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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

SOBRE METÁFORAS, CONCEITOS E CONSTRUÇÃO TEXTUAL.





SOBRE METÁFORAS, CONCEITOS E CONSTRUÇÃO TEXTUAL.









Departure of the winged ship.
(Vladimir Kush)





Uso metáforas com bastante frequência nos meus textos. Não o faço apenas para embelezar a narrativa. O recurso à metáfora tem ancoragem num belíssimo texto de Nietzsche, de 1873 (“Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral”). Com a originalidade que lhe é peculiar, e cara, Nietzsche opõe a flexibilidade poética das metáforas à primazia atribuída aos conceitos. O conceito, por definição, tende para a regularidade, a uniformização e a estabilidade dos sentidos. O conceito de folha, usado como exemplo por Nietzsche, nos dá uma boa ideia da “regularidade rígida” que preside a formação dos conceitos. As folhas não são todas iguais, elas existem de todas as formas, cores e tamanhos. O conceito de folha, no entanto, esquece “o que é distintivo, e desperta então a representação, como se na natureza além das folhas houvesse algo, que fosse ‘folha’, uma espécie de folha primordial, segundo a qual todas as folhas fossem tecidas (...)”.As metáforas, por sua vez, tendem para a expansão dos sentidos, e restituem às coisas aquilo que foi subtraído pelo gesto uniformizador operado pelo conceito. Se os conceitos, pelo rigor e frieza característicos da matemática, são sempre precários e insuficientes em relação aquilo que desejam apreender, as metáforas, por suas características poéticas e intuitivas, escapariam a lógica uniformizadora e abririam inúmeras possibilidades de conexões e construção de jogos de sentidos. Tomadas não como ornamentos, mas como eixos que articulam as peças de uma narrativa, as metáforas enfatizam o caráter interpretativo e relacional da narrativa histórica, suavizando os efeitos generalizantes e a lógica das identidades dos conceitos (Maria Cristina Franco Ferraz). Do ponto de vista da narrativa, o uso de metáforas, neste caso como ornamentos expressivos, empresta um colorido e uma agilidade ao texto que quebra a armadura conceitual que o envolve. A ideia não é opor ou alternar metáforas e conceitos, mas empregá-los como recursos complementares, que se entrelaçam no texto construindo o sentido da narrativa. Se considerarmos a etimologia latina de texto, proveniente do verbo texere, indicando tecer, entrançar, entrelaçar, veremos que o sentido próprio de texto, do que é tecido, está na trama que o constitui. Metáforas e conceitos são, enfim, os fios do tecido narrativo de que é composto o texto.

O trabalho com metáforas não exclui nem diminui a importância dos conceitos. O que se propõe é um uso combinado dos dois recursos, como formas complementares, em que um atua sobre o outro, reforçando algumas definições ou atenuando os aspectos mais rígidos.
(Além de “Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral”, de Nietzsche, recomendo a leitura do texto “Da valorização estratégica da metáfora em Nietzsche”, de Maria Cristina Franco Ferraz. A autora fez uma excelente leitura do uso que Nietzsche faz das metáforas e das suas possibilidades diante da “rigidez cadavérica dos conceitos”).

2 comentários:

  1. Paulo, uma boa forma de uso da metáfora como "complemento" (acho que ainda falta um termo mais apropriado) dos conceitos: “Três transformações do espírito vos menciono: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança”, Friedrich Nietzsche. Na literatura, considero Jorge Luiz Borges quem melhor explora as metáforas.

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  2. lembrei tb de Cortazar.
    muito bom amigo Paulo.

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