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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O “ENGENHEIRO”, A FILOSOFA, O PARTIDO E A “DIREITA PAULISTA”. Ou: Maluf é aquilo que “nós” quisermos que ele seja.



O “ENGENHEIRO”, A FILOSOFA, O PARTIDO E A “DIREITA PAULISTA”. Ou: Maluf é aquilo que “nós” quisermos que ele seja.

 
Nem todos os textos são escritos com prazer. Este me incomodou bastante. Pensei em não publicar. Tenho a personagem em destaque em alta conta, mas volta e meia ela me surpreende com atitudes e declarações difíceis de aceitar em silêncio. 

O segundo turno das eleições em São Paulo assume ares de final de Avenida Brasil. Revelações de última hora e personagens marginais que assumem o centro do palco são ingredientes de fim de novela que também cabem muito bem numa eleição. Silas Malafaia é o Santiago do Serra. Aparece na última hora e promete uma virada no jogo. O vídeo que o pastor gravou para atacar Haddad é uma baixaria daquelas que só Max e Carminha poderiam perpetrar. Não sabem do que estou falando? Quem mandou não ver novela.

Do lado do PSDB, os trunfos são o mensalão e o kit gay. Do lado petista, a “privataria tucana”. Durma com um barulho desses. Como não lembrar do hino da banda Ira: “Pobre São Paulo, pobre paulista”.

Final de novela também sempre tem um apelo à redenção. Personagens que encarnam a vilania - mas que por suas ambiguidades caem no gosto popular - passam por súbitas mudanças, se arrependem e, por vezes, metamorfoseiam-se em criaturas do bem. Este ingrediente também esta presente nas eleições para a prefeitura de São Paulo. A personagem que sempre encarnou o papel do vilão, do corrupto clássico, mas que paradoxalmente sempre teve forte apelo popular, é agora (re)apresentado como “administrador”. Sim, é ele mesmo: Paulo Salim Maluf.

Não, esta trama não foi escrita por João Emanuel Carneiro. A responsável pela repaginação de Maluf foi Marilena Chauí. 

Vamos ao ponto.

Acabei de ler uma matéria no site Rede Brasil Atual, ligado a CUT, e não acreditei. Ou melhor, acreditei sim. Só não imaginei que ela declarasse isso publicamente. Marilena Chauí, que participava de um debate de campanha de uma candidata do PT em São Paulo, atacou as candidaturas de Serra e Russomano, acusando-as de representar “duas vertentes da direita paulista igualmente prejudiciais à democracia, à inclusão e à cidadania”. Até aí tudo bem, nenhuma novidade. É um ponto de vista característico do petismo. Tudo o que não gravita em torno da sua órbita autodenominada “progressista” e do seu conceito superior de democracia é desqualificado como reacionário e nocivo aos interesses do “povo”. Aos inimigos, a crítica implacável. Aos aliados, a adulação cínica. Quando a filósofa uspiana resolveu adular os novos aliados e falar de Paulo Maluf (o novíssimo aliado), para distingui-lo pragmaticamente de Serra e Russomano, a coisa ficou medonha. A “fratura do real” (piada interna) estava exposta. 

Abaixo, o que foi noticiado no site da CUT:
“Para Marilena, o ex-governador Paulo Maluf, cujo partido (PP) está aliado ao PT nas eleições paulistanas, não se enquadra na tradição política representada por Russomanno, mas na do ‘grande administrador’, que ela identifica com Prestes Maia (prefeito de São Paulo de maio de 1938 a novembro de 1945) e Faria Lima (prefeito de 1965 a 1969). ‘Afinal, Maluf sempre se apresentou como um engenheiro.”

Não foi a primeira vez que Marilena transformou alguém em algo que esse alguém não era. O filósofo holandês do século XVII Baruch de Spinosa quase foi transformado num ideólogo materialista da esquerda do século XX. Agora foi a vez do “engenheiro” Paulo Salim Maluf, filho de libaneses, e procurado pela Interpol, cair nas graças da filósofa. Maluf, o megacorrupto, foi transformado pela conveniência política de Chauí no “grande administrador”! Aos olhos do Ministério Público, Maluf é a estrela maior da corrupção no Brasil. As investigações revelam que o “engenheiro” desenvolveu um método de desviar dinheiro público, camuflá-lo em paraísos fiscais e depois repatriá-lo que é imbatível. Mas bastou aliar-se ao PT para o status moral de Maluf, pelo menos para Chauí, sair dos esgotos e ser elevado as alturas.  Não duvidem que no decorrer do segundo turno a “companheirada” resolva apresentar Maluf como um simpatizante histórico das “classes trabalhadoras” e das “lutas progressistas” dos bravos paulistanos. Afinal, para derrotar a “tradição conservadora” de São Paulo vale até aliar-se o que de pior esta tradição produziu. 


