O PROJETO DE REGULAMENTAÇÃO DA
PROFISSÃO DE HISTORIADOR SOB FOGO SERRADO.
Por Clio, quem provavelmente
nunca antes se interessou pelo campo da história, a não ser como leitor
eventual, se eleva agora à condição de arqui-inimigo da regulamentação da
profissão. Trincheiras inexpugnáveis se erguem do nada contra o que acreditam
ser uma absurda reserva de mercado para os historiadores diplomados. Sou
historiador diplomado, defendo a regulamentação, mas não quero carregar o peso
de ser o portador DO discurso autorizado sobre o passado. Não é isso que esta
em jogo. Desejo a regulamentação, mas não defendo monopólios. Historiadores não
diplomados, infinitamente melhores do que eu, fizeram tanto pela disciplina que
não ousaria propor uma ditadura do diploma. Não é isso que defendo com a
regulamentação. Regulamentar significa valorizar e reconhecer a profissão.
Significa que o historiador passa a ter um reconhecimento social e que se passa
a exigir uma formação específica na área para atuar em determinadas atividades
(alguma coisa de mal nisso?). Até onde entendo, isso não entra em contradição
com a face interdisciplinar que caracteriza o campo da história. Não impede que
um professor com sólida formação musical, e conhecedor de história da música,
possa lecionar a disciplina de História da Música num curso de história. Porém,
precisamos reconhecer que o projeto apresentado por Paulo Paim não deixa isso
claro. O texto do projeto, particularmente no Art. 5, parece sugerir um fechamento
da disciplina para os não diplomados.
No blog “O Palco e o Mundo”, o
escritor Pádua Fernandes publicou no dia 20 de novembro um post contundente,
intitulado “Memória como reserva de Mercado V: astros e historiadores”, contra
o Projeto de Regulamentação da Profissão de Historiador apresentado por Paulo
Paim (confira). O texto de Pádua é bem mais organizado e consistente que o
texto escrito por Fernando Rodrigues para a Folha de São Paulo há alguns dias.
Pádua parece estar mais bem informado, articula alguns pontos da critica que
vem sendo feita ao projeto e lhe empresta argumentos mais sólidos. Ao contrário
de Fernando Rodrigues, Pádua leu atentamente o documento, fez relações entre os
artigos do projeto e cotejou com o estatuto da ANPUH (e julgou encontrar
contradições). Foi mais longe. Desmontou a tímida resposta que a ANPUH contrapôs
à matéria publicada na Folha, questionando o “discurso da autoridade” evocado
logo no começo do texto. Sei das boas intenções e reconheço o gesto nobre da presidência
da ANPUH. Mas não surtiu o efeito desejado. Todavia, foi uma resposta polida e
respeitosa.
O texto de Pádua – e o que ele
representa - merece resposta mais atenta. Não basta desqualificar
corporativamente o autor acusando-o de ignorância na área, de estar a serviço
de algum grupo de interesse ou simplesmente atacando-o com frases agressivas
que visam abafar o debate. O texto merece resposta qualificada, argumentativa,
serena e, sobretudo, esclarecedora. A resposta da ANPHU foi para consumo
interno, para dar uma satisfação aos historiadores, não ao público. O argumento
do “discurso da prova” sem um devido esclarecimento aos não-historiadores cai
no vazio e na irrelevância. Não é para mim nem para os meus colegas que a ANPUH
deve responder, mas para o Pádua, para os seus leitores, para os leitores
brasileiros que não possuem diploma em história nem tem obrigação de saber
sobre o “discurso da prova” (tema para especialistas em historiografia).
Esperamos muito tempo por este
momento. Precisamos nos colocar com mais clareza e desmontar a tese do
monopólio sobre a memória e o passado que corre solta entre os críticos do
projeto de Paim (entre eles alguns historiadores). O projeto dá, sim, margem
para se pensar coisas desse tipo. Basta ler com atenção. É o momento de rever,
propor e desfazer mal entendidos. Afinal, nós não pretendemos silenciar o
debate nem nos tornamos proprietários de tudo aquilo que carrega a palavra
“história”, não é mesmo? São os “combates pela história” (para lembrar o
mestre) no tempo presente.
“Amo
a história. Se não a amasse não seria historiador. (...). Amo a
história – e é por isso que estou feliz por vos falar, hoje, daquilo que amo.” Lucien Febvre, "Combates pela História".
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