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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

DO CINEMA TRASH À MARCHA POP: o embalsamento do universo trash de George Romero.



DO CINEMA TRASH À MARCHA POP: o embalsamento do universo trash de George Romero.



Eu ouvi bem? Zumbi Walk? Não, não pode ser verdade. Zumbi, para quem gosta, é coisa séria. É da cultura trash, da melhor tradição do cinema de terror. Cresci com filmes como Night of the Living Dead e Dawn of the Dead . Os mortos-vivos povoaram meus mais belos pesadelos.   Não quero vê-los andando pelas ruas, melequentos de geleia de morango e corante vermelho, exalando McMelt, fissurados por ipods e tirando fotos para o face. Vamos deixar as marchas e passeatas para as causas sociais. Marcha das vadias, ok, marcha dos evangélicos, ok, marcha gay, ok, marcha da maconha, ok. Mas marcha dos zumbis? Eu já não gostava muito de filmes de zumbis que beiravam o humor. Na verdade, não gosto nenhum pouco de porcarias como Shaun of the Dead. A Volta dos Mortos-Vivos e Zumbilândia são exceções. Com a marcha, agora, vai banalizar de vez. O lugar dos zumbis é no cinema. Num seriado já foi uma concessão. E olha no que deu. Chega.

Por onde andará George Romero? As sequências de Dawn of the Dead filmadas pelo grande mestre num Shopping cercado por zumbis são espetaculares e inesquecíveis. Em The Walking Dead as sequências filmadas no topo de um prédio em Atlanta, também cercado pelos esfomeados, foram boas, uma grande homenagem, mas Romero continua imbatível. Será que ele tem uma carta na manga para evitar a onda pop que ronda o gênero cinematográfico? Ou seria mais correto falar em tsunami? Os japoneses sabem bem o que é isso. Sempre os japoneses. Recentemente descobriram os zumbis e emplacaram um negócio chamado O Ataque das Colegiais Zumbis (2001). Acreditem. Atacadas por uma estranha “Síndrome da Felicidade pré-morte”, as garotas morrem e retornam como mortas-vivas. Para matar as “stacies”, nome pelo qual as zumbis são conhecidas, existem duas possibilidades: a primeira é chamar o garoto pelo qual a morta-viva era apaixonada. Só ele poderá matá-la. A segunda, é chamar a “Romero Repeat Kill Squad”. Eles saberão o que fazer. O filme é tão ruim que diverte. Tem mais sangue que Massacre da Serra Elétrica e The Evil Dead juntos. Uma tosca homenagem ao mestre George. Não sei como ele encarou esta homenagem. Mas a julgar pelas últimas declarações sobre The Walking Dead, acredito que não gostou. Numa recente entrevista, disse que foi convidado para dirigir um episódio da série e não aceitou. E arrematou, em tom esnobe, que nunca assistiu nenhum episódio da série. hehe Para finalizar, soltou essa: “Não gosto do quão popular os zumbis se tornaram. Eu costumava pensar que eles eram como uma marca minha. Agora vejo zumbis por todos os lados – e não fico feliz.” É, mestre, a coisa se espalhou. Virou epidemia. 

Eu gosto da série. Romero que me perdoe. The Walking Dead preserva o que os filmes de zumbi tem de melhor. Os mortos-vivos fazem o que tem que fazer, perseguir os vivos, lenta e sombriamente, e aterrorizar. Mas estou com Romero, não gosto dessa popularização. Eu continuo achando que zumbi é coisa séria. Sou meio purista. Terror é terror. Gosto, desde menino, de sentir aquele medo que os filmes de terror provocam, de levar sustos, mesmo sabendo que é de mentirinha, e de olhar para o lado, para o canto escuro do quarto, desconfiado. De ir ao banheiro depois do filme com a impressão de que alguma coisa vai aparecer na tua frente, e de rir de mim mesmo no dia seguinte. Via filmes de terror com minha mãe, numa tv preto e branco. A casa era velha, fazia ruídos estranhos e minha mãe me olhava de canto de olho. Foi minha iniciação. A sensação de medo, e de segurança ao mesmo tempo, pela presença dela, era contagiante. Ela nunca me disse, mas acho que sentia o mesmo. Os filmes de terror, os bons, trazem essa impagável e excitante sensação de medo controlado. O verdadeiro medo não me interessa. Eu quero esse medo artificial, o medo-montagem, que só o cinema me proporciona. Não quero mais? É só acender a luz. 

 A zumbimania é a única arma, ou febre, capaz de exterminar os zumbis. É a morte pela banalização. É pior que tiro na cabeça. Se continuar assim daqui a pouco lançarão uma propaganda da Coca-Cola com zumbis fissurados por refrigerante. Pra liquidar de vez, um clip zumbi sertanejo com as criaturas de chapéu e calça jeans colada requebrando um tche tche rere. A pá de cal seria uma campanha pela redução do consumo de carne, com zumbis light, sarados e descolados, escorrendo sangue verde, devorando suculentos pés de alface e generosas lascas de brócolis. Depois disso, o que mais podemos esperar: a Barbie Zumbi? Imaginaram? A Barbie com o cérebro à mostra, sem um braço, com roupa ensanguentada e olheiras profundas. Pode ficar pior? Pode. Você resolve dar este mimo trash de presente para sua sobrinha no dia da criança, para dar uma de tio descolado. A menina te olha com ar de desinteresse e murmura: já tenho uma sem as pernas que rasteja pela casa.

Não me levem tão a sério assim. Minha acidez é inofensiva, é birra do menino que via filmes de terror com a mãe. Estou zoando com os zumbimaníacos. A moda zumbi me diverte. Deixa a moçada se fantasiar de morte e desfilar o apocalipse burguês pelas avenidas. Só não passem pela minha rua. Tenho uma arma mortal contra a moda zumbi aqui em casa, que eles desconhecem: a versão original do Night of the Living Dead, de 1968.

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