Eu ouvi bem? Zumbi Walk? Não, não
pode ser verdade. Zumbi, para quem gosta, é coisa séria. É da cultura trash, da
melhor tradição do cinema de terror. Cresci com filmes como Night of the Living Dead e Dawn of the Dead . Os mortos-vivos povoaram
meus mais belos pesadelos. Não quero vê-los andando pelas ruas, melequentos
de geleia de morango e corante vermelho, exalando McMelt, fissurados por ipods
e tirando fotos para o face. Vamos deixar as marchas e passeatas para as causas
sociais. Marcha das vadias, ok, marcha dos evangélicos, ok, marcha gay, ok,
marcha da maconha, ok. Mas marcha dos zumbis? Eu já não gostava muito de filmes
de zumbis que beiravam o humor. Na verdade, não gosto nenhum pouco de porcarias
como Shaun of the Dead. A Volta dos Mortos-Vivos e Zumbilândia são exceções. Com
a marcha, agora, vai banalizar de vez. O lugar dos zumbis é no cinema. Num
seriado já foi uma concessão. E olha no que deu. Chega.
Por onde andará George Romero? As
sequências de Dawn of the Dead filmadas pelo grande mestre num Shopping cercado
por zumbis são espetaculares e inesquecíveis. Em The Walking Dead as sequências
filmadas no topo de um prédio em Atlanta, também cercado pelos esfomeados, foram
boas, uma grande homenagem, mas Romero continua imbatível. Será que ele tem uma
carta na manga para evitar a onda pop que ronda o gênero cinematográfico? Ou
seria mais correto falar em tsunami? Os japoneses sabem bem o que é isso.
Sempre os japoneses. Recentemente descobriram os zumbis e emplacaram um negócio
chamado O Ataque das Colegiais Zumbis (2001). Acreditem. Atacadas por uma
estranha “Síndrome da Felicidade pré-morte”, as garotas morrem e retornam como
mortas-vivas. Para matar as “stacies”, nome pelo qual as zumbis são conhecidas,
existem duas possibilidades: a primeira é chamar o garoto pelo qual a
morta-viva era apaixonada. Só ele poderá matá-la. A segunda, é chamar a “Romero
Repeat Kill Squad”. Eles saberão o que fazer. O filme é tão ruim que diverte. Tem
mais sangue que Massacre da Serra Elétrica e The Evil Dead juntos. Uma tosca
homenagem ao mestre George. Não sei como ele encarou esta homenagem. Mas a julgar
pelas últimas declarações sobre The Walking Dead, acredito que não gostou. Numa
recente entrevista, disse que foi convidado para dirigir um episódio da série e
não aceitou. E arrematou, em tom esnobe, que nunca assistiu nenhum episódio da
série. hehe Para finalizar, soltou essa: “Não gosto do quão popular os zumbis
se tornaram. Eu costumava pensar que eles eram como uma marca minha. Agora vejo
zumbis por todos os lados – e não fico feliz.” É, mestre, a coisa se espalhou.
Virou epidemia.
Eu gosto da série. Romero que me
perdoe. The Walking Dead preserva o que os filmes de zumbi tem de melhor. Os mortos-vivos
fazem o que tem que fazer, perseguir os vivos, lenta e sombriamente, e aterrorizar.
Mas estou com Romero, não gosto dessa popularização. Eu continuo achando que
zumbi é coisa séria. Sou meio purista. Terror é terror. Gosto, desde menino, de
sentir aquele medo que os filmes de terror provocam, de levar sustos, mesmo
sabendo que é de mentirinha, e de olhar para o lado, para o canto escuro do quarto,
desconfiado. De ir ao banheiro depois do filme com a impressão de que alguma
coisa vai aparecer na tua frente, e de rir de mim mesmo no dia seguinte. Via
filmes de terror com minha mãe, numa tv preto e branco. A casa era velha, fazia
ruídos estranhos e minha mãe me olhava de canto de olho. Foi minha iniciação. A
sensação de medo, e de segurança ao mesmo tempo, pela presença dela, era
contagiante. Ela nunca me disse, mas acho que sentia o mesmo. Os filmes de
terror, os bons, trazem essa impagável e excitante sensação de medo controlado.
O verdadeiro medo não me interessa. Eu quero esse medo artificial, o
medo-montagem, que só o cinema me proporciona. Não quero mais? É só acender a
luz.
A zumbimania é a única arma, ou febre, capaz
de exterminar os zumbis. É a morte pela banalização. É pior que tiro na cabeça.
Se continuar assim daqui a pouco lançarão uma propaganda da Coca-Cola com
zumbis fissurados por refrigerante. Pra liquidar de vez, um clip zumbi
sertanejo com as criaturas de chapéu e calça jeans colada requebrando um tche
tche rere. A pá de cal seria uma campanha pela redução do consumo de carne, com
zumbis light, sarados e descolados, escorrendo sangue verde, devorando
suculentos pés de alface e generosas lascas de brócolis. Depois disso, o que
mais podemos esperar: a Barbie Zumbi? Imaginaram? A Barbie com o cérebro à
mostra, sem um braço, com roupa ensanguentada e olheiras profundas. Pode ficar
pior? Pode. Você resolve dar este mimo trash de presente para sua sobrinha no
dia da criança, para dar uma de tio descolado. A menina te olha com ar de
desinteresse e murmura: já tenho uma sem as pernas que rasteja pela casa.
Não me levem tão a sério assim. Minha
acidez é inofensiva, é birra do menino que via filmes de terror com a mãe. Estou
zoando com os zumbimaníacos. A moda zumbi me diverte. Deixa a moçada se
fantasiar de morte e desfilar o apocalipse burguês pelas avenidas. Só não
passem pela minha rua. Tenho uma arma mortal contra a moda zumbi aqui em casa,
que eles desconhecem: a versão original do Night of the Living Dead, de 1968.
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