SOBRE METÁFORAS, CONCEITOS E
CONSTRUÇÃO TEXTUAL.
Departure of the winged ship.
(Vladimir Kush)
Uso metáforas com bastante
frequência nos meus textos. Não o faço apenas para embelezar a narrativa. O
recurso à metáfora tem ancoragem num belíssimo texto de Nietzsche, de 1873
(“Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral”). Com a originalidade que
lhe é peculiar, e cara, Nietzsche opõe a flexibilidade poética das metáforas à
primazia atribuída aos conceitos. O conceito, por definição, tende para a
regularidade, a uniformização e a estabilidade dos sentidos. O conceito de
folha, usado como exemplo por Nietzsche, nos dá uma boa ideia da “regularidade
rígida” que preside a formação dos conceitos. As folhas não são todas iguais,
elas existem de todas as formas, cores e tamanhos. O conceito de folha, no
entanto, esquece “o que é distintivo, e desperta então a representação, como se
na natureza além das folhas houvesse algo, que fosse ‘folha’, uma espécie de
folha primordial, segundo a qual todas as folhas fossem tecidas (...)”.As
metáforas, por sua vez, tendem para a expansão dos sentidos, e restituem às
coisas aquilo que foi subtraído pelo gesto uniformizador operado pelo conceito.
Se os conceitos, pelo rigor e frieza característicos da matemática, são sempre
precários e insuficientes em relação aquilo que desejam apreender, as
metáforas, por suas características poéticas e intuitivas, escapariam a lógica
uniformizadora e abririam inúmeras possibilidades de conexões e construção de
jogos de sentidos. Tomadas não como ornamentos, mas como eixos que articulam as
peças de uma narrativa, as metáforas enfatizam o caráter interpretativo e
relacional da narrativa histórica, suavizando os efeitos generalizantes e a
lógica das identidades dos conceitos (Maria Cristina Franco Ferraz). Do ponto
de vista da narrativa, o uso de metáforas, neste caso como ornamentos
expressivos, empresta um colorido e uma agilidade ao texto que quebra a
armadura conceitual que o envolve. A ideia não é opor ou alternar metáforas e
conceitos, mas empregá-los como recursos complementares, que se entrelaçam no
texto construindo o sentido da narrativa. Se considerarmos a etimologia latina
de texto, proveniente do verbo texere, indicando
tecer, entrançar, entrelaçar, veremos que o sentido próprio de texto, do que é
tecido, está na trama que o constitui. Metáforas e conceitos são, enfim, os
fios do tecido narrativo de que é composto o texto.
O trabalho com metáforas não exclui nem
diminui a importância dos conceitos. O que se propõe é um uso combinado dos
dois recursos, como formas complementares, em que um atua sobre o outro,
reforçando algumas definições ou atenuando os aspectos mais rígidos.
(Além
de “Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral”, de Nietzsche, recomendo a
leitura do texto “Da valorização estratégica da metáfora em Nietzsche”,
de Maria Cristina Franco Ferraz.
A autora fez uma excelente leitura do uso que
Nietzsche faz das metáforas e das suas possibilidades diante da “rigidez
cadavérica dos conceitos”).
Paulo, uma boa forma de uso da metáfora como "complemento" (acho que ainda falta um termo mais apropriado) dos conceitos: “Três transformações do espírito vos menciono: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança”, Friedrich Nietzsche. Na literatura, considero Jorge Luiz Borges quem melhor explora as metáforas.
ResponderExcluirlembrei tb de Cortazar.
ResponderExcluirmuito bom amigo Paulo.