Marilena deve apostar na desmemoria nacional e na incapacidade dos eleitores para dizer uma barbaridade como esta publicamente. O inimigo histórico, a encarnação do que de pior pode existir na política, segundo o próprio PT de anos atrás, é transformado, como num passe de mágica, no aliado virtuoso de Haddad para combater Serra. O contorcionismo conceitual da teoria política de ocasião desvia Maluf de certa tradição negativa e populista que Russomano supostamente teria herdado para aproximá-lo de uma tradição de administradores do porte de Prestes Maia. Uma rápida passada pela biografia do engenheiro e arquiteto Prestes Maia, que governou a cidade de São Paulo em duas oportunidades, e as intenções de Marilena Chauí ficam claras. Façam uma busca, comparem Maluf com Prestes Maia, e tirem suas conclusões.

É bom lembrar que o “engenheiro” e “grande administrador” Paulo Maluf, por decisão do Ministério Público, deverá devolver R$ 21,350 milhões à prefeitura de São Paulo até o final deste mês. Mas para Chauí quem representa um perigo para a democracia e a cidadania é o Serra e o Russomano (Eu não gosto e não votaria em nenhum dos dois. Mas a questão não é essa).

Alguém poderia objetar o que estou escrevendo dizendo que isso é coisa da “política”, do jogo político. Que o que importa mesmo é a vitória do Haddad. Que é preciso engolir Maluf para eleger Haddad. Primeiro: não sei se Haddad vale isso tudo (Eu acho que não vale). Segundo: reabilitar o Maluf por mera conveniência vai ter um preço alto no futuro. Terceiro: isso é simplesmente indecente (É mais ou menos como o Gean prometendo passe livre para estudante em Florianópolis). Quem faz isso numa campanha, quem brinca assim com a memória, com os princípios e com as biografias dos aliados (No caso do Maluf, as biografias de ocasião foram do “arquicorrupto”, desde os tempos da ARENA, ao “grande administrador”), o que poderá fazer depois? Como confiar o poder público a pessoas que fazem da ética na política uma moeda de troca? Ah, mas a política tem uma ética própria, alguém poderia dizer (Citando Maquiavel como filósofo de ocasião). É mesmo? Então está tudo justificado e explicado. Para que investigar, para que denunciar e condenar a corrupção, o caixa dois e a compra de deputados, se a política é este continente separado do mundo em que vivemos? Tudo isso é do jogo político. Nós é que somos ingênuos e não temos a capacidade de entender as sutilezas, as tramas e especificidades da política. Sei. 

É evidente que a arte das alianças, das composições e recomposições são estratégias típicas do jogo político numa democracia (embora até isso tenha limites). O PT e o seu sectarismo histórico é que demorou a entender isso. E quando entendeu, abraçou até o diabo. A direita nunca teve escrúpulos nesta área. O que não dá para aceitar, se me permitem o neologismo, é esta malufada que Marilena tentou nos aplicar (malufada = golpe baixo).

Eu me lembro do Maluf desde as “eleições” de 1985, quando ele foi oficializado como o candidato dos militares para derrotar Tancredo Neves. A coisa foi tão feia que o partido do Maluf, o PDS, rachou e a dissidência fundou o PFL. Naquela época, Maluf já era visto como corrupto. E o PT ajudou, ao longo dos anos, a fixar a imagem de Maluf como o político mega-corrupto, sem escrúpulos e imoral. Querem apagar isso tudo agora e nos fazer crer que não era bem assim? Chauí é a borracha petista para apagar o passado incômodo e reescrevê-lo ao sabor das conveniências? Lula faz alianças, de acordo com o seu tino político, e Chauí vem logo em seguida para emprestar consistência teórica e conceitual à armação. É a divisão eleitoral do trabalho (o trabalho braçal e artesanal de costurar as alianças e o trabalho intelectual de justificá-la histórica e sociologicamente).
“Pobre São Paulo, pobre paulista”. 

Tá difícil mano. “Orra meu”. Os paulistas estão entre Cila e Caríbdis. Serra/Malafaia  X  Haddad/Maluf. Dois protagonistas com históricos de incompetência e dois coadjuvantes de meter medo até na Carminha. Se isso serve de consolo, meus caros, nós aqui em Florianópolis estamos numa fria também: escolher entre Gean e César Souza – Homero que me perdoe a improvável aproximação – é estar diante do dilema de Ulisses entre os dois monstros marinhos. Ouso dizer que a escolha de Ulisses era menos difícil. O Herói tinha a proteção de Atená. Os paulistanos não contam com proteção divina, embora Malafaia sugira que Serra é abençoado por Deus. Se escapar de Malafaia e da mira do seu deus moral (e eleitoral), o paulistano fica de frente com Maluf. Por Zeus.

Isso já esta virando uma novela. Fico por aqui. Vou me refugiar na ficção, na hiper-realidade, e me deixar anestesiar pelos capítulos finais de Avenida Brasil.

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