O CALEIDOSCÓPIO SEMÂNTICO DOS
PROTESTOS CONTRA O AUMENTO DAS PASSAGENS DE ÔNIBUS.
Vou dar uma de Foucault (do
livro Eu, Pierre Rivière), abrir mão da interpretação, e mostrar a explosão discursiva em
torno dos acontecimentos. Pensem num caleidoscópio como metáfora das
possibilidades prismáticas. Foucault não estava em cima do muro. Estava
engajado num grupo de informações sobre as prisões, que propunha dar voz aos
presos. Denunciava-se o silenciamento a que os presos eram submetidos.
Eu ando de ônibus. Pago caro. Espero
nas paradas. Nem sempre viajo sentado e acho que os donos das empresas choram
de barriga cheia. Mas desta vez vou ceder a palavra e trazer nove pontos de vista
sobre os protestos. Meu objetivo? Digamos que eu gosto muito da ideia do livro
do Foucault sobre Pierre Rivière...
NOVE
OLHARES.
1.MOVIMENTO
ESTUDANTIL POPULAR REVOLUCIONÁRIO (Lideranças estudantis).
O
Enunciado:
Estudantes
e trabalhadores na luta contra o aumento das passagens de Ônibus.
Na
página do MEPR lemos um “manifesto” intitulado “Só a Luta Combativa e
Radicalizada Irá Barrar o Aumento das passagens”.
Trecho
do manifesto:
“Em diversas capitais do Brasil,
a rebelião contra o aumento das passagens já está nas ruas. Apesar da repressão
brutal por parte da polícia e da campanha de difamação movida pela imprensa
reacionária, a juventude e os trabalhadores tem se somado de forma crescente às
mobilizações. O aumento do susto de vida, somado /á situação calamitosa dos
serviços públicos oferecidos por este estado podre, e ainda o escárnio contra o
povo que é a realização desses megaeventos e os diversos crimes cometidos em
sua decorrência,l chegaram a uma situação insuportável. No caso das empresas de
ônibus, merecem o ódio da população, por anos de serviços maus e caros”.
2.FERNANDO
HADDAD (O Prefeito)
O
Enunciado:
O
aumento das passagens é justo e será mantido, apesar dos protestos.
Fernando
Haddad comentou na noite do dia 13 os protestos contra o aumentos das passagens
de ônibus. Disse respeitar os manifestantes, mas que não vai mudar o percentual
de aumento nas passagens em São Paulo. Leiam trechos da declaração.
O aumento estava previsto e foi
abaixo da inflação...
“Havíamos nos comprometido a dar
um reajuste muito abaixo da inflação. Se fosse dada a inflação, o valor da
tarifa seria muito maior do que foi dado no momento. Então, o valor será
mantido porque já está muito abaixo da inflação acumulada”.
Da recusa do diálogo...
“No primeiro dia abrimos as
portas, e o diálogo foi recusado por parte dos manifestantes. E, depois, todos
conhecem a história”. “Não vejo
coordenação nesse movimento. Eles próprios dizem: eles não se coordenam, não há
lideranças, não há responsáveis. Ninguém se apresenta como responsável pelo que
está acontecendo”.
3.MARCO
ANTONIO VILLA (O historiador)
O
Enunciado:
“Fascismo
e Oportunismo Político”.
O historiador Marco Antonio Villa
escreveu um texto breve acusando a
inconsistência e o oportunismo que cerca o movimento.
Destaco algumas frases:
- não é o que pode ser chamado de
movimento social, sociologicamente falando;
- tem uma prática típica de
grupos fascistas, são eleitoralmente inexpressivos;
- como a eterna crítica ao
capitalismo – que vive uma “crise terminal”, falam isso desde o final do século
XIX – não se materializa na “revolução”, necessitam construir um móvel de luta
para não perder o apoio das “suas bases”;
- a passagem de ônibus virou um
eficaz instrumento para as lideranças desses grupelhos dar satisfação às suas
inquietas “bases”, cansadas de ouvir discursos revolucionários, negadores da
democracia (chamada depreciativamente de “burguesa”), sem que tivessem o que
chamam de prática revolucionária;
- o desemprego e a crise
econômica – presentes na Europa – aqui são irrelevantes, portanto a
“mobilização” tem de buscar outro móvel de luta;
- O “movimento” está
desesperadamente procurando um cadáver;
- E como bem disse um comentário,
este movimento não vale vinte centavos.
4.ÉLIO GASPARI (O Jornalista)
O Enunciado:
A PM iniciou a violência.
“Quem acompanhou a manifestação
contra o aumento das tarifas de ônibus ao longo dos dois quilômetros que vão do
Teatro Municipal à esquina da Consolação com a rua Maria Antônia pode
assegurar: os distúrbios desta quinta-feira começaram às 19h10m, pela ação da
polícia, mais precisamente por um grupo de uns vinte homens da tropa de choque,
com suas fardas cinzentas, que, a olho nu, chegaram com esse propósito”
5.LUISCARLOS AZENHA (O Jornalista
II)
Enunciado:
Foi Brutal, mas foi didático para
a Classe Média. E o PT em cima do muro.
