SEU PASSADO O ESPERA:
José Genuíno, o coveiro da cidadania, condena a si próprio doze anos antes.
José Genuíno escreveu em
2000 um artigo irretocável sobre os efeitos desastrosos da corrupção para a
democracia. De paladino da democracia e da cidadania, Genuíno converteu-se exatamente
naquilo que condenou com maestria. Ao ler o artigo de Genuíno compreendi o
alcance do conselho certeiro que Olívio Dutra lhe deu (“Eu penso que a conduta
corajosa que deveria ser tomada seria a renúncia”. Entrevista
do ex-governador Olívio Dutra concedida ao jornalista Tales Armiliato, durante
o programa Dito e Feito Informação da Rádio São Francisco SAT integrante da
RedeSul de Rádio).
Francis Ford Coppola dirigiu
Kathleen
Turner em 1986 num grande filme chamado “Peggy Sue - seu passado a espera”.
Turner interpretou uma mulher de meia idade que, a beira do divórcio, sofre um
desmaio e acorda no passado. Ao se reencontrar consigo mesma, teve a chance de
refazer suas escolhas e mudar o rumo de sua vida. Infelizmente José Genuíno não
terá esta chance. Peggy Sue teve a felicidade de encontrar Coppola no seu caminho.
Genuíno não teve a mesma sorte, mas quem sabe Olívio Dutra pode devolver ao
deputado o que Coppola devolveu a Peggy Sue.
Abaixo o artigo na íntegra.
Vale a pena ler.
A corrupção e morte da cidadania.
José Genoíno
(Publicado no "Estado de S. Paulo"
em 29 abr. 2000)
Na teoria republicana
clássica sempre se teve como certo que a corrupção era a principal causa da
decadência das repúblicas e de sua transformação em regimes tirânicos ou
monárquicos. Nas democracias modernas, em nome ao combate à corrupção alguns
regimes de força foram implantados.
Hoje o problema não está
no fato de a corrupção poder proporcionar o fim da democracia, mas na
convivência que ela estabelece com a democracia. Uma democracia doente, porque
a corrupção representa uma violação das relações de convivência civil, social, econômica
e política, fundadas na eqüidade, na justiça, na transparência e na legalidade.
Em suma, a corrupção fere de morte a cidadania. Num país tomado pela corrupção,
como o Brasil, o cidadão se sente desmoralizado porque se sabe roubado e
impotente.
O cidadão sabe-se
impotente porque não tem a quem recorrer. Descobre que os representantes traem
a confiabilidade do seu voto, que as autoridades ou são corruptas ou omissas e
indiferentes à corrupção, que os próprios políticos honestos são impotentes e
que a estrutura do poder é inerentemente corruptora. Dessa impotência se firmam
as noções de que "nada adianta" e de que no fundo "são todos
iguais". A fixação desses sentimentos representa o fim da cidadania, pois
ela se baseia na participação ativa do indivíduo na luta por direitos e na
cobrança e fiscalização do poder. Quanto mais agonizante a cidadania, mais ativa
se torna a corrupção. Nas condições da cidadania agonizante, o corrupto
sente-se à vontade para se justificar e até para solicitar o aval eleitoral
para continuar na vida política.
Em 16/4, o "Estado
de São Paulo" publicou entrevistas sobre a corrupção no País com os chefes
dos três poderes - o presidente da República, o presidente da Câmara dos
Deputados e o presidente do Supremo Tribunal Federal -. As entrevistas causaram
espanto a muitas pessoas, pois são o retrato fiel da indiferença das
autoridades pela corrupção. Os chefes dos poderes se limitaram a constatar a ineficiência
das instituições e a declarar-se perplexos e enojados com tanta corrupção. Não
é isso que se espera de quem tem o poder de agir e de acionar os instrumentos
de combate aos corruptos.
O poder no Brasil não só
não age, mas protege os corruptos. Todos sabem que o problema da corrupção não
se reduz apenas a uma escolha entre o honesto e o desonesto. A estrutura do
poder público é corruptora. Em paralelo, a estrutura fiscalizadora - como o
Banco Central, a Receita e a Polícia Federal e a esfera judicial e processual -
favorece a impunidade, o que, na prática, se traduz em proteção, mesmo que
involuntária, da corrupção. Mas se a corrupção, sua proteção e a impunidade se
tornaram estruturais, a verdade é também que, em última instância, há uma
vontade explícita de manter intacta a estrutura corruptora.
Essa vontade se manifesta
de várias formas. A principal é a falta de iniciativa das autoridades
constituídas. Outra ocorre pelo bloqueio das mudanças institucionais e legais
que visam a ampliar e aperfeiçoar os instrumentos de combate à corrupção.
Veja-se que no Congresso se tentou aprovar o fim da imunidade parlamentar para
crimes comuns, a limitação do sigilo bancário e fiscal para detentores de
cargos públicos, medidas de combate à elisão e à sonegação fiscal, medidas de
combate à evasão ilegal e à lavagem de dinheiro, envolvendo até mesmo as
famosas contas CC-5, mudanças moralizadoras da Lei Eleitoral, etc. Essas
medidas foram sistematicamente derrotadas pela maioria governista, com o apoio
de chefes dos poderes superiores. Em contrapartida, a Câmara aprovou o
princípio que consagra o nepotismo; a Lei da Mordaça, que dificulta a
investigação judicial; ampliou-se o foro especial para julgamento de
autoridades e transferiu-se para foro especial o julgamento de delitos
previstos na lei de improbidade administrativa, tornando-a ineficaz. Já o
comando do Poder Judiciário não pode limitar-se a constatar o anacronismo do
Código de Processo Civil e Criminal. Precisa propor sua reforma.
Hoje a sociedade já
percebeu que a corrupção estrutural está albergada na falta de vontade de mudar
e de punir e na vontade explícita de proteger. A racionalidade do cidadão não
consegue compreender o porquê e o como de o processo de impeachment, o
escândalo do Orçamento, a falência dos Bancos Nacional e Econômico, o desvio
milionário do TRT de São Paulo, a corrupção da Prefeitura da capital paulista e
de tantos outros casos de corrupção não resultarem em nenhuma prisão dos
principais envolvidos. E porque a razão não consegue compreender essa medonha
impunidade, o cidadão sente-se desmoralizado. A corrupção assume a condição de
normalidade da vida política do País. A degradação e a ineficiência do poder
público atingiram tão elevado grau que não se pode mais acreditar que, apesar
de lentas, as mudanças virão.
Chegamos a um ponto em
que somente uma profunda cirurgia cívico-política pode conferir ao Brasil
condições democráticas e éticas de convívio social, econômico e político.
José Genoíno é deputado
federal (PT-SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário