor chega, metido num terno impecável, e se dirige à máquina de café. Seleciona a bebida e escuta a conversa entre duas professoras. “A lava-jato é a luz no fim do túnel”, diz uma delas, com indisfarçável ar de esperança. A outra, ligeiramente descrente, pondera: “Ai amiga, não sei, deus te ouça e proteja o Moro”. O professor pede licença e alfineta sarcasticamente: “Luz no fim do túnel para quem? Para o casal de grã-finos ou para a babá?” (Silêncio). O professor espera a resposta, com um sorriso discreto e intimidador de quem tem certeza que aplicou um xeque-mate.  “O professor por acaso defende o PT e Lula?”, dispara uma delas. “E se eu defendo? Não tenho o direito? Por acaso isso virou crime no Brasil?”, rebate o professor. “Crime, professor, é o que este governo sujo está fazendo. Estão destruindo o Brasil”. “Bem, o que se poderia esperar de um governo petista”, intervém a outra em defesa da colega. “As senhoras não têm memória? Não viveram a década de 1990? Querem culpar o PT por tudo? O PSDB quase quebrou o Brasil. Porque esse ódio contra o PT, porque agora pobre pode andar de avião e empregada doméstica tem direitos assegurados?” “Quem tem ódio são vocês”, diz a professora, elevando o tom de voz. “E quem disse que somos contra a melhoria da vida dos pobres?” completa a outra. “Somos contra essa sem-vergonhice que estamos vendo no país”. “Estão vendo onde? pergunta o professor. Na globonews?” “Professor, nós não somos ingênuas. Interrompe a professora. Não nascemos ontem.” “Sabemos filtrar a informação”, complementa a outra, como num jogral. “Pois não parece”, provoca o professor. (Novo silêncio).

A professora renasce das cinzas e pergunta, com olhar penetrante: “Seis milhões de pessoas nas ruas, espontaneamente pedindo a renúncia do governo, professor, não lhe diz nada?” “Num universo de 142 milhões de eleitores, não”, contra argumenta o professor. “São todos eleitores do Aécio, que nunca aceitaram a derrota. É uma multidão desinformada guiada pela mídia golpista. Não tem nada de espontâneo nisso.” “Essa conversa de novo não, né professor. Vocês enxergam conspiração em tudo. Acho que isso diz muito sobre vocês. Se fossem seis milhões de petistas o senhor não diria isso”.  “Claro que não. Se houvessem seis milhões de petistas no Brasil o Cunha não seria presidente da Câmara e a Lava jato não seria essa caça as bruxas anti-petista”, devolve o professor. “E não se trata de conspiração, professora, basta ligar a televisão. A globo está convocando abertamente o povo para sair às ruas contra o governo.“ “Honestamente, professor, botar corrupto e ladrão na cadeia agora é caça as bruxas?”, questiona com ar de deboche a professora. “Se o alvo das investigações é só o PT, sim, professora, honestamente, é caça as bruxas”, diz o professor, olhando por sobre os óculos. "É isso o que senhor pensa, professor?" "Sim, professora, é isso o que eu penso."

“Amiga, vamos subir, com petista não dá pra conversar. Eles se acham os donos da verdade”.  

“Boa aula, professoras. Vão com Moro”.

As professoras deixam a sala, montadas em indefectíveis saltos altos e nas suas mais nobres e recentes certezas. O professor me olha, seguro de que fez a sua parte, e comenta, como que solicitando minha aprovação: “Democráticas as nossas colegas, não acha? Quando ficam sem argumentos batem a porta e vão embora. Típico desse conservadorismo iletrado”. “Não sei, professor, não ouvi a conversa. Estava lendo uma matéria sobre jardinagem”, disse para encerrar o papo e subir para a sala de aula.

É, meu povo, contra a navalha cega das certezas nada melhor que a delicadeza e a verdade simples das plantas. Nestes tempos de intolerância, minha alienação predileta é admirar e aprender com as plantas que crescem no meu jardim: o manjericão convive graciosamente com o pé de pitanga, o orégano cresce e se espalha ao redor do pé de pimenta e a acerola faz deliciosa sombra para o repouso tranquilo das orquídeas.


*Não confundir a arte da convivência entre as plantas no jardim com a noção comtiana (Auguste Comte) de harmonia social. 

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Quão pobre é esse "universo" maniqueísta!
    Um dia desses li o seguinte texto de um colega que expressa bem a dificuldade - e os riscos - de se expressar nossa opinião, segue:

    "Confesso aos amigos de direita e de esquerda que vocês todos têm razão: tá tudo errado neste país. É difícil mesmo de engolir a quase certa nomeação do Lula para Ministro da Casa Civil. Ponto pra direita. É igualmente bizarro ver o apoio que um deputado ridicularizado internacionalmente por seus posicionamentos que remetem à Idade das Trevas recebe por onde anda nesse país. Ponto pra esquerda.

    Daí surgem as cobranças: você é obrigado a se posicionar. Mas e se eu não me sentir confortável pra tomar um lado? E se eu achar que ninguém realmente está certo? Não. Você não pode. Decida-se: coxinha ou petralha.

    A verdade é que ninguém tem uma solução. Se tirarmos a Dilma entregamos o país em uma bandeja pra um partido que manda no Brasil desde sempre. A única constante na balança bizarra que é a política deste país. Aquele que muda de posicionamento conforme a mão que entrega o dinheiro ordena, mas nunca dá a cara a tapa. Se a deixarmos lá, ela protege os seus mentores, amigos e apadrinhados.

    Fica difícil achar que alguma coisa vai mudar, até porque as empresas alvo das maiores investigações de corrupção no país "doaram" dinheiro para os principais candidatos à Presidência na última eleição. Sem exceções.

    Da bagunça toda surge de alguns o pedido de intervenção militar por medo que o comunismo seja implantado... É a história se repetindo, e nós não aprendemos nada com ela. "Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais".

    E eis, então, meu posicionamento: estou certo de nada."

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