Pin it

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

SOCIEDADE DO APLICATIVO: Os Apps como dispositivos de controle e orientação das vontades e dos desejos.

SOCIEDADE DO APLICATIVO: Os Apps como dispositivos de controle e orientação das vontades e dos desejos.

Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira (Deleuze).

Quanto maior o número de informações em relação aos indivíduos, maior a possibilidade de controle de comportamento desses indivíduos (Foucault).






Cada época inventou e experimentou suas próprias tecnologias de controle e submissão dos sujeitos (aqueles que são assujeitados por diferentes formas e combinações de saber e poder). Das técnicas de vigilância modernas às câmeras de monitoramento, das estruturas arquitetônicas das fábricas e das escolas aos dispositivos de localização dos smartphones, as novidades tecnológicas, que atuam como modeladores dos gestos e adestradores dos comportamentos, sempre foram apresentadas como facilitadoras da vida e maximizadoras de segurança.

Em “Vigiar e Punir”, lançado originalmente em 1975, Michel Foucault identificou, entre os séculos XVIII e XIX, a emergência de um novo sistema de poder, baseado na disciplina e no confinamento, que chamou de sociedade disciplinar. Em diversas instituições como escolas, fábricas, hospitais, quarteis e prisões, foram introduzidas tecnologias de controle e vigilância do tempo, do espaço e dos corpos dos indivíduos, com vistas a torna-los obedientes, úteis e molda-los às exigências da produção. A criação do panóptico, por Jeremy Benthan, representou a sofisticação dos mecanismos de vigilância. Os dispositivos disciplinares são constituídos por uma polarização entre a opacidade do poder e a transparência dos indivíduos. O panóptico ilustra perfeitamente bem esta polarização. A torre de controle ficaria fora do alcance dos indivíduos, enquanto os indivíduos estariam o tempo todo ao alcance do olhar supervisor da torre. Expostos à permanente visibilidade, estariam sujeitos à invisibilidade do mecanismo de controle que os observa. O que fazer diante de um poder que se exerce na invisibilidade?

                                                                           Panóptico.

Em 1990, num artigo intitulado “Post-scripton Sobre as Sociedades de Controle”, publicado no L´Autre Journal, Gilles Deleuze identificou os elementos, sobretudo tecnológicos, que articulariam uma nova ordem social: a sociedade de controle. A mudança teria ocorrido na segunda metade do século XX, no pós-segunda guerra. Os mecanismos de vigilância foram aprimorados e se generalizaram. A invasão das câmaras de segurança nos diversos espaços sociais (lojas, bancos, supermercados, estradas, e por aí a fora) o uso de transponders, de aparelhos celulares, cartões de crédito e da popularização da internet e das tecnologias de comunicação, ampliaram e tornaram mais eficientes as possibilidades de controle e vigilância. Antes circunscrita à lugares fechados, aos interiores das instituições disciplinares, a vigilância assumiria um caráter mais abrangente e alcançaria os espaços abertos. Para Deleuze, Kafka, que viveu no ponto e intersecção entre as duas ordens, anteviu, em O Processo, aspectos que anunciariam a passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de controle.




Da Sociedade do Controle à Sociedade do Aplicativo.

E hoje, estaríamos vivendo em que tipo de sociedade? Na sociedade do aplicativo? Exploremos a possibilidade. Os programas de computadores, conhecidos como Apps, que nos ajudam em tarefas específicas, estão assumindo o controle nas mais variadas atividades. Nos auxiliam na hora de pegar um taxi, de pedir comida, de dirigir, de cuidar dos bebês, de estudar, de escrever e de meditar, de dormir e de acordar. Dormindo ou acordados, os aplicativos controlam nossos fluxos de relacionamentos e atividades. São vistos como facilitadores úteis da vida diária. E minha intenção não é afirmar o contrário. Chamo a atenção apenas para a centralidade que estes dispositivos vêm, cada vez mais, ocupando em nossas vidas. Estaríamos à beira de uma ditadura do App? Num blog sobre tecnologia, a frase de abertura de um texto sobre os 10 aplicativos que você tem que usar em 2017, é: “Sem aplicativos o ser humano moderno não vive”. Tirando o exagero da afirmação, compreensível num blog sobre tecnologia, nota-se o lugar vital que os arautos destes dispositivos, que habitam as pequenas divindades digitais (os smartphones), pretendem que eles assumam em nossas vidas.

Se considerarmos a maneira como as pessoas expõem seus hábitos nas diversas redes sociais, disponibilizando dados e informações sobre quase tudo o que fazem, onde estão, como estão e com que frequência visitam certos lugares, os aplicativos assumem, cada vez mais, a função de dispositivos de controle.

A sociedade do aplicativo, se embarcarem na minha “brincadeira”, seria uma espécie de variação, ou sofisticação, da sociedade do controle. Mas que forma de controle é essa que está na palma da mão e, aparentemente, sob o nosso comando? É exatamente esta a sofisticação. Julgamos comandar a tecnologia, porque está sob o nosso controle, mas na verdade somos dirigidos por ela (creio que o seriado inglês Black Mirror capturou isso de maneira inteligente). Por meio destes dispositivos, criados freneticamente, introjectamos e assimilamos inúmeras formas de controle sobre nossas vidas e passamos a usá-las no dia-a-dia sem se dar conta do espaço que vão ocupando nas nossas relações e na mediação da nossa comunicação com o mundo e, sobretudo, da forma como vão ditando nosso comportamento e orientando os nossos desejos. Os Aplicativos estão para a sociedade de controle assim como o Panóptico estava paras a sociedade disciplinar.

Em alguns casos, os Apps são um substitutivo para a memória, pois nos avisam e nos lembram a todo instante das coisas que devemos fazer. Parece cômodo (e é), mas cria dependência. Um estudo realizado pela Flurry, empresa que desenvolve e comercializa uma plataforma para analisar as interações do consumidor com aplicativos móveis, revelou que há em torno de 280 milhões de viciados em aplicativos para celular no mundo (considerando que a pesquisa já tem mais de dois anos, o número deve ter aumentado exponencialmente). Especialistas do Hospital das Clínicas, de São Paulo, afirmaram que 10% dos internautas brasileiros já foram diagnosticados com dependência de tecnologia: são pessoas que ficam até 12 horas conectadas e, quando desconectadas, apresentam sintomas de tremedeira, sudorese, taquicardia e, em casos mais complicados, com tentativas de suicídio. Todavia, advertiu um especialista, não é o tempo conectado que define uma situação de dependência, mas a perda de controle sobre a tecnologia (Link para consultar estas informações: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/07/viciados-em-tecnologia-usam-app game-e-celular-como-se-fosse-droga.html).

A dependência é alarmante, não há dúvidas, e atinge os consumidores de tecnologia em diferentes graus. Mas eu estou chamando a atenção para os dispositivos de controle que os Apps carregam, e os efeitos coletivos sobre milhões de pessoas, comandadas pelos mesmos programas. Além de saber onde os usuários estão e o que estão fazendo, à maneira de um panóptico móvel, os Apps, cada vez mais, definem os gostos, as escolhas, os procedimentos, o lazer e as formas de mobilidade de milhões de usuários, que são induzidos a determinadas ações, gerando um comportamento de manada. Uma manada montada na tecnologia e facilmente dirigida para os caminhos ditados pelo poder pastoral dos Apps.

A cadeia de Apps criada para facilitar as nossas vidas estão roubando, com o nosso consentimento, a nossa liberdade, a liberdade de decidir, de improvisar, de errar. O filósofo francês Jean-Michel Besnier disse recentemente numa entrevista que “estamos cada vez mais cercados de máquinas que são pensadas para facilitar nossa vida”, para melhorar a circulação, a segurança e nos poupar tempo.  Mas isso também tem sequestrado as nossas iniciativas. “Nós nos tornamos cada vez menos livres - portanto, menos morais - e nos comportamos cada vez mais como máquinas. Isso abre as portas para uma desumanização. Ser livre é aceitar a sorte, tomar riscos (Besnier).”

“A visibilidade é uma armadilha [...] É o fato de ser visto sem cessar, de sempre poder ser visto, que mantém sujeito o indivíduo disciplinar" (Foucault). Eis a nossa condição, mas com um agravante: as tecnologias de controle e vigilância contemporâneas, diferentemente das fábricas-prisões e das câmeras de vigilância, são atraentes, sedutoras, viciantes, pagamos caro por elas e acreditamos que elas ampliam nossas redes de sociabilidade e nossas liberdades de escolha e movimento (Ou será que nós nos enredamos como peixes na poderosa rede (a armadilha) e usamos a tecnologia das redes para manter o outro sob nosso controle, vigilância e monitoramento, fiscalizando seus passos, gostos e comportamentos?).





Nenhum comentário:

Postar um comentário