“A classe média paulistana —
inclusive aquela formada por repórteres da Folha e do Estadão
— experimentou na própria pele o comportamento autoritário, brutal e
descontrolado da Polícia Militar de Geraldo Alckmin, com a conivência do PT, de
Fernando Haddad e do ministro da Justiça, que ofereceu o reforço da Força
Nacional”.
“Incitado,
ironicamente, pela própria mídia fã da ditabranda. A PM paulista demonstrou o
zeitgeist de sua existência: bater, em nome da segurança nacional, nos mais
frágeis. Suprimir a democracia. Barbarizar jornalistas e manifestantes. Usar as
armas de que dispõe graças ao financiamento público para atacar o público que a
financia”.
“O mais repugnante
é ver gente supostamente ligada ao PT e à esquerda posicionada sobre o muro,
aguardando um piscar de olhos das “lideranças” para lamentar ou aplaudir o
comportamento dos manifestantes”.
“Como na ditadura
militar. Vimos, também, o oportunismo de petistas, tomados por uma amnésia
profunda sobre os primórdios do próprio partido, nos anos de chumbo em que a
mesma PM atuou para abortar o PT e os movimentos sociais”.
6.REINALDO AZEVEDO (O Cronista)
Enunciado:
A Metafísica Petista e a Revolta
dos Remelentos e dos Almofadinhas.
“Mas e os nossos
“revolucionários”, saídos dos setores mais abastados da sociedade? O que quer
essa gente? O Brasil passa, por acaso, por algum déficit democrático? A
resposta até pode ser afirmativa, mas não é isso que está a levar os
baderneiros para as ruas. O Brasil passa por alguma crise econômica grave? Há
sinais importantes de deterioração da economia, mas também não é isso que
mobiliza os incendiários. Tenho uma desconfiança: estamos assistindo ao
desdobramento mais perverso deste misto que temos visto de estado-babá com
estado prevaricador”.
“Não há mal-estar
secreto nenhum na “civilização
brasileira” que explique o vandalismo. Há, isto sim, o casamento de dois
atrasos: o estado-dependentismo e a impunidade. Grupos radicais resolveram
adotar os métodos do MST, na certeza de que nada vai lhes acontecer. É MSNV: o
Movimento dos Sem-Noção e Sem-Vergonha”.
7. ADÃO CLÓVIS MARTINS DOS SANTOS (O
Sociólogo).
Enunciado:
Uma Nova Cultura de
manifestações.
“Existe um caldo de uma nova
cultura e prática de mobilização se formando. É claro que existem partidos,
diretórios estudantis e sindicatos que também organizam e convocam, mas quem
pauta esses protestos são os diferentes indivíduos, não as instituições”.
“Um dos grandes movimentos de
Porto Alegre hoje é a luta pelo espaço público democrático e pelo direito de ir
e vir. A palavra de ordem desses grupos é contra a apropriação privada de
espaços públicos. Questionam uma cultura que deseja que os jovens sejam
segregados e confinados em espaços fechados, sem fazer ruído.
“É uma reação a políticas que restringem
o uso .do espaço urbano e a capacidade do cidadão em se locomover por ele”.
8.RENATO ROVAI (O Blogueiro)
Enunciado:
O AI-5 contra as Lutas Sociais.
“Os momentos
históricos são diferentes, mas o que está acontecendo em São Paulo precisa ser
discutido do tamanho que merece. Manifestantes não podem ser presos sob
acusação de formação de quadrilha, crime inafiançável. Se isso vier a
prevalecer, estaremos entrando num cenário de ditadura contra a luta social.
Será um novo AI-5, o instrumento que faltava para a tão sonhada criminalização
dos movimentos sociais que vem sendo arquitetada há tanto tempo pelas forças
conservadoras do país. E que ganhou hoje o apoio, em editorial, da Folha e do
Estado de S. Paulo.
Na última
terça-feira foram 20 presos. Hoje, fala-se em mais de 60. Muitos deles jovens
que carregavam apenas vinagre para se defender do já previsto ataque de bombas
da Polícia Militar. Entre esses que carregavam vinagre, um fotógrafo da Carta
Capital.
O jornalista da
Carta Capital já foi solto, mas a grande maioria dos jovens ainda está
amargando o gosto da cela. Quem não está sendo acusado de formação de
quadrilha, pode obter a liberdade pagando 20 mil reais.
Ou seja, a partir
de agora quem for para a rua lutar é bandido de alta periculosidade. E o pior
disso tudo é que tem gente que se diz de esquerda que está aplaudindo essa ação
nefasta”.
9. BRASIL DE FATO
(O Jornal).
O Enunciado:
“Ação comandada
pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) reprimiu violentamente o quarto protesto
contra o aumento da tarifa de ônibus, metrô e trens”.
“Pessoas desmaiando, gritaria,
centenas de homens e mulheres presos e feridos gravemente, inclusive idosos e
crianças. Essas foram algumas das marcas deixadas nesta quinta-feira (13) pela
Polícia Militar durante o quarto protesto pacífico pela redução das tarifas do
transporte público em São Paulo (SP)”.
“Se a ação da Polícia Militar, a
mando de Geraldo Alckmin, pretendia abafar de vez o movimento naquele momento,
não houve sucesso. Uma parte dos manifestantes atirou pedras em defesa legítima
contra os PMs, e outra se dividiu em vários grupos pelo centro da cidade,
entoando palavras de ordem e de forma pacífica”.